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ANTOLOGIA. POÉTICA. Vinícius de Moraes. Profª Neusa. 1ª fase: “MÍSTICA” , TRANSCEDENTAL Versos “desusadamente longos” (versos claudelianos – Paul Claudel) Questionamento: Deus, homem, precária condição humana
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ANTOLOGIA POÉTICA Vinícius de Moraes Profª Neusa
1ª fase: “MÍSTICA” , TRANSCEDENTAL • Versos “desusadamente longos” (versos claudelianos – Paul Claudel) • Questionamento: Deus, homem, precária condição humana • Influência de Octávio de farias e Augusto Frederico Schmidt (morte e espiritualidade) • Proximidade com o texto bíblico: oratória, vocabulário, temas imagens e recursos (sinonímia e redundância) • Tom confessional e diálogo com Deus • Atmosfera de conflito: sofrimento e angústia • Diálogo com o Simbolismo (sugestão, sinestesia, musicalidade, universo simbólico) e Surrealismo francês (inconsciente)
1933 - O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA 1935 - FORMA E EXEGESE O Incriado Distantes estão os caminhos que vão para o tempo - outro luar eu vi passar na alturaNas plagas verdes as mesmas lamentações escuto como vindas da eterna espera(...) De que serve o poeta desabrochar sobre o pântano e cantar prisioneiro Eu-poemático atormentado: solidão, descrença e angústia (...) Nas ruas noturnas a alma passeia, desolada e só, em busca de Deus. Eu sou como o velho barco que guarda no seu bojo o eterno ruído do mar batendoNo entanto, como está longe o mar e como é dura a terra sob mim... Eterna busca de um sentido existencial
Na terra primeira ninguém conhecia o Senhor das bem-aventuranças...Quando meu corpo precisou repousar, eu repousei, quando minha boca ficou sedenta, eu bebiQuando meu ser pediu a carne, eu dei-lhe a carne mas eu me senti mendigo. (...) História da criação do mundo A cidade deserta é o espaço onde o poeta sonha os grandes vôos solitáriosMas quando o desespero vem e o poeta se sente morto para a noiteAs entranhas das mulheres afogam o poeta e o entregam dormindo à madrugada. Terrível é a dor que lança o poeta prisioneiro à suprema miséria(...) Mas boa é a companhia errante que traz o esquecimento de um minutoBoa é a esquecida que dá o lábio morto ao beijo desesperado. Presença maldita da mulher
Eu sou o Incriado de Deus, o que não teve a sua alma e semelhançaEu sou o que surgiu da terra e a quem não coube outra dor senão a terraEu sou a carne louca que freme ante a adolescência impúbere e explode sobre a imagem criadaEu sou o demônio do bem e o destinado do mal mas eu nada sou. (...) No teu puríssimo regaço eu nunca estarei, Senhora... (...) Eu tenho o desvelo e a benção, mas sofro como um desesperado e nada possoCondição de indigno e pecador (...) Eu sou o Incriado de Deus, o que não pode fugir à carne e à memóriaEu sou como o velho barco longe do mar, cheio de lamentações no vazio do bojoNo meu ser todas as agitações se anulam - nada permanece para a vidaSó eu permaneço parado dentro do tempo passando, passando, passando... Condição de mortalidade
1936 - ARIANA, A MULHER Ariana, a mulher Quando, aquela noite, na sala deserta daquela casa cheia de montanha em torno O tempo convergiu para a morte e houve uma cessação estranha seguida de um debruçar do instante para o outro instante Ante o meu olhar absorto o relógio avançou e foi como se eu tivesse me identificado a ele e estivesse batendo soturnamente a meia noite E na ordem de horror que o silêncio fazia pulsar como um coração dentro do ar despojado senti que a Natureza tinha entrado invisivelmente através das paredes e se plantara aos meus olhos em toda a sua fixidez noturna E que eu estava no meio dela e à minha volta havia árvores dormindo e flores desacordadas pela treva. Como que a solidão traz a presença invisível de um cadáver - e para mim era como se a Natureza estivesse morta (...) Atmosfera opressiva: solidão, medo e morte Fim dos tempos Natureza= papel agressivo: morte
Quando caí no ventre quente de uma campina de vegetação úmida e sobre a qual afundei minha carne.Foi então que eu compreendi que só em mim havia morte e que tudo estava profundamente vivo(...)E ouvi os gemidos dos galhos tremendo, dos gineceus se abrindo, das borboletas noivas se finandoE tão grande foi a minha dor que angustiosamente abracei a terra como se quisesse fecundá-la(...) Identificação do eu com a morte Mudança de foco: Natureza= traços femininos e fecundantesTristemente me brotou da alma o branco nome da Amada e eu murmurei - Ariana! (...) E tudo em mim buscava Ariana e não havia em nenhuma parteMas se Ariana era a floresta, por que não havia de ser Ariana a terra?Se Ariana era a morte, por que não havia de ser Ariana a vida? Comunhão com a mãe-terra: Simbologia do nome Ariana
E perguntei: Pescadores, onde está Ariana? - e eles me mostravam o peixeFerreiros, onde está Ariana? - e eles me mostravam o fogoMulheres, onde está Ariana? - e elas me mostravam o sexo. (...) Mas Ariana não era a mulher, nem a moeda, nem a mercadoria, nem a púrpuraE eu disse comigo: Em todo lugar menos que aqui estará ArianaE compreendi que só onde cabia Deus cabia Ariana. (...)Ariana: presente em tudo e em nenhuma parte (contradição) Dentro em pouco todos corriam a mim, homens varões e mulheres desposadasUmas me diziam: Meu senhor, meu filho morre! e outras eram cegas e paralíticasE os homens me apontavam as plantações estorricadas e as vacas magras.E eu dizia: Eu sou o enviado do Mal! e imediatamente as crianças morriam (...) Provações para superar o Mal Mas é preciso! para que surja a Exaltada, a branca e sereníssima ArianaA que é a lepra e a saúde, o pó e o trigo, a poesia e a vaca magraAriana a mulher - a mãe, a filha, a esposa, a noiva a bem-amada! (...)Ariana associada à salvação= Deus, Natureza, Poesia, Amor (Totalidade)
E, meu coração pôs-se a bater pausadamente doze vezes o sinal cabalístico de Ariana(...) Vi que estava só e que era eu mesmo e reconheci velhos objetos amigosMas passando sobre o rosto a mão gelada senti que chorava as puríssimas lágrimas de Ariana E que o meu espírito e o meu coração eram para sempre da branca e sereníssima Ariana No silêncio profundo daquela casa cheia da montanha em torno. Ariana inserida na esfera do sagrado, do mistério e da eternidade 12 batidas: Anuncia uma nova existência
1938 - NOVOS POEMAS Abertura para os mistérios do mundo e da vida / Realidade mais imediata / Tendência mais leve e humorada A mulher que passa Meu Deus, eu quero a mulher que passa.Seu dorso frio é um campo de líriosTem sete cores nos seus cabelosSete esperanças na boca fresca!Oh! Como és linda, mulher que passasQue me sacias e supliciasDentro das noites, dentro dos dias! (...)Teus pelos são relva boa Fresca e macia. (...) Comunhão com a mulher: equilíbrio Sensualidade, perfeição (universo bíblico: “Cântico dos cânticos”)
Meu Deus, eu quero a mulher que passa! (...) Aproximação do eu com Deus Por que não voltas, mulher que passas?Por que não enches a minha vida?Por que não voltas, mulher queridaSempre perdida, nunca encontrada? (...)No santo nome do teu martírioDo teu martírio que nunca cessaMeu Deus, eu quero, quero depressaA minha amada mulher que passa!Que fica e passa, que pacificaQue é tanto pura como devassaQue bóia leve como cortiçaE tem raízes como a fumaça. Mulher: pureza X sensualidade / Abrandamento do sentimento de pecado / Versos curtos, musicalidade (aliterações e assonâncias) / Simplicidade, tom mais leve Plenitude inalcançável Sagrado: eu / Cristo
Invocação à mulher única Tu, pássaro – mulher de leite! Tu que carregas as lívidas glândulas do amor acima do sexo infinito Tu, que perpetuas o desespero humano – alma desolada da noite sobre o frio das águas – tu (...) Representação simbólica da mulher: maternidade, sexualidade A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões, estupradores, onanistas – negações do bem: o Antigo Testamento! – a minha descendência De poetas: puros, selvagens, líricos, inocentes: O Novo Testamento afirmações do bem: dúvida (Dúvida mais fácil que a fé, mais transigente que a esperança, mais oportuna que a caridadeDúvida, madrasta do gênio) – tudo, tudo se esboroa ante a visão do teu ventre púbere, alma do Pai, coração do Filho, carne do Santo Espírito, amém!Tu, criança! cujo olhar faz crescer os brotos dos sulcos da terra – perpetuação do êxtase (...)
Mulher que eu amo, criança que amo, ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.Não me deixes morrer!... eu, homem – fruto da terra – eu, homem – fruto do pensamento – eu, hímem – fruto da carne (...) Eu que sou um grito perdido no primeiro vazio à procura de um Deus que é o vazio ele mesmo! (...)No invólucro da Natureza que és tu mesma, coberto da tua pele que é a minha própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna! Fé= ideal a ser perseguido Mulher= fonte de poesia Retomada de versos longos / Tom mais solene / Referências ao texto bíblico
A vida vividaQuem sou eu senão um grande sonho obscuro em face do SonhoSenão uma grande angústia obscura em face da Angústia (...)Que destino é o meu senão de assistir ao meu DestinoRio que sou em busca do mar que me apavoraAlma que sou clamando o desfalecimentoCarne que sou no âmago inútil da prece?O que é a mulher em mim senão o TúmuloO branco marco da minha rota peregrinaAquela em cujos braços vou caminhando para a morteMas em cujos braços somente tenho vida? (...) O que é a mulher em mim senão o TúmuloO branco marco da minha rota peregrinaAquela em cujos braços vou caminhando para a morteMas em cujos braços somente tenho vida? (...) Questionamento sobre a existência Simbolismo (Grandiosidade das idéias) Angústia, morte Mulher: conflito vida x morte
O que é o meu ideal senão o Supremo Impossível Aquele que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo O que é ele em mim senão o meu desejo de encontrá-lo E o encontrando, o meu medo de não o reconhecer? Busca do impossível
Soneto de Intimidade Nas tardes da fazenda há muito azul demais. Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. Desço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma aurora Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve Nós todos, animais sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma. Integração do eu-poemático com a natureza Retorno à origem primitiva Percepção sinestésica Humor, malícia
Fase transitória • 1943 - Cinco elegias • Poemas extensos • Misto de tristeza e entusiamo • Mulher não mais ligada ao pecado • Sentimentos de solidão e culpa, medo do desconhecido, angústia existencial
Elegia quase uma odeMeu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem.O verso que mergulha o fundo de minha almaÉ simples e fatal, mas não traz carícia... (...) Mas tu, PoesiaTu desgraçadamente PoesiaTu que me afogaste em desespero e me salvasteE me afogaste de novo e de novo me salvaste e me trouxeste (...) A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria, sofrimento, morte, (serenidadeHei de chamá-lo assim que sou fraco e mutável (...) Que hei de fazer de mim que sofro tudoAnjo e demônio, angústias e alegriasQue peco contra mim e contra Deus! (...) Sou fraco e forte, venço a vida: brevePerco tudo; breve, não posso mais...Oh, natureza humana, que desgraça! Conflito: eu x vida/poesia Conflito: Bem x Mal / eu x Deus
Busca por saídas Venham me fazer sentir sábio como antigamente!Hoje me sinto despojado de tudo que não seja músicaPoderia assoviar a idéia da morte, fazer uma sonata de toda a tristeza humana (...) Minha Nossa Senhora, dai-me paciênciaMeu Santo Antônio, dai-me muita paciênciaMeu São Francisco de Assis, dai-me muitíssima paciência! (...) Basta!(...) Tenho me sacrificado muito demais, um mundo de mulheres em excesso tem (me vendido (...) Anjos, tangei sinosO anacoreta quer a sua amadaQuer a sua amada vestida de noivaQuer levá-la para a neblina do seu amor...Mendelssohn, toca a tua marchinha inocenteSorriam pajens, operárias curiosasO poeta vai passar soberboAo seu abraço uma criança fantástica derrama os óleos santos das últimas (lágrimas Apelo às divindades cristãs (ligação mais mundana) Busca por mulheres: alcançar o amor Elegia Ode
Elegia desesperada(...) Revesti-me de paz? – não mais se me fecharão as chagasAo beijo ardente dos ideais – perdi-me (...)Gritarei a Deus? – ai dos homens!Aos homens? – ai de mim! CantareiOs fatais hinos da redenção? Morra DeusEnvolto em música! – e que se abracemAs montanhas do mundo para apagar o rasto do poeta!***Para as montanhas, a imagem do homem crispado, correndoÉ a visão do próprio desespero perdido na própria imobilidade.Ele traz em si mesmo a maior das doençasSobre o seu rosto de pedra os olhos são órbitas brancasÀ sua passagem as sensitivas se fecham apavoradasE as árvores se calam e tremem convulsas de frio. (...) Descrença em Deus e nos homens Impossibilidade
(O DESESPERO DA PIEDADE)Meu senhor, tende piedade dos que andam de bondeE sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...Mas tende piedade também dos que andam de automóvelQuando enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.Tende piedade das pequenas famílias suburbanasE em particular dos adolescentes que se embebedam de domingosMas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passamE sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina. (...)Precária condição humana (simplicidade e tragicidade) E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tende piedade das mulheres Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres(...) Que o homem molesta – que o homem não presta, não presta, meu Deus! (...) Tende piedade da mulher no primeiro coitoOnde se cria a primeira alegria da CriaçãoE onde se consuma a tragédia dos anjosE onde a morte encontra a vida em desintegração
Tende piedade da mulher no instante do partoOnde ela é como a água explodindo em convulsãoOnde ela é como a terra vomitando cóleraOnde ela é como a lua parindo desilusão. (...) Mulher: multiplicidade de faces ( maternidade, sexualidade, pureza)
Elegia ao primeiro amigo(...) É antes uma vontade indizível de te falar docementeDe te lembrar tanta aventura vivida, tanto meandro de ternuraNeste momento de solidão e desmesurado perigo em que me encontro. (...) Escuto vozes ermasQue me chamam para o silêncio.SofroO horror dos espaçosO pânico do infinitoO tédio das beatitudes. (...) Uma mulher me vê viver, que me chama; devoSegui-Ia, porque tal é o meu destino. SeguireiTodas as mulheres em meu caminho, de tal formaQue ela seja, em sua rota, uma dispersão de pegadasPara o alto, e não me reste de tudo, ao fimSenão o sentimento desta missão e o consolo de saberQue fui amante, e que entre a mulher e eu alguma coisa existeMaior que o amor e a carne, um secreto acordo, uma promessaDe socorro, de compreensão e de fidelidade para a vida. Angústia do eu-poemático / lembrança melancólica do passado Relação mais profunda com a mulher (dimensão mítica)
Elegia lírica(...)A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céuTem olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos...É tão bonita! tem um cabelo fino, um corpo de menino e um andar pequenino(...)Convivência e afetividade com a mulher amada (menos idealizada) É uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisaQue me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar e de ser (presidente da república. (...) E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de errosEla fez um eterno perdido..."Meu benzinho adorado minha triste irmãzinha eu te peço por tudo o que há de mais sagrado que você me escreva uma cartinha sim dizendo como é que você vai que eu não sei eu ando tão zaranza por causa do teu abandono eu choro e um dia pego tomo um porre danado que você vai ver e aí nunca mais mesmo que você me quer e sabe o que eu faço eu vou-me embora para sempre e nunca mas vejo esse rosto lindo que eu adoro... (...) Antagonismo na figura feminina: N. Senhora x cigana
Quero dizer-te em outras palavras todos os votos de amor jamais sonhadosAlóvena, ebaentePuríssima, feita para morrer..."ÓCrucificado estouNa ânsia deste amor (...) No fundo o que eu quero é que ninguém me entendaPara eu poder te amar tragicamente! Prazer = sofrimento amoroso Imagens bíblicas
A última elegia “Fim” da elegia Paixão exaltada (noites londrinas) Sugestão visual (influência de Mallarmé e Apollinaire) Concretismo (década de 50) Experimentalismo bilingue O L O F E S R S S H E O O F C A Greenish, newish roofs of Chelsea (...) the waterAm I p a Spider?i Am I p a Mirror?eAm I s an X Ray? (...) Em lúridas, muito lúridasAventuras do amor mediúnico e miaugente... (...)
2ª fase – “Poesia social e amorosa” • 1946 - Poemas, sonetos e baladas • 1959 - Novos poemas II • “O encontro do poeta com o cotidiano” • - Metafísico físico • - Espiritual sensual • Sublime cotidiano • Sugestões românticas (contemplação do Amor) • Revolta social = sentimento de fraternidade (eu-coletivo) • Mulher = amada que o libertará do pecado e do sofrimento
Quatro Sonetos De Meditação IVApavorado acordo, em treva. O luarÉ como o espectro do meu sonho em mimE sem destino, e louco, sou o marPatético, sonâmbulo e sem fim.Desço na noite, envolto em sono; e os braçosComo ímãs, atraio o firmamentoEnquanto os bruxos, velhos e devassosAssoviam de mim na voz do vento.Sou o mar! sou o mar! meu corpo informeSem dimensão e sem razão me levaPara o silêncio onde o Silêncio dormeEnorme. E como o mar dentro da trevaNum constante arremesso largo e aflitoEu me espedaço em vão contra o infinito. Angústia, diálogo com o infinito (intimismo)
O dia da Criação Macho e fêmea os criou. Gênesis, 1, 27 I (...) Hoje é sábado, amanhã é domingoNão há nada como o tempo para passarFoi muita bondade de Nosso Senhor Jesus CristoMas por vias das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo o mal.(...) II Neste momento há um casamentoPorque hoje é sábadoHá um divórcio e um violamentoPorque hoje é sábado (...) Há um renovar-se de esperançasPorque hoje é sábadoHá uma profunda discordânciaPorque hoje é sábado Visão cristã - atmosfera irônica Tom grave, solene
III Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevasE depois, da separação das águas, e depois da fecundação da terraE depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terraMelhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.Na verdade o homem não era necessárioNem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres com as plantas, imovelmente e nunca saciadaTu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.(...) Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto dia e sim no SétimoE para não ficar com as vastas mãos abanandoResolveu fazer o homem à sua imagem e semelhançaPossivelmente, isto é, muito provavelmentePorque era sábado. Uso de versos longos
A ROSA DE HIROXIMA Pensem nas criançasMudas telepáticasPensem nas meninasCegas inexatasPensem nas mulheresRotas alteradasPensem nas feridasComo rosas cálidasMas oh não se esqueçamDa rosa da rosaDa de HiroximaA rosa hereditáriaA rosa radioativaEstúpida e inválidaA rosa com cirroseA anti-rosa atômicaSem cor sem perfumeSem rosa sem nada Convite à reflexão - crueldade da guerra / bomba atômica Culpa da humanidade
Pátria Minha A minha pátria é como se não fosse, é íntimaDoçura e vontade de chorar; uma criança dormindoÉ minha pátria. Por isso, no exílioAssistindo dormir meu filhoChoro de saudades de minha pátria.Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:Não sei. De fato, não seiComo, por que e quando a minha pátriaMas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a águaQue elaboram e liquefazem a minha mágoaEm longas lágrimas amargas.Vontade de beijar os olhos de minha pátriaDe niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feiasDe minha pátria, de minha pátria sem sapatosE sem meias pátria minhaTão pobrinha! Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenhoPátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneçoEm contato com a dor do tempo, eu elementoDe ligação entre a ação o pensamentoEu fio invisível no espaço de todo adeusEu, o sem Deus!Tenho-te no entanto em mim como um gemidoDe flor; tenho-te como um amor morridoA quem se jurou; tenho-te como uma féSem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeitoNesta sala estrangeira com lareiraE sem pé-direito.Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova InglaterraQuando tudo passou a ser infinito e nada terraE eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céuMuitos me surpreenderam parado no campo sem luzÀ espera de ver surgir a Cruz do SulQue eu sabia, mas amanheceu... Fonte de mel, bicho triste, pátria minhaAmada, idolatrada, salve, salve!Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...Não tardo!Quero rever-te, pátria minha, e para Rever-te me esqueci de tudoFui cego, estropiado, surdo, mudoVi minha humilde morte cara a caraRasguei poemas, mulheres, horizontesFiquei simples, sem fontes.Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostentaLábaro não; a minha pátria é desolaçãoDe caminhos, a minha pátria é terra sedentaE praia branca; a minha pátria é o grande rio secularQue bebe nuvem, come terra E urina mar. Mais do que a mais garrida a minha pátria temUma quentura, um querer bem, um bemUm libertas quae sera tamemQue um dia traduzi num exame escrito:"Liberta que serás também"E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisaQue brinca em teus cabelos e te alisaPátria minha, e perfuma o teu chão...Que vontade de adormecer-meEntre teus doces montes, pátria minhaAtento à fome em tuas entranhasE ao batuque em teu coração.Não te direi o nome, pátria minhaTeu nome é pátria amada, é patriazinhaNão rima com mãe gentilVives em mim como uma filha, que ésUma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez. Agora chamarei a amiga cotoviaE pedirei que peça ao rouxinol do diaQue peça ao sabiáPara levar-te presto este avigrama:"Pátria minha, saudades de quem te ama...
O Operário Em Construção E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.E Jesus, respondendo, disse-lhe:– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.Lucas, cap. V, vs. 5-8. Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconheciaDe sua grande missão:Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão. (...)
Mas ele desconheciaEsse fato extraordinário:Que o operário faz a coisaE a coisa faz o operário.De forma que, certo diaÀ mesa, ao cortar o pãoO operário foi tomadoDe uma súbita emoçãoAo constatar assombradoQue tudo naquela mesa– Garrafa, prato, facão – Era ele quem os fazia (...)O operário emocionado Olhou sua própria mão Sua rude mão de operário De operário em construção (...) Foi dentro da compreensãoDesse instante solitárioQue, tal sua construçãoCresceu também o operário. Cresceu em alto e profundoEm largo e no coração (...)O operário adquiriuUma nova dimensão:A dimensão da poesia. (...) E aprendeu a notar coisasA que não dava atenção: Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrãoQue seu macacão de zuarteEra o terno do patrãoQue o casebre onde moravaEra a mansão do patrão (...)E o operário disse: Não! (...) Ao sair da construçãoViu-se súbito cercado
Dos homens da delaçãoE sofreu, por destinadoSua primeira agressão. (...)Da construção que crescia. Sentindo que a violênciaNão dobraria o operárioUm dia tentou o patrãoDobrá-lo de modo vário. (...)O operário via as casasE dentro das estruturasVia coisas, objetosProdutos, manufaturas.Via tudo o que faziaO lucro do seu patrãoE em cada coisa que viaMisteriosamente haviaA marca de sua mão.E o operário disse: Não! – Loucura! – gritou o patrãoNão vês o que te dou eu?– Mentira! – disse o operário Não podes dar-me o que é meu. E um grande silêncio fez-seDentro do seu coração (...)E o operário ouviu a vozDe todos os seus irmãosOs seus irmãos que morreramPor outros que viverão.Uma esperança sinceraCresceu no seu coraçãoE dentro da tarde mansaAgigantou-se a razãoDe um homem pobre e esquecidoRazão porém que fizeraEm operário construídoO operário em construção.
SONETO DA FIDELIDADE De tudo, meu amor serei atentoAntes, e com tal zelo, e sempre, e tantoQue mesmo em face do maior encantoDele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momentoE em seu louvor hei de espalhar meu cantoE rir meu riso e derramar meu prantoAo seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procureQuem sabe a morte, angústia de quem viveQuem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :Que não seja imortal, posto que é chamaMas que seja infinito enquanto dure.
SONETO DE SEPARAÇÃO De repente do riso fez-se o prantoSilencioso e branco como a brumaE das bocas unidas fez-se a espumaE das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o ventoQue dos olhos desfez a última chamaE da paixão fez-se o pressentimentoE do momento imóvel fez o drama. De repente, não mais que de repenteFez-se de triste o que se fez amanteE de sozinho o que se fez contente Fez-se do amigo próximo o distanteFez-se da vida uma aventura erranteDe repente, não mais que de repente. Jogo antitético Mudanças na relação amorosa Inconstância
SONETO DO AMOR TOTAL Amo-te tanto, meu amor... não canteO humano coração com mais verdade...Amo-te como amigo e como amanteNuma sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestanteE te amo além, presente na saudadeAmo-te, enfim, com grande liberdadeDentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmenteDe um amor sem mistério e sem virtudeCom um desejo maciço e permanente. E de te amar assim, muito e amiúdeÉ que um dia em teu corpo de repenteHei de morrer de amar mais do que pude.
Poética (I) De manhã escureçoDe dia tardoDe tarde anoiteçoDe noite ardo.A oeste a morteContra quem vivoDo sul cativoO este é meu norte.Outros que contemPasso por passo:Eu morro ontemNasço amanhãAndo onde há espaço: - Meu tempo é quando. Dia Noite Passagem do tempo Claridade Passionalidade Liberdade poética - Metalinguagem Valorização do circunstancial
Poema dos olhos da amada Oh, minha amadaQue os olhos teus São cais noturnosCheios de adeusSão docas mansasTrilhando luzesQue brilham longeLonge nos breus Oh, minha amada Que olhos os teus Quanto mistério Nos olhos teusQuantos saveiros Quantos naviosQuantos naufrágios Nos olhos teus Oh, minha amada Que olhos os teus Se Deus houvera Fizera-os DeusPois não os fizeraQuem não soubera Que há muitas eras Nos olhos teus Ah, minha amada De olhos ateus Cria a esperança Nos olhos meus De verem um dia O olhar mendigo Da poesiaNos olhos teus