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PUC - FFCH - FILOSOFIA Metodologia Filosófica Prof. Nereu R. Haag Aula aberta Metodologia Filosófica: motivação para o estudo da Filosofia 20 DE JUNHO DE 2011.
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PUC - FFCH - FILOSOFIAMetodologia Filosófica Prof. Nereu R. HaagAula abertaMetodologia Filosófica: motivação para o estudo da Filosofia20 DE JUNHO DE 2011
INTRODUÇÃO Acontece com o método algo semelhante ao que aconteceu com o conceito ou definição da filosofia. O método da filosofia, com efeito, pode definir-se, descrever-se; mas a definição que dele se der, a descrição que dele se fizer, será sempre externa, será sempre formulista; não terá conteúdo vivo, não estará cheia de vivência, se nós mesmos não praticamos esse método.
Assim, ter de descrever o método filosófico antes de ter feito filosofia não é um empreendimento fácil, porém desafiador; mas tornar-se-á extremamente gratificante mais tarde, quando já nossa experiência vital estiver cumulada de intuições filosóficas, quando nós mesmos tivermos exercitado lá repetidamente nosso espírito no preparo desse mel que a abelha humana destila e que chamamos Filosofia.
Da melhor maneira que nos for possível, tentaremos uma descrição dos principais métodos que se usam na filosofia, avisando, desde já, que somente mais adiante é que essas determinações conceituais, que hoje enumeramos, encontrarão a plenitude do seu verdadeiro sentido.
Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar a seu estudo uma disposição infantil. Quem quiser ser filósofo necessitará puerilizar-se, infantilizar-se, transformar-se em menino.
Em que sentido a afirmação de que convém que o filósofo se puerilize? No sentido de que a disposição de ânimo para filosofar deve consistir essencialmente em perceber e sentir por toda a parte, tanto no mundo da realidade sensível, como no mundo dos objetos ideais, problemas; admirar-se de tudo, colocar-se ante o universo e o próprio ser humano com um sentimento de estupefação, de admiração, de curiosidade insaciável, como a criança que não entende nada e para quem tudo é problema.
Esta é a disposição primária que deve levar ao estudo da filosofia o principiante. Para Platão a primeira virtude do filósofo é admirar-se (Thaumátzein) - donde vem a palavra "taumaturgo“ (milagreiro). Admirar-se, sentir essa divina inquietação que faz com que, lá onde os outros passam tranquilos, sem vislumbrar sequer que existem problemas, aquele que tem uma disposição filosófica está sempre inquieto, intranquilo, percebendo na mais pequenina coisa problemas, incógnitas que os demais não vêem.
Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo. O filósofo necessita, pois, uma primeira dose de infantilidade; uma capacidade de admiração, que o homem já feito, que o homem já enrijecido, encanecido, não costuma possuir. Realmente, para Sócrates os grandes atores do drama filosófico são os jovens e as mulheres.
Essa admiração, pois, é uma disposição fundamental para a filosofia. E resumindo esta exposição, poderemos defini-la, agora já de um modo conceitual, como a capacidade de tudo problematizar, de converter tudo em problemas.
Uma segunda disposição que é indispensável ao trabalho filosófico é o que se chama: espírito de rigor no pensamento, a exigência de exatidão. Também a idade melhor para começar a filosofar é a mocidade. O jovem não admite passos em falso nas coisas do espírito. O jovem tem uma exigência de rigor que o homem já idoso, com o ceticismo que traz à idade, não mais se faz.
Esta exigência de rigor há de ter para os que vão fazer filosofia dois aspectos básicos: De uma parte, a de levar-nos a eliminar o mais possível de nossas considerações as cômodas, mas inúteis, tradições do senso comum. Existe uma sabedoria popular que se condensa em ditados, tradições, ideias, que a massa do povo traz e leva. A filosofia não é isto. A filosofia, pelo contrário, há de reagir contra essa pretensa sabedoria.
A filosofia tem que levar à solução dos seus problemas um rigor metódico que é incompatível com a excessiva facilidade com que essas concepções da sabedoria popular passam de mente em mente e enraízam na maior parte dos espíritos.
De outra parte, teremos de reagir contra o defeito contrário que é o de imaginar que a filosofia deve ser feita como as ciências; que a filosofia não pode ser senão a síntese dos resultados obtidos pelas ciências positivas. É desanimador ver o que os cientistas mais ilustres nas disciplinas positivas fizeram quando se puseram a filosofar sem saber filosofia.
Teremos, pois, de fugir das generalizações apressadas da ciência, quando estas ultrapassam os limites estreitos a que está reduzida. O fato, por exemplo, de ter descoberto o neurônio, o elemento mínimo do sistema nervoso, não pode autorizar o neurólogo, por ilustre e sábio que seja, a escrever vulgaridades e trivialidades sobre os problemas elementares da filosofia.
É preciso convencer-se de que a filosofia não é ciência. A filosofia é uma disciplina tão rigorosa e difícil como a ciência; porém não é ciência, porque entre ambas há muita diferença de propósito e de método, e entre outras diferenças existe esta: que cada ciência tem um objeto delimitado, enquanto que a filosofia se ocupa do filosofar.
Feitas estas colocações, tendo descrito as duas disposições de ânimo que me parecem necessárias para abordar os problemas filosóficos, avançaremos dando um passo à frente abordando aspectos históricos dos métodos da filosofia.
1 ASPECTOS HISTÓRICOS A origem da Filosofia se dá por volta do VII século a. C. quando na Grécia houve a passagem do conhecimento mítico ao pensamento racional.
O período pré-socrático As narrativas míticas em todas as sociedades antigas cumpriam uma função social. O mesmo se dá na sociedade grega. Os mitos explicavam os principais eventos da vida humana. O mito (mythos) que se constituía de uma narrativa simbólica dependia da transmissão oral e se baseava na autoridade do transmissor.
As histórias épicas de Homero, permeadas de intervenções sobrenaturais, ou a teogonia de Hesíodo eram mythos no sentido de serem anúncios revestidos de autoridade, dignos de crédito e reverência.
Quando Anaximandro rejeitou as explicações de seu mestre - Tales de Mileto - e propôs concepções alternativas sobre a natureza e estrutura do cosmos, o pensamento humano dava seus primeiros passos em direção ao debate franco, público e aberto de ideias, orientado apenas por critérios racionais de correção, como forma destacada de se aperfeiçoar o conhecimento.
Discussão noite adentro, deWilliam Blades Anaximandro e Tales de Mileto em um debate noturno.
Portanto, o primeiro “método” de transmissão do conhecimento filosófico foi o debate verbal através da sustentação das ideais que cada filósofo defendia, sinal evidente da influência com a forma mítica de transmissão das “verdades” comunicadas pelos “sacerdotes” responsáveis por tal tradição.
Gravura que retrata Parmênides, um dos mais destacados filósofos pré-socráticos, que discursava diante de ouvintes e interlocutor.Provavelmente seus oponentes eram os sofistas.
O período socráticoO nascimento, propriamente dito, da Filosofia se dá com Sócrates. Ele nasceu em Atenas, no subúrbio de Alopeke, 469 anos a. C. Seu pai era escultor e sua mãe, parteira. O método socrático tinha um pouco das qualidades das profissões de seus pais.
Ele não impunha o conhecimento, mas à maneira da profissão materna, ajudava para que ele viesse à tona de dentro do discípulo, que o produzia por si mesmo. Sua arte de dialogar, conhecida como maiêutica, provocava aquilo que ficou conhecido como "a parturição das idéias".
O mestre e o discípulo Pelo que se pode deduzir, Sócrates não frequentou nenhuma escola filosófica específica. Era autodidata e sua formação era inata, pessoal, superando o conhecimento de outras escolas doutrinárias provavelmente através de intensa meditação.
O método socrático consiste em uma técnica de investigação filosófica feita na forma de diálogo pelo qual o professor procura conduzir o discípulo a um processo de reflexão e descoberta dos próprios valores.
Para isso ele faz uso de perguntas simples e quase ingênuas que têm por objetivo mostrar as contradições presentes na atual forma de pensar do aprendiz, baseadas em valores e preconceitos da sociedade, e auxiliá-lo a redefinir tais valores, aprendendo a pensar por si mesmo e, a partir de si.
Em geral, o método dialógico de Sócrates é constituído por dois momentos fundamentais: - a ironiaque denuncia as verdades feitas e o falso saber daqueles que pretendiam reduzir o verdadeiro ao verossímil; - a maiêutica, técnica através da qual se consegue observar como é que uma ciência desconhecida se transforma progressivamente numa ciência conhecida. Sócrates revelava aos outros aquilo que eles próprios sabiam sem que tivessem consciência disso.
Ele pretendia que o seu questionamento sistemático levasse os outros a um ponto crucial de consciência crítica, procurando a verdade no seu interior, dando assim lugar ao "parto intelectual". A maiêutica é, assim, a fase positiva, construtiva, do método que permite o acordo através das certezas universais obtidas pela definição após a discussão. Trata-se de um diálogo do primeiro período que se caracteriza pela ausência da teoria da reminiscência que serve de fundamento à maiêutica.
O método de Platão Platão, discípulo de Sócrates, aperfeiçoa a maiêutica de seu mestre e a transforma no que ele chama de dialética.
A dialética platônica conserva os elementos fundamentais da maiêutica socrática. Platão conserva a idéia de que o método filosófico é uma contraposição, não de opiniões distintas, mas de uma opinião e a crítica da mesma. Conserva, pois, a idéia de que é preciso partir de uma hipótese primeira e depois ir melhorando-a à força das críticas que se lhe fizerem, através do diálogo, ou seja, pelo intercâmbio de afirmações e negações; e por isso a denomina de dialética.
A dialética se decompõe em dois momentos: o primeiro consiste na intuição da idéia; o segundo consiste no esforço crítico para esclarecer esta intuição da ideia.
De modo que, primeiramente, quando nos situamos ante a necessidade de resolver um problema, a primeira coisa que o espírito faz é jogar-se como uma flecha, como uma intuição que dispara em direção à ideia da coisa, em direção à ideia do mistério que se tem diante. Mas essa primeira intuição da ideia é uma intuição grosseira, insuficiente. Mais que a própria intuição, é a designação do caminho por onde iremos em direção à conquista dessa ideia.
A dialética constitui-se propriamente dita em seu segundo momento, que são os esforços sucessivos do espírito para intuir, para ver, para contemplar, ou, como se diz em grego, theoréin ("teoria").
Com o theoréin, as ideias vão-se depurando e aproximando-se cada vez mais da meta, até chegar a uma maior aproximação possível, nunca à coincidência absoluta com a ideia, porque ela está no mundo do ser, diferente do mundo da realidade vivente, que os esforços do homem para atingir esta realidade, para chegar ao mundo dessas essências eternas e puramente inteligíveis que são as idéias, são insuficientes para obter êxito.
O Método de Aristóteles O método de Aristóteles consistia nas formas indutiva e dedutiva de raciocinar. O raciocínio indutivo consiste em argumentar do particular para o geral. Por exemplo: Mimi mia (premissa)Mimi é um gato (premissa) Logo, todos os gatos miam (conclusão)
O raciocínio dedutivo consiste em argumentar do geral para o particular. Por exemplo:Todos os gatos miam(premissa)Mimi é um gato (premissa)Logo, mimi mia (conclusão) De acordo com Aristóteles, o silogismo é um argumento pelo qual, a partir de um antecedente cujas premissas ligam dois termos a um terceiro, podemos concluir um consequente que liga estes dois termos entre si. O exemplo acima ilustra essa situação.
A essência do método aristotélico está no aspecto formal do raciocínio. A verdade está na forma de pensar, que antecede o ato discurso e da argumentação filosófica. Enquanto que para os pré-socráticos o método consistia na prática do discurso e, para Sócrates e Platão no diálogo a serviço da educação do homem, para Aristóteles consistia no aprimoramento do pensar humano para fundamentar seu agir.
Aristóteles esforça-se para encontrar a lei que possibilita passar de uma afirmação à seguinte. Esta concepção de Aristóteles é genial porque é a origem daquilo que chamamos de lógica, ou seja a teoria da inferência, de uma proposição se chega a outra.
O método da filosofia de Aristóteles consiste na demonstração da prova. Uma afirmação que não está provada não é verdadeira, ou pelo menos, enquanto não for demonstrada com tal, não tem legitimidade no campo do saber.
Resumindo:O que é método da Filosofia?1- para os pré-socráticos = discurso de convencimento;2 - para Sócrates = maiêutica (nascimento das idéias);3 - para Platão = dialética (intuição intelectual);4 - para Aristóteles = lógica (verdade intelectual).
O MÉTODO NA IDADE MÉDIA A Idade Média, em sua primeira metade, pela influência de S. Agostinho, vive sob a influência do pensamento platônico e, em sua segunda metade passa a viver sob a influência do pensamento aristotélico, graças ao trabalho filosófico realizado por S. Tomás de Aquino. E, mais para o final deste período há um misto de ambas influências fomentando amplas discussões.
Se resumimos o essencial no método filosófico, que, partindo de Sócrates, passando por Platão e Aristóteles, chega até a plena Idade Média na escolástica, encontramos que o mais importante deste método é sua segunda parte. Não a intuição primária de que se parte, pela qual se começa, mas a discussão dialética com que a intuição deve ser confirmada ou negada. O importante, pois, nesse método dos filósofos anteriores à Renascença, consiste principalmente no exercício passional, discursivo; na dialética, no discurso, na contraposição de opiniões; na discussão dos filósofos entre si ou do filósofo consigo mesmo.
O MÉTODO NO PERÍODO MODERNODescartes A partir da Renascença, e especialmente a partir de Descartes, o método muda significativamente de aspecto. O acento vai recair agora, não tanto sobre a discussão posterior à intuição, quando sobre a própria intuição e os métodos de consegui-la.
Quer dizer que se o método filosófico, na Antiguidade e na Idade Média se exercita principalmente depois de obtida a intuição, o método filosófico na Idade Moderna passa a exercitar-se principalmente antes de obter a intuição e como meio para obtê-la.
Descartes, no Discurso do Método, se preocupa em como chegar a uma evidência clara e distinta; quer dizer, como chegar a uma intuição indubitável da verdade. Os caminhos que conduzem a esta intuição (não os que depois da intuição a garantem, a provam, a retificam ou a depuram, mas os que conduzem a ela) são os que principalmente interessam a Descartes.
O método é, pois, agora pré-intuitivo, e tem como propósito essencial conseguir a intuição. Como se pode conseguir a intuição? Procurando-a, ou seja, dividindo em partes todo objeto que se nos ofereça confuso, obscuro, não evidente, até que algumas dessas partes se tornem para nós um objeto claro, intuitivo e evidente. Então já temos a intuição.
Há aqui uma mudança radical com respeito à concepção que Platão tinha de mundo e de verdade. Platão concebia o mundo e a verdade humanas como reflexo pálido do mundo e da verdade absolutos. Tinha-se que ir deste para aquele. Tinha-se que estar seguro de que a intuição que daquele temos é a exata e verdadeira.
Pelo contrário, para Descartes este mundo em que vivemos e o mundo da verdade são um só e mesmo mundo. O que acontece é que, quando o olhamos pela primeira vez, o mundo em que vivemos nos aparece revolto, confuso, como um caixão onde há uma multidão de coisas.