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Sagarana João Guimarães Rosa Profª Neusa
“Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava tudo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda. Instintivamente, fiz então o que era justo, o mesmo que mais tarde eu faria deliberada e conscientemente: disse a mim mesmo que sobre o sertão não se podia fazer literatura do tipo corrente, mas apenas escrever lendas, contos, confissões. Não é necessário se aproximar da literatura incondicionalmente pelo lado intelectual. Isto vem por si só, com o tempo, quando o homem chega à sua maturidade, quando tudo nele se amalgama em uma personalidade própria.” (Guimarães Rosa)
Sagarana (1946) Saga = destino / sina ou lenda / canto heróico (origem germânica) Rana = tosco / rude ou espécie de... (origem tupi) Assim: “destino rude” ou “espécie de lenda” ou “...uma espécie de histórias adultas da carochinha” (“Era uma vez um burrinho pedrês...)
Regionalismo universalista sertão de MG = realidade geográfica, social e política cosmovisão alógica, mítica, mágica, poética “O sertão é o mundo” (Riobaldo) mundo primitivo + mundo mágico Invenção lingüística prosa poética
Linguagem: Neologismos: desfeliz, assinzinho, pensação, esmoralizado, amaleitado, suaveloqüência (suave + eloqüência), nomopadrofilhospritossantamêin (em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém) Arcaísmos: banda (lado), quentar (esquentar) Figuras: em mão de vaqueiro com dez anos de lida nos currais do sertão (vaqueiro experiente) = metáfora / Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer, que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p´ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus... =silepse
Musicalidade: “plumagem e canto das palavras” = aspectos auditivos (canto) e visuais (plumagem) : boi sanga sapiranga e suspiro de vaca não arranca estaca (rimas) / As ancas balaçam, e as vagas de dorsos, das vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estrondos e baques, e o berro queixoso do gado Junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos de lá do sertão... (ritmo) / Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando (aliteração) / A boiada entra no beco – Tchou! Tchou! Tchou!... (onomatopéia)
Provérbios e quadras: “Lá em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa gente ruim e boa, passa a minha namorada.” Sagarana “E, ao meu macho rosado, carregado de algodão, preguntei: p’ra donde ia p’ra rodar no mutirão.” (Velha cantiga, solene, da roça) “O burrinho pedrês” “A barata diz que tem sete saias de filó... É mentira da barata: ela tem é uma só.” (Cantiga de roda) “Corpo fechado”
Conjunto de sagas : histórias épicas, folclóricas, de amor, de mistério e aventura 9 contos : revelações = sentido moral - histórias dentro de histórias, digressões filosóficas, monólogos interiores - histórias épicas e folclóricas (inserção de quadrinhas populares) : “O burrinho pedrês”, “Duelo”, “São Marcos” , “A hora e a vez de Augusto Matraga” e “Corpo fechado” - histórias líricas de amor e solidão : “Sarapalha” e “Minha gente” - história picaresca : “A volta do marido pródigo” - históricas que refletem sobre o poder e a fraqueza dos homens: “Conversa de bois”
Narrador : 3ª pessoa : acentua a dimensão poética e mítica (“O burrinho pedrês” , “A volta do marido pródigo” , “Sarapalha” , “Duelo” , “Conversa de bois” e “A hora e a Vaz de Augusto Matraga”) 1ª pessoa : evidencia-se o universo primitivo e fantástico (“São Marcos” , “Minha gente” e “Corpo fechado” )
1) O burrinho pedrês “Sete – de - Ouro” nº místico superação e transcendência Marjor Saulo / Francolim / Badu / Silvino / Raymundão / Zé Grande/ João Manico
Significado simbólico “... ruge o rio como chuva deitada no chão. Nenhuma pressa! Outra remada, vagarosa. No fim de tudo, tem o pátio, com os cochos, muito milho, na Fazenda; e depois o pasto: sombra, capim e sossego... Nenhuma pressa. Aqui, por ora, este poço doido, que marulha como um fogo, e faz medo, não é novo: tudo é ruim e uma coisa só, no caminho: como os homens e os seus modos, costumeira confusão. É só fechar os olhos. Como sempre. Outra passada, na massa fria. E ir sem afã, à voga surda, amigo da água, bem com o escuro, filho do fundo, poupando forças para o fim. Nada mais, nada de graça; nem um arranco, fora de hora. Assim.”
Cenário: mundo dos vaqueiros Conteúdo: os caprichos inexplicáveis do destino / Travessia como superação dos obstáculos (os fracos superam os fortes) / Burrinho= sabedoria e prudência.
2) Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo Eulálio de Souza Salãthiel “Mulatinho levado! Entendo um assim, por ser divertido. E não é de adulador, mas sei que não é covarde. Agrada a gente, porque é alegre e quer ver todo-o-mundo alegre, perto de si. Isso, que remoça. Isso é reger o viver.” Maria Rita / Espanhol Ramiro / Major Anacleto Conteúdo: Artimanhas de um herói gaiato, picaresco = Macunaíma (Mário de Andrade) e Memórias de um sargento de Milícias (Manuel Antônio de Almeida) / caprichos do destino / voltas e desvoltas pela vida.
3) Sarapalha Lirismo “- Olha o mosquito-borrachudo nos meus ouvidos, Primo!... - É a zoeira do quinino... Você está tomando demais... Vem soturno e sombrio. Enquanto as fêmeas sugam, todos os machos montam guarda, psalmodiando tremido, numa nota única, em tom de dó. E, uma a uma, aquelas já fartas de sangue abrem recitativo, esvoaçantes, uma oitava mais baixo, em meiga voz de descante, na orgia crepuscular.” Primo Ribeiro / Primo Argemiro / Luísa / negra Ceição / cachorro Jiló
Diálogos arrastados e entremeados por sustos de febre / Tragicidade Tempo: presente (maleita) x passado (impotência, saudade, ciúme) Conteúdo: miséria física e psicológica das personagens (sofrimento e solidão) / infidelidade feminina / dois mundos em ruínas (maleita e mulher) : “a maleita era uma mulher de muita lindeza”
4) Duelo Turíbio Todo “Turíbio Todo, nascido à beira do Borrachudo, era seleiro de profissão, tinha pêlos compridos nas narinas, e chorava sem fazer caretas; palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau. Mas, no começo desta estória, ele estava com a razão.” D. Silivana / Cassiano Gomes / Levindo Gomes / Timpim e Vinte-e-Um (“p´ra-mor-de que nem que a minha mãe teve vinte e um filhos, e eu fui o derradeiro...”) Conteúdo: duelo que não houve ( “E continuou o longo duelo, e com isso já durava cindo ou cinco meses e meio a correria, monótona e sem desfecho”) / infidelidade amorosa / fatalismo / voltas e desvoltas / encontros e desencontros / caprichos do destino: todos têm a sua hora e a sua vez / saga de valentões.
5) Minha gente Narrador em 1ª pessoa / Tio Emílio / prima Maria Irma / Armanda / Ramiro Gouvêia A política no interior “Agora, o que mais aprendi foram os nomes dos diversos partidos. Aqui, temos: João-de-Barro – que faz a casa – e Periquito – que se apodera da casa, no caso em apreço o Governo Municipal. No município nº 2, hostilizam-se Braúnas – porque o respectivo chefe é um negociante de pele assaz pigmentada – e Sucupiras – mera antinomia vegetal.”
A honra sertaneja “Não há... Não há... Não ouço mais o Bento. Há qualquer coisa estranha aqui... (...). Alexandre, o marido, de calças arregaçadas. Só as calças arregaçadas, os pés enormes, descalços na lama... Um ramo verde-maçã, a se agitar, em rendilha... Daí a foice na mão do Alexandre... O Alexandre, primeiro de cara fechada, depois com um ar de palerma... A foice, com sangue, ficou no chão. A água ensangüentada... O Alexandre vai indo embora. Já gastou a raiva. O morto não se vê. Está no fundo.”
As voltas que o destino dá “Hesitei. Armanda recuara um passo, e fingiu olhar o jasmineiro. E murmurei: (...) Quis. Andamos. Calados. Crescia em mim uma coisa definitiva, assim com a impressão de já conhecê-la, desde muito, muito tempo. Nossas mãos se encontraram, de repente, e eu senti que ela também estremeceu. (...) E foi assim que fiquei noivo de Armanda, com quem me casei, no mês de maio, ainda antes do matrimônio da minha prima Maria Irma com o moço Ramiro Gouvêia, dos Gouvêias da fazenda da Brejaúba, no Todo- Fim- É- Bom.”
Conteúdo:partida de xadrez (“Xeque se vira contra o protagonista = as aparências dos fatos escondem sua verdadeira intenção) / a política no interior (Tio Emílio) / honra sertaneja (Bento Porfírio) / os caprichos do destino (casamento de Armanda com o narrador)
6) São Marcos Narrador José (Izé) / Aurísio Manquitola / João Mangolô “as palavras têm canto e plumagem” Percepção visual “O meu caminho desce, contornando as moitas de assa-peixe e do unha-de-boi – esplêndido, com flores de imensas pétalas brancas, e folhas hirsutas, refulgindo. No chão, o joá-bravo defende, com excesso de espinhos, seus reles amarelos frutos.(...). Entro no capoeira baixa... Saio do capoeirão alto. E acolá, em paliçadas compactas, formando arruamentos, arborescem os bambus. Os bambus! Belos, como um mar suspenso, ondulado e parado. Lindo até nas folhas lanceoladas, nas espiquetas peludas, nas oblongas glumas... Muito poéticos e muito asiáticos, rumorejantes aos vôos do vento.”
Percepção auditiva “E escureceu tudo. (...) Continuava, porém, a debulha de trilhos de pássaros: o patativo, cantando clássico na borda da mata; mais longe, as pombas cinzentas, guaiando soluços; e, aqui ao lado, um araçari, que nunca musica: ensaia e reensaia discursos irônicos, que vai taquigrafando com esmero, de ponta de bico na casca da árvore, o pica-pau chanchã.” Recuperação da visão : mundo de cores “Na baixada, mato e campo eram concolores. No alto da colina, onde a luz andava à roda, debaixo do angelim verde, de vagens verdes, um boi branco, de cauda branca. E, ao longe, nas prateleiras dos morros cavalgavam-se três qualidades de azul.”
Conteúdo: feitiçaria (instrumento de punição) / dom e magia da palavra (metalinguagem = oração e poema) / o sentido oculto das coisas.
7) Corpo fechado Doutor (narrador) Manuel Fulô: um valentão manso e decorativo, como mantença da tradição e para a glória do arraial... José Boi, Desidério Cabaça, Adejalma, Miligido , Targino: Esse-um é maligno e está até excomungado...Ele é de uma turma de gente sem-que-fazer,que comeram carne e beberam cachaça na frente da igreja, em sexta-feira da Paixão, só p´ra pirraçar o padre e experimentar a paciência de Deus... mulinha Beija-Fulô / das Dor Antonico das Pedras-Águas: Fechei o corpo dele. Não carecem de ter medo, que para arma de fogo eu garanto!...
E, quando espiei outra vez, vi exato:Targino, fixo, como um manequim, e Manu e Fulô pulando nele e o esfaqueando, pela altura do peito – tudo com rara elegância e suma precisão. Targino girou na perna esquerda, ceifando o ar com a direita; capotou; e desvivei, num átimo. Seu rosto guardou um ar de temor salutar. Conteúdo: mundo de feitiçarias e bruxarias / crônica de valentões / curandeiro (instrumento de vitória)
8) Conversa de bois Manuel Timborna (narrador: 3ª pessoa) = - Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco... guia: Buscapé e Namorado pé-da-guia : Capitão e Brabagato pé-do-coice: Dançador e Brilhante coice: Realejo e Canindé Agenor Soronho (carreiro) / Tiãozinho (guia)
“- Pior, pior... Começamos a olhar o medo... o medo grande... e a pressa... O medo é uma pressa que vem de todos os lados, uma pressa sem caminho... É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor – tudo, pensado, é pior...” “ ‘É isso mesmo... Só o que é bonito... O que é manso e bonito... Eu até queria contar uma coisa... Sabia de uma coisa... Sabia mas não sei mais’... As orelhas de Brilhante murcharam, e a cabeça sobe e desce. ‘ Não encontro mais aquilo que eu sabia... Coisa velha... Também, vem tanta coisa para a gente pensar!... Vem, como os mosquitos maus, da beira do mato... Perto do homem, só tem confusão...’ ”
Conteúdo: travessia =viagem de infidelidade e morte / boi + Tiãozinho = comunhão de pensamentos, despertar a consciência dos bois e o saber dos homens / antropomorfismo / crítica ao comportamento do homem / oposição entre bem e mal / tragicidade.
9) A hora e a vez de Augusto Matraga Augusto Matraga Matraga não é Matraga, não é nada. Matraga é Esteves. Augusto Esteves, filho do coronel Afonsão Esteves das Pindaíbas e do Saco-da-Embira. Ou Nhô-Augusto. Major Consilva / capangas / Dona Dionóra / Mimita / Ovídio Moura / Quim Recadeiro / Mãe Quitéria e Pai Serapião / Joãozinho Bem – Bem / Juruminho
1ª parte – Crime e castigo : relação de crimes cometidos Leilão das prostitutas (Sariema) Partida de Dionóra e filha, traição dos capangas e cilada do Major Consilva Precipício, delírios e conversa com padre ( “Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”) Período de seca
2ª parte – Penitência : purgando os crimes Ida ao sertão, mais ao norte (povoado do Tombador) Trabalho (6 anos e meio) e chegada de Tião da Thereza Chegada do bando de Joãozinho Bem – Bem Período da chuva 3ª parte – Êxtase e salvação Partida montado num jumento Encontro com Joãozinho Bem – Bem Entrega das armas de Juruminho e tiroteio Êxtase da natureza “Mas afinal, as chuvas cessaram (...) e um desperdício de verdes cá embaixo...”
Nhô AugustoJesus Cristo 1ª fase Traição dos capangas..............................................Traição de Judas Dor física (surra).......................................................Dor física (martírio) Descida (morro): decadência total.......................... 0 2ª fase Marco : conversa com o padre................................ 0 Ida ao Norte (ascensão, mudança).........................Subida ao Monte Tentação : Tião da Thereza......................................Tentação: Demônio Banquete....................................................................Santa Ceia Última tentação.........................................................Última tentação de Cristo (Convite de Joãozinho Bem – Bem)
3ª fase Conversão de J. Bem-Bem.............Conversão de ladrões ao Cristianismo Apelo para cuidar de esposa e filha................................Apelo para cuidar Morte Conteúdo:penitência e expiação / redenção e espiritualidade / auto-conhecimento e iluminação / oposição Deus e Diabo (Bem e Mal) / saga dos cangaceiros e valentões = universo guerreiro (trajetória épica). de Maria e seus irmãos Síntese do percurso iniciado em O Burrinho pedrês = busca da palavra como realização do ser