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Série “Impunidade – O Brasil vive o crime sem castigo” O Globo, de 16 de junho a 1 de julho de 2007 “Execração” Zuenir Ventura O Globo, 4 de julho de 2007.
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Série “Impunidade – O Brasil vive o crime sem castigo” O Globo, de 16 de junho a 1 de julho de 2007 “Execração” Zuenir Ventura O Globo, 4 de julho de 2007
No momento em que O Globo faz o mais exaustivo e revelador esforço de cobertura dos escândalos e crimes sem punição na história de nossa imprensa, nosso Mestre Zuenir, em seu artigo “Execração”, cai na cilada de nosso desentendimento histórico do que venha a significar a verdadeira cidadania. Atribui ao presidente Lula e à ministra Dilma o poder de culpar ou inocentar o neo-oligarca Renan. Quando este poder não é do Executivo, nem uma verdadeira democracia poderia esperar que fosse. Quando o poder de demover do Senado tão nefasta criatura seria dos próprios senadores ou da iniciativa do Poder Judiciário provocado pelo Ministério Público. 2
Mestre Zuenir cai na cilada da maioria de nossas elites acadêmicas, sociais e econômicas que pensam torto o cenário político nacional, como me referi aqui noutro dia mesmo, replicando os artigos do jornalista Nelito Fernandes e da psicanalista Junia de Vilhena sobre a diluição por toda a sociedade da responsabilidade política pela escalada de violência social brasileira. 3
Pois para o torto entendimento de alguns poucos, mas que influenciam muitos uma vez que têm acesso aos poucos espaços da mídia para o debate público, os culpados sempre são todos nós, menos os verdadeiros culpados! Somos nós, toda a sociedade, as raízes de nossa cultura colonial e patriarcal, os pais que não sabem educar os filhos, a injustiça social, a distribuição de renda, as políticas afirmativas e nunca os verdadeiros culpados. Primeiro, os que praticam os delitos tais como tipificados no código penal. Segundo, as autoridades judiciárias, policiais e legislativas, que não aplicam o código penal sob a alegação cínica de obedecer a letra da lei do código de processo penal e toda a penca de privilégios e atenuantes apensadas ao mesmo, ao ponto de desfigurá-lo e torná-lo inócuo. 5
E o que esperar desse imbróglio, Mestre Zuenir? Que esta corja de bandidos travestidos de senadores, deputados, ministros e desembargadores vá mudar a legislação leniente sob a qual se protegem?! Como tenho dito em nossas oficinas de cultura de cidadania que, aliás, coloco à sua disposição, Mestre Zuenir, pois é dedicada aos quadros gestores de empresas e entidades, temos de reler os clássicos da filosofia política, sobretudo aqueles que têm acesso à mídia e influenciam o debate público. 6
No século XVII, muito antes de Montesquieu, que sistematizou o princípio da independência e harmonia dos poderes da República, John Locke já concebia o Poder Executivo como subalterno ao império da lei, dando margem ao próprio Montesquieu a entendê-lo, inclusive, como executivo das sentenças dos tribunais, ou seja, do próprio Poder Judiciário, em caso de choque com a soberania do povo e de seus representantes legislativos. Mas como entender a independência entre os poderes se toda a cultura política de sub-cidadania brasileira sempre espera mais e mais poder do Executivo, despreza o Legislativo e nem se dá conta do Poder Judiciário? 7
Se a própria mídia, o menos comprometido sistema de reprodução de valores do país, diante da inoperância da justiça e da deterioração ética do Legislativo, se tornou a última esperança e trincheira de luta da cidadania mais consciente, sobretudo com a decisão histórica do Globo de cobrir sistematicamente a sucessão de escândalos, sobretudo dos poderes Legislativo e Judiciário, para além do hipertrofiado Poder Executivo, como demonstra nesta série de reportagens sobre a impunidade, Mestre Zuenir deveria refletir melhor sobre a alegada atribuição de Lula de inocentar o neo-oligarca Renan. 8
Pois se o arqui-oligarca Severino foi enxotado da presidência da Câmara pelos seus próprios pares, a despeito da ação penal cabível, precisamos mobilizar muito mais a sociedade civil para conseguir quebrar o corporativismo do Senado. Através de poucas idéias muito claras, quais sejam a urgência das reformas dos sistemas político e judiciário. E neste caso, o serviço da mídia à cidadania é fundamental, não podendo se dar ao luxo de pensar torto para não retardar o processo como ainda fazem alguns intelectuais, jornalistas e líderes do empresariado. 9
Larga o pé do Lula, Mestre Zuenir! Ajude-nos no esforço decisivo de começar a mudar nossa ancestral cultura de impunidade, demagogia e providencialismo religioso por uma cultura de plena cidadania! O espaço que a mídia nos dá é muito precioso para qualquer desvio de cultura política. As centenas de sugestões que os leitores do Globo e da própria Voz do Cidadão estão dando para a transformação da cultura de impunidade em cultura de cidadania são todas relativas ao Legislativo e ao Judiciário. O Lula não está em questão neste caso. 10
Pouco importa a equivocada presunção de inocência que ele está a penhorar pro compadre Renan. A cultura de cidadania, que é essencialmente cultura política das elites sociais e econômicas, precisa de sua sabedoria, Mestre Zuenir. E como você bem lembra, a presunção de inocência foi criada para defender os cidadãos da tirania dos governantes e não os maus governantes dos cidadãos. E se a justiça só se move pelo clamor público, a mídia é seu melhor motor. 11
Não desperdice energia, Mestre Zuenir! Pois com tanto espaço dado a ele, mais ele é tentado pela demagogia e menos espaço sobra para o que realmente interessa à cidadania, que é o debate público sobre a Justiça, os códigos de processo que sacramentam a impunidade e a usurpação do Legislativo pela delinqüência política. Senão, veja aqui mesmo na Voz do Cidadão a compilação que fizemos das sugestões dos seus próprios leitores. Pois você é um dos nossos e, com o apoio da mídia, podemos, sim, mudar a cultura da impunidade! E para além da execração dos governantes, possamos passar à construção da cidadania! Jorge Maranhão 12