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PPGE/IE/UFRJ Curso de Defesa da Concorrência 2014-2 1.2. Conceitos Básicos da Análise Antitruste (II) Prof. Mario Luiz Possas. Índice. 1.3. Mercado relevante 1.4. Eficiência econômica. 1.3. Mercado relevante. (a) Definição (b) Delimitação do mercado relevante
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PPGE/IE/UFRJCurso de Defesa da Concorrência2014-21.2. Conceitos Básicos da Análise Antitruste (II)Prof. Mario Luiz Possas
Índice 1.3. Mercado relevante 1.4. Eficiência econômica
1.3. Mercado relevante (a) Definição (b) Delimitação do mercado relevante (c) Conceitos associados: perda crítica e elasticidade crítica
(a) Definição O mercado relevante é definido como um locus - em termos de produto e espacial - em que o poder de mercado pode ser (hipoteticamente) exercido. Vale antecipar que o conceito de poder de mercado afeta diretamente a própria definição do mercado relevante. As elasticidades-preço da demanda e da oferta são os principais fatores nesta definição.
A definição supõe uma firma hipotética que detenha monopólio da oferta - o caso “mais pessimista” para o bem-estar - no mercado considerado (produto/área geográfica), pelo qual possa impor um aumento de preço significativo e persistente (“SSNIP”, na sigla em Inglês), que caracterize exercício de poder de mercado. O mercado relevante é então conceituado simplesmente como o menor mercado possível (o menor agregado de produtos, combinado com a menor área) que satisfaça o critério acima.
(b) Delimitação do mercado relevante A delimitação do mercado relevante – simultaneamente nos dois âmbitos, de produto e geográfico - depende de quanto se supõe que deva aumentar o preço para configurar o suposto exercício abusivo de poder de mercado. Nos E.U.A. e no Brasil trabalha-se com a hipótese de 5% a 10% de aumento, a partir de uma posição hipotética competitiva, como indicativo da possibilidade de exercício de poder de mercado em preços.
Dado um certo limiar de aumento de preço tomado como referência (5-10%), avalia-se se um certo âmbito produto/região passa nesse teste - do contrário, ele teria que ser redefinido: se a elasticidade da demanda for muito alta, o monopolista hipotético, ao maximizar seus lucros, não conseguiria elevar o preço suficientemente, porque o âmbito foi definido de forma muito restrita e precisa ser ampliado; e vice-versa: se a elasticidade for muito baixa, o âmbito do mercado deve ser reduzido, de forma a aumentá-la pela exclusão de substitutos não muito bons.
Observa-se que o mercado relevante, embora construído totalmente com técnica econômica, é também um conceito essencialmente jurídico, dada a absoluta necessidade - e arbitrariedade, do ponto de vista econômico - de definir previamente a proporção de aumento de preço que se considera “abusiva” (novamente, os 5-10% convencionais). A Figura a seguir ilustra isso.
A elasticidade da oferta também deve ser considerada na delimitação do mercado relevante: inclui-se, no mercado relevante já definido em termos de produto(s) e geográficos, dos ofertantes potenciais desse(s) produto(s) que podem fazê-lo com relativa facilidade - isto é, a baixo custo adicional e a prazo relativamente curto, por já disporem de capacidade produtiva instalada, que pode ser remanejada para a produção do(s) produto(s) em questão. São os chamados de “entrantes não comprometidos” (ou entrantes “fáceis”) no mercado.
(c) Conceitos associados: perda crítica (“critical loss”) e elasticidade crítica (“critical elasticity”) • A delimitação do mercado relevante vem utilizando nos últimos anos a medida de elasticidade-preço da demanda - quando uma estimativa empírica desta está disponível - para dar maior precisão ao teste do monopolista hipotético (TMH). • O emprego de uma estimativa da elasticidade da demanda permite avaliar quantitativamente se determinado agregado de produtos/áreas geográficas passa no TMH, por meio de dois conceitos intercambiáveis – “perda crítica” e “elasticidade crítica”; a seguir.
- Perda crítica: Consiste na “máxima redução [proporcional] da quantidade vendida que um monopolista hipotético estaria disposto a tolerar para sustentar um aumento de preço pelo menos no limiar estipulado (e.g. 5%)” (WERDEN, G., 2003). • Elasticidade crítica: Consiste na “máxima elasticidade da demanda pré-fusão para o grupo de produtos candidato [a mercado relevante] e a área na qual um monopolista hipotético aumentaria o preço em pelo menos o limiar estipulado (e.g. 5%)” (ibidem).
Ambos os cálculos supõem que se conheça, além da elasticidade da demanda, E, e o limiar de aumento de preço convencional, t, a margem bruta de lucro praticada pré-concentração sobre o preço inicial p0, ou seja, m = (p0 – c)/p0. Por simplicidade, geralmente se assume que o custo marginal c é constante e igual ao custo variável unitário.
Sob a premissa de que o monopolista hipotético aumentará seu preço até o “preço de monopólio”, pm, de forma a maximizar seu lucro, igualando receita marginal e custo marginal, o exercício consiste em supor que esse preço pm resultou de um aumento na exata proporção t sobre o preço inicial p0. A elasticidade e a perda críticas dependerão somente desses parâmetros E, t e m.
Sabe-se que a margem do preço de monopólio em relação ao custo marginal (no caso, suposto constante e igual ao variável unitário) é o inverso da elasticidade da demanda, conforme o “índice de Lerner”: (pm – c) / pm = 1/E. Após simples manipulação algébrica, e utilizando-se a definição de elasticidade, E = (q/q0) / (p/p0), tem-se os seguintes resultados, para qualquer forma da função de demanda: • Perda crítica: Lc =1 – q(pm)/q(p0) [que depende de t]; • Elasticidade crítica: Ec = (1+t)/(m+t).
Supondo-se demanda linear, um caso simples porém importante, tem-se respectivamente: • Perda crítica: Lc = t/(m+2t); • Elasticidade crítica: Ec = 1/(m+2t).
1.4. Eficiência econômica • Os conceitos de eficiência econômica • Eficiência alocativa e bem-estar • O “trade off” de Williamson • Eficiência e efeitos distributivos
(a) Os conceitos de eficiência econômica São pelo menos três os conceitos de eficiência existentes em Economia: • Eficiência produtiva; • Eficiência alocativa; • Eficiência distributiva. Mais recentemente, surgiu o conceito de eficiência dinâmica. Definida inicialmente como uma eficiência alocativa intertemporal, pode ser estendida em sentidos mais amplos (p. ex. qualitativos).
Um conceito específico mais interessante de eficiência dinâmica, baseado na teoria evolucionária da concorrência schumpeteriana, seria o de eficiência seletiva. De longe, o mais amplamente utilizado, inclusive na área antitruste, é o de eficiência alocativa, que praticamente se tornou sinônimo de eficiência em Economia, e serve de base para a noção (econômica) normalmente empregada de bem-estar social.
(b) Eficiência alocativa e bem-estar A noção econômica tradicional de bem-estarsocial está associada ao conceito de eficiência alocativa ou de Pareto da seguinte maneira: uma alocação social de bens e serviços é mais “superior de Pareto” - e daí socialmente mais eficiente - que outra, se não for inferior a esta na escala de preferência de qualquer indivíduo, e for estritamente preferível para pelo menos um.
O “ótimo de Pareto” é uma alocação tal que não há outra que lhe seja superior de Pareto. Ou, em termos mais simples, sempre que só for possível melhorar a posição de alguém piorando a posição de outrem. • Os chamados teoremas fundamentais do bem-estar, simétricos, demonstram que, sob certas condições restritivas, uma alocação de equilíbrio geral competitivo é eficiente de Pareto, e vice-versa. • Assim, haveria uma relação biunívoca entre concorrência perfeita e eficiência alocativa (ou ótimo de Pareto).
A vinculação entre concorrência perfeita e eficiência alocativa acabou por induzir a análise microeconômica “normativa” a tratar como anomalias ou distorções - sob o título de “falhas de mercado” - os desvios dos mercados em relação à norma competitiva tradicional, e.g. a presença de imperfeições de mercado, externalidades, economias de escala, problemas de coordenação e custos de transação.
O excedente total – soma do excedente do produtor com o excedente do consumidor - apropriado em dado mercado é tomado como medida (aproximada) do nível de bem-estar (eficiência alocativa) associado ao mercado em questão. Logo, maximizar a eficiência alocativa,como critério normativo aplicado aos mercados, implica maximizar o excedente total. • A Figuraa seguir mostra que o excedente total seria máximo em concorrência perfeita, pois se o preço de oferta estivesse acima do custo marginal - o excedente (área total) seria menor.
No caso do monopólio, como o preço é fixado acima do custo marginal = receita marginal para que o monopolista maximize seus lucros (Figura a seguir), haverá redução de eficiência alocativa (excedente econômico) em comparação com a concorrência perfeita: a chamada perda de bem-estar “de peso morto”, correspondente à área B+C na Figura a seguir.
(c) O “trade off” de Williamson • A Figura a seguir apresenta um gráfico muito conhecido (Williamson, 1968) que ilustra o efeito compensatório, em termos de eficiência alocativa, quando um aumento de concentração (suposto, no pior caso, como monopolização) do mercado tenha sido acompanhado de um ganho de eficiência decorrente de uma suposta redução de custo, do nível inicial c para o nível c’.
Se a análise antitruste estiver baseada exclusivamente no critério de eficiência alocativa, esta concentração (monopolização) não trará prejuízos ao bem-estar social – e com isso não deveria ser condenada pelos órgãos de defesa da concorrência - se o acréscimo excedente do produtor, correspondente à área C, for pelo menos igual à perda de peso morto, B, isto é, se C B, gerando um efeito líquido nulo ou positivo sobre o excedente total.
(d) Eficiência e efeitos distributivos - Problemas conceituais na aplicação da eficiência alocativa à análise de mercados São três os principais problemas:
(i) restrições na passagem da economia como um todo (“equilíbrio geral”) para mercados específicos; (ii) a não-comparabilidade em termos de Pareto da quase totalidade das situações estruturais envolvidas na análise de configurações distintas de um mesmo mercado; e (iii) por isso mesmo, a necessidade incontornável de enfrentar, com metodologia específica, as questões distributivas. Vejamos brevemente cada um.
(i) A passagem do âmbito da economia como um todo (“equilíbrio geral”) para o de mercados específicos (“equilíbrio parcial”) é indispensável para extrair conseqüências de política, mas é problemática devido às restrições envolvidas: a identificação precisa entre eficiência alocativa (geral) e o excedente econômico de um mercado (“excedente agregado”, definido como a soma do excedente do consumidor com o do produtor), e portanto entre a maximização da eficiência e a maximização do excedente, só é estritamente válida para os casos muito particulares de funções utilidade quase-lineares, na forma u(x) + y, que implicam preço igual à utilidade marginal e que a função de demanda independa do nível de renda – ou seja, os chamados efeitos-renda são excluídos por hipótese.
(ii) As aplicações de política supõem comparar duas ou mais configurações de mercado, que no entanto só serão ordenáveis em termos de eficiência alocativa se forem comparáveis em termos de Pareto. Quando há transferência de renda entre agentes, simplesmente não se pode aplicar o critério de Pareto, porque preferências sociais construídas sob esse critério não poderiam ser ordenadas; simplesmente nada se pode afirmar, e a robustez do critério de Pareto torna-se inútil. Infelizmente, a quase totalidade das situações a serem comparadas no mundo real envolvem transferência de renda, e portanto não são comparáveis em termos de Pareto.
Uma alternativa ainda hoje muito usada no campo antitruste (“escola de Chicago”), proposta por Kaldor e Hicks nos anos 1930, foi a da eficiência alocativa (ou de Pareto) “potencial”, em que se continua a comparar os excedentes totais em cada situação, apenas com a ressalva de que os agentes eventualmente beneficiados pela transição possam ressarcir os perdedores por meio de uma transferência direta “compensatória” de renda (lump sum), sem interferir no sistema de preços. Mesmo que se aceite essa extensão do conceito, ela ainda apresenta ambiguidades que tornam seu uso problemático. Por definição, no entanto, não é necessário que tal transferência se dê efetivamente, de forma que ela permanece apenas “potencial” nas aplicações concretas; vale dizer, ela na prática sempre viola o critério metodológico de Pareto.
Outra alternativa, desenvolvida há muitas décadas, é a de supor funções de bem-estar social que operam sobre as utilidades individuais (geralmente introduzidas de forma ponderada), com isso obviamente violando de forma explícita o critério de Pareto – ao menos nos trechos da função em que as preferências sociais não são comparáveis por aquele critério. A única vantagem é explicitar o que a noção de eficiência alocativa “potencial” só deixava implícito: a necessidade incontornável, em qualquer análise de bem-estar, de considerar a distribuição de renda e efetuar sobre ela juízos de valor, abandonando Pareto. Em contrapartida, não oferece nenhum roteiro teórico para a questão essencial de quais critérios distributivos utilizar. A distribuição de renda é remetida para fatores exógenos ou, alternativamente, à subjetividade das propostas de política.
(iii) Segue-se daí que a questão distributiva não pode ser afastada; não é apenas uma aspecto importante do problema normativo, mas logicamente inafastável deste. Acontece que a distribuição não se constituiu até hoje num objeto consistente no campo normativo da análise econômica. Mas a aplicação antitruste precisa de critérios objetivos de decisão e julgamento, se possível operacionais, independentemente de que a análise econômica convencional se sinta mais ou menos confortável com isso. Uma das questões centrais que daí decorrem é: como decidir objetivamente por um critério de eficiência econômica capaz de servir de base para contrabalançar efeitos anticompetitivos em preços? Especificamente: deve-se empregar o excedente total (“agregado”), ou o do consumidor? Ou, talvez, um “mix” de ambos? É o que será tratado a seguir.
- Problemas específicos na análise antitruste: critérios do excedente total vs. “price standard” Esses problemas referem-se a que critério adotar na análise do “trade off” entre efeitos anticompetitivos (expressos em aumento de preços) e ganhos de eficiência, especialmente (mas não exclusivamente) em atos de concentração.
O critério mais tradicional do excedente total corresponde ao trade off do modelo de Williamson (Figura anterior), enquanto o price standard representa um critério baseado na manutenção do preço inicial após um aumento na concentração e no poder de mercado, e dessa forma na preservação do excedente do consumidor, conforme Figura a seguir. Nesta, o price standard é representado no caso extremo em que o aumento esperado de preço vai do nível competitivo ao monopolista (que às vezes se identifica erroneamente com o próprio critério, mas é apenas sua aplicação extrema).
Figura VIII: “Price standard”, caso-limite p , c D c =pc = pm c’ RMg 0 qc = qm q
Mas o price standard não é uma alternativa claramente superior à do trade off de Williamson (excedente total) por critérios objetivos. Ele é apenas um caso particular, extremo, no continuum de possibilidades oferecidas por esse trade off, em que os custos marginais caiam tanto que o preço não precise aumentar para que seja exercido maior poder de mercado; no limite, o de monopólio. Sua vantagem metodológica é preservar o critério de Pareto ao evitar transferências de renda de consumidores a produtores, já que o excedente do consumidor por hipótese permanece inalterado, enquanto o excedente total (apropriado inteiramente pelo produtor) teria de aumentar substancialmente.
Mas essa não é uma solução necessariamente melhor para o problema do mundo real (empresas e órgãos antitruste), e sim para o problema da ciência econômica de não ter meios de avaliar objetivamente situações em que ocorrem transferências de renda, por não possuir uma teoria normativa da distribuição – simplesmente prefere não ser obrigada a lidar com elas... • Exatamente por ser uma solução extrema de um espectro contínuo de possibilidades de trade off distributivo, tende a impor níveis de ganhos de eficiência (redução de custos) bem mais elevados como condição de aprovação de atos de concentração.
No caso extremo em que se supõe que o poder de mercado vá aumentar até o nível de monopólio (por monopolização ou colusão), como resultado do ato de concentração – conforme tem sido freqüentemente considerado no Brasil -, embora seja uma premissa operacionalmente mais simples (por dispensar hipóteses comportamentais ad hoc típicas de oligopólio), os níveis teóricos de redução de custos compensatórios atingem valores extremamente altos, dificilmente alcançáveis na prática, comprometendo o próprio princípio das eficiências compensatórias, e com isso dificilmente se firmando como jurisprudência nas principais jurisdições.
Em resumo, a questão teórica central é a seguinte: concordando em que a distribuição de renda entre as partes envolvidas (consumidores e produtores) deve ser levada em conta, por que fixar-se justamente na posição extrema – o price standard - em que uma das partes não é afetada, por não haver nenhuma transferência (absoluta) de renda? Em tese, qualquer posição intermediária entre os dois extremos – a preservação do excedente total (Williamson) e a preservação do excedente do consumidor (price standard) – implica justamente considerar a distribuição e privilegiar em alguma medida o consumidor, empregando implicitamente uma função de bem-estar social com peso progressivamente maior para os consumidores do que para os produtores.
Além disso, do ponto de vista legal, há um problema adicional no caso brasileiro. A (nova) lei n0 12.529/11, art. 88, consagra no inciso II do § 60 um critério distributivo ao impor a distribuição de benefícios de um ato entre as partes de um mercado para a sua aprovação, mas por isso mesmo o critério do price standard não é validado por esse artigo da lei brasileira, já que, por hipótese, ele assegura apenas preservar a renda do consumidor, enquanto permite ao produtor apropriar-se da totalidade dos ganhos de eficiência.
Conclusões: (i) Se o price standard não é “a” solução para a avaliação de ganhos compensatórios de eficiência, o critério do excedente total (Williamson) tampouco parece satisfatório, por não ter uma base científica sólida. Ainda assim, ele pode ser interpretado como ponderando consumidores e produtores pelo mesmo peso – o que pode ser legítimo como primeira aproximação.
(ii) Em suma, não há uma solução unívoca, “técnica” ou econômica, ao problema. Mais uma razão para que “portos seguros” (“safe harbors”) sejam mais usados no Brasil, também nesse tema, como o são em outras jurisdições: acima de certo patamar e nível de incremento de concentração, por exemplo, os atos de concentração deveriam ser simplesmente rejeitados. Além de certo nível de prejuízo esperado à concorrência, a aceitação de eficiências compensatórias deveria ser – como, aliás, a lei prevê – bem mais exceção do que regra.