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A Propósito de Inês de Castro. Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro, que el-rei D. Afonso, o Quarto, de Portugal, matou em Coimbra por o príncipe D. Pedro, seu filho, a ter como mulher, e, polo bem que lhe queria, nam queria casar. Enderençadas às damas.
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Trovas que Garcia de Resende fez à morte de D. Inês de Castro, que el-rei D. Afonso, o Quarto, de Portugal, matou em Coimbra por o príncipe D. Pedro, seu filho, a ter como mulher, e, polo bem que lhe queria, nam queria casar. Enderençadas às damas. • Senhoras, s'algum senhorvos quiser bem ou servir,quem tomar tal servidor,eu lhe quero descobriro galardam do amor.Por Sua Mercê sabero que deve de fazervej'o que fez esta dama,que de si vos dará fama,s'estas trovas quereis ler.Fala D. InêsQual será o coraçamtam cru e sem piadade,que lhe nam cause paixamúatamgram crueldadee morte tam sem rezam?Triste de mim, inocente,que, por ter muito ferventelealdade, fé, amoró príncepe, meu senhor,me mataram cruamente!A minha desaventuranam contente d'acabar-me,por me dar maior tristurame foi pôr em tant'altura,para d'alto derribar-me;que, se me matara alguém,antes de ter tanto bem,em tais chamas nam ardera,pai, filhos nam conhecera,nem me chorara ninguém. Garcia de Resende, 1516 (excerto)
CASTRO:Meu Senhor,Esta he a mãy de teus netos. Estes sãoFilhos daquelle filho, que tanto amas.Esta heaquella coitada molher fraca,Contra quem vens armado de crueza.Aqui me tens. Bastava teu mandadoPera eu segura, e livre t'esperar,Em ti, e em minh'innocencia confiada.Escusarás, Senhor, todo este estrondoD'armas, e Cavaleiros; que não foge.Nem se teme a innocencia, da justiça.E quando meus peccados me accusaram.A ti fora buscar: a ti tomaraPor vida em minha morte: agora vejoQue tu me vens buscar. Beijo estas mãosReaestam piedosas: pois quisestePor ti vir-te informar de minhas culpas.Conhece-mas, Senhor, como bom Rey,Como clemente, e justo, e como payDe teus vassallos todos, a que nuncaNegaste piedade com justiça.Que vês em mim, Senhor? Que vês em quemEm tuas mãos se mete tam segura?Que furia, que ira esta he, com que me buscas?Mais contra imigos vens, que cruelmenteT'andassem tuas terras destruindoA ferro, e fogo. Eu tremo, senhor, tremoDe me ver ante ti, como me vejo:Molher, moça, innocente, serva tua,Tam só, sem por mim ter quem me defenda.Que a lingua não s'atreve, o sprito tremeAnte tua presença, porém possamEstes moços, teus netos, defender-me.Elles falem por mim, elles sós ouve:Mas não te falaram, Senhor, com lingua,Que inda não podem: falam-te co as almas,Com suas idades tenras, com seu sangue,Que he teu, faláram: seu desemparoT'está pedindo vida: não lha neguesTeus netos são, que nunca téqui viste:E vê-los em tal tempo, que lhes tolhesA glória, e o prazer, qu'em seus spritosLhe está Deos revelando de te verem. • António Ferreira, A Castro (excerto), 1587
À morte de Inês de Castro Toldam-se os ares Murcham-se as flores; Morrei, Amores, Que Inês morreu. Mísero esposo, Desata o pranto, Que o teu encanto Já não é teu. Sua alma pura Nos Céus encerra; Triste da Terra, Porque a perdeu. Contra a cruenta Raiva ferina, Taça divina Não lhe valeu. Tem roto o seio, Tesouro oculto; Bárbaro insulto Se lhe atreveu. Da dor e espanto No carro do outro O númen louro Desfaleceu. Aves sinistras Aqui piaram, Lobos uivaram, O chão tremeu. Toldam-se os ares Murcham-se as flores; Morrei, Amores, Que Inês morreu. Bocage, in Cantata à Morte de Inês de Castro (excerto)
Antes do fim do mundo, despertar, Sem D. Pedro sentir, E dizer às donzelas que o luar E o aceno do amado que há-de vir... E mostra-lhes que o amor contrariado Triunfa até da própria sepultura: O amante, mais terno e apaixonado, Ergue a noiva caída à sua altura. E pedir-lhes, depois, fidelidade humana Ao mito do poeta, à linda Inês... À eterna Julieta castelhana Do Romeu português. Miguel Torga, in Poemas Ibéricos-Antologia Poética, 1981
A linda Inês de manto Teceram-lhe o manto para ser de morta assim como o pranto se tece na roca Assim como o trono e como o espaldar foi igual o modo de a chorar Só a morte trouxe todo o veludo no corte da roupa no cinto justo Também com o choro lhe deram um estrado um firmal de ouro o corpo exumado O vestido dado como a choravam era de brocado não era escarlata Também de pranto a vestiram toda era como um manto mais fino que a roupa Fiama H. P. Brandão, in Obra Breve, Barcas Novas, 1967
Soneto de Inês • Dos olhos corre a água do Mondego os cabelos parecem os choupais Inês! Inês! Rainha sem sossego dum rei que por amor não pode mais. Amor imenso que também é cego amor que torna os homens imortais. Inês! Inês! Distância a que não chego morta tão cedo por viver demais. Os teus gestos são verdes os teus braços são gaivotas poisadas no regaço dum mar azul turquesa intemporal. As andorinhas seguem os teus passos e tu morrendo com os olhos baços Inês! Inês! Inês de Portugal. • José Carlos Ary dos Santos, in Poemas de Ary dos Santos
Inês morreu • Inês morreu e nem se defendeu Da morte com as asas da andorinha pois diminuta era a morte que esperava aquela que de amor morria cada dia aquela ovelha mansa que até mesmo cansa olhar vestir de si o dia a dia aquele colo claro sob o qual se erguia o rosto envolto em loura cabeleira pedro distante soube tudo num instante que tudo terminou e mais do que a Inêso frio ferro matou a ele Nunca havia chorado é a primeira vez que chora agora quando a terra já encerra aquele monumento de beleza que pode pedro achar em toda a natureza pode pedro esperar senão ouvir chorar as próprias pedras já que da beleza se comovam talvez uma vez que os humanos corações consentiram na morte da inocente InêsE pedro pouco diz só diz talvez satanás excedeu o seu poder em mim deixem-me só na morte só na vida a morte é sem nenhuma dúvida a melhor jogada que o sangue limpe agora as minhas mãos cheias de nada ó vida ó madrugada coisas do princípio vida começada logo terminada • Ruy Belo, in Triplov