530 likes | 630 Views
Especial Redemocratização: Os bastidores do processo de Transição. Exclusivo: Entrevista com o presidente Sarney. Anistia. Constituição. Diretas. Expresso das Oito e Meia. 2ª Quinzena, dezembro de 1989. Edição nº 462 - Ano 12. Por essa faixa. VALE TUDO?. Só NCz$ 28,00!.
E N D
Especial Redemocratização: Os bastidores do processo de Transição Exclusivo: Entrevista com o presidente Sarney Anistia Constituição Diretas Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena, dezembro de 1989 Edição nº 462 - Ano 12 Por essa faixa VALE TUDO? Só NCz$ 28,00!
Dos Editores Expediente Passageiro Nº 2 EDITOR CHEFE Bill, Riquelle, Tálita e Verlane EQUIPE DE REPORTAGEM Amanda Falcão, André Turiba, Arnold Coutinho, Caio César Cao Lima, Caverna Castro França, César Germanno, Chester Bonasser, Ciça Augusto Gomes, Cris Marques, Cristian Menezes, Daniel Famboy, Daniel Gulias, Dhodho Holanda, Felipe Arthur, Ferreira Crivellaro, Fumiko Mendes, Jatoba Guilherme Costa, Jesus Navarro Ruivo, Jesus Wilson, Isa Magalhães, Leila Andrade, Let Maldonado, Maíra Cerino, Mari Conceição, Miguelsão Ossan, Mucum Assis, Paulo Cao Silva, Pedro Dias, Raul Estevez e Garcia, Sara Isaac, Tairã Umpierre, Talito Tulio, Thales Carlos Franco, Valdivino Wanderson, Valter Honda, Vanessão Sampaio, Zé Bariloche COLABORADORES Passageiro Nº 5 FOTOGRAFIA Exditora S/A IMPRESSÃO 360.000 exemplares TIRAGEM Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões e críticas às matérias Envie para nosso endereço postal EXPRESSO DAS 8:30 LTDA Campus Darcy Ribeiro CEP: 71000-000, Brasília – DF Faz 4 anos, 8 meses e 14 dias que a impressão do Expresso não precisa ser feita às 8 e meia em lugares diferentes. omingo, dia 17 de dezembro, o Brasil vai viver um dia histórico. Quem irá vencer o segundo turno é um mero detalhe. Que os brasileiros irão escolher seu presidente depois de 29 anos, isso sim é importante. O país está de volta aos trilhos da democracia. Se dermos uma olhada para trás, podemos ver uma sombra agourenta de um passado ainda muito recente. Embora nossas atenções estejam voltadas para o futuro, não devemos esquecer ou fingir que esse passado não existiu. Que nosso novo maquinista faça a ‘Locomotiva Brasil’ fazer PIUUUUUIIIIIIIIIIIIII!!!!! Porque agora nós poderemos questionar para onde estamos indo. Nessa edição, uma entrevista muito polêmica concedida pelo presidente José Sarney, na qual ele conta sobre os bastidores dessa histórica eleição. Atenção para o papel desempenhado pelos militares. Especial sobre a Redemocratização: Anistia, Diretas, a Nova Constituição; dos bastidores do processo de transição até hoje. O que mudou? Como mudou? Por que mudou? Na reportagem da Capa, traçamos um perfil dessas eleições, com seus atos dramáticos, personagens tragicômicos e um fatalístico clímax. Verdadeiro deleite, digno de um folhetim de Dias Gomes. Boa leitura. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Correio Fernando Rocha se refere, para nós se traduz numa reprodução fiel aos fatos sim, mas com consciência humana e social do processo de seleção. Nas entrevistas feitas aos candidatos Collor e Lula, nossas perguntas foram 90% iguais aos dois. Ora, basta lembrar que, se por um lado podemos formular as perguntas, as respostas dependem exclusivamente dos entrevistados. Se, por conseguinte, as respostas denotam diferenças visíveis e prejudiciais a um dos entrevistados então o Expresso foi feliz em seu intento. Reportagem de Capa: Brizola apóia Lula Quem imaginaria que Lula iria para o segundo turno? E com Fernando Collor?! Rapaz, as eleições estão mais emocionantes que os jogos da Copa do Mundo! Emerson de Souza, 18 anos, (SP) Brizola era meu candidato, ainda não acredito que ele não foi para o segundo turno. Não entendo essa união! Não era o Brizola que chamava o Lula de Sapo Barbudo? Carla Amorim, 24 anos, (MG) Passagens: A Linha Dura reage! Simplesmente sensacional o texto do Sr Ferreira. Há muito que os militares vem articulando por debaixo dos panos. Eles ainda não largaram o osso, precisamos ficar de olho... Alcides Ferreira Gular, 43 anos, (SP) Entrevista: Quem é Lula? Muito boa a entrevista. Lula demonstrou que está preparado para governar o país, enquanto alguns falam em choque de capitalismo, ele fala em justiça social. É Lula lá! Otacílio Henrique, Brasília, (DF) O jornalismo brasileiro ainda está muito marcado pela ditadura, não se vê mais redações praticarem o bom jornalismo, o verdadeiro jornalismo, aquele que se fia pela imparcialidade. O periódico ‘Expresso das Oito e Meia’ é mais um exemplo disso, que entrevista descaradamente tendenciosa foi aquela? O candidato ao segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu um tratamento bem diferente daquele dado a Fernando Collor. Enquanto para Lula as perguntas o ajudavam a enaltecer seu perfil humilde para Collor pareciam condenar seu passado de classe média. Se para Lula a entrevista não tocou em pontos delicados de sua biografia, para Collor só faltou perguntarem quantas cadeiras ele comprou como governador de Alagoas. Por favor, acordem! Fernando Rocha Evaristo, Ji-paraná, (SC) Resposta ao Leitor A política do Expresso é não se esconder sob falsas imparcialidades. O “bom jornalismo” ao qual o leitor Mais comentados Entrevista 21% Colunistas 8% Reportagem de Capa 13% Outros 36% Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Bilhetagem O Expresso das Oito e Meia entrevista o presidente da república José Sarney. Na sua despedida do Palácio do Planalto, o presidente confidencia um pouco dos bastidores das eleições e comenta sobre os principais candidatos. EOM - Quais foram as pressões, do ponto de vista político nesse ano? Presidente Sarney - Olha , nós não podemos falar em 89 sem falar da constituinte na discussão se o mandato tinha que ser de 4 ou de 5 anos. Mas ninguém pensou, na classe política, sobre as conseqüências de uma eleição solitária para presidente da república coisa que nós nunca tínhamos visto no Brasil e que dificilmente é feito em outros países. Nossas eleições, sempre foram eleições federais, o que fazia com que a classe política agisse em conjunto no Brasil inteiro e que os partidos funcionassem. Com uma eleição solitária não havia nenhuma avaliação sobre isso, todos os grupos políticos que existiam naquele tempo eles lutavam pela eleições de 4 anos, não era propriamente a discussão teórica dos 4 anos, mas o fato de serem candidatos a presidente da republica, o Brizola, nós tínhamos o Collor que se julgava que se sairia presidente se as eleições fossem realizadas em 88, o Ulisses achava que seria eleito tranquilamente, porque ele teria um recall da constituinte, o apoio do maior partido que era o PMDB e a vantagem de toda a sua luta e também tínhamos o Lula. EOM - O que o senhor acha que foi o diferencial na campanha do Collor para ele ter se tornado o favorito para ganhar as eleições? Presidente Sarney - Collor lançou-se candidato e utilizou pela primeira vez no Brasil, e muito bem, os meios de comunicação, sobretudo a televisão onde existe o pseudo fato. Eu me lembro muito bem que talvez foi o ano que nos tivemos a maior safra agrícola no Brasil, ele foi em Mato Grosso e fez um programa de televisão encima de um saco de cereais dizendo: “olha o Brasil tá se liquidando, o Brasil tá abandonado aqui não tem agricultura”, sendo que a situação era inteiramente diferente, mas a televisão ela tem essa capacidade. O Collor entrou e começou a fazer uma campanha muito bem feita na televisão e utilizou, naturalmente, seus dotes pessoais, de inteligência de audácia. EOM - Como se efetivou a polarização entre Collor, Brizola e Lula? Presidente Sarney - O Lula entra como um candidato que tinha uma infraestrutura muito pequena, mas pelo fato dele ser a antítese do Collor ele também começou a polarizar. Os candidatos tradicionais, como o Ulisses, que seriam baseados, vamos dizer assim, na velha ordem eles desapareceram completamente do Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Bilhetagem porque ele era o candidato que tinha sido muito correto comigo na escolha pra vice-presidente , era meu ministro então eu votei nele. O Ulisses cometeu o grande erro da vida dele por que se ele não tivesse rompido comigo em 89 ele teria o apoio do governo. Eu lembro que em 89 nós tivemos o Iris que foi candidato nosso na convenção do PMDB ele teve uma votação muito expressiva , quase que ele vencia o Ulisses na convenção. Ou seja qualquer candidato com o apoio das forças que me apoiavam teriam no mínimo de 15% a 20%. debate político, ele, o Aureliano, o próprio Covas. Com isso aseleições foram se polarizando em entre o Collor, o Brizola e o Lula. Nós vamos verificar que o Collor começou com 52% na campanha, mas ele perdeu muita substância porque aí o eleitorado começou a se dividir e ele terminou com 28% sendo o mais votado e a eleição foi para o segundo turno. E no segundo turno todo mundo se uniu em torno do dois candidatos [Collor e o Lula]. A forças de centro-direita apoiaram o Collor e a força de populares e os de centro-esquerda dirigiram para o Lula. A diferença entre o Lula e o Brizola foi de 200 mil voto, essa diferença levou o Lula para o segundo turno e deu consistência e consolidou o PT e a figura do Lula. EOM – O senhor não acha que mesmo que o Ulisses tivesse o apoio formal de todas as forças que compunham o PMDB, ele ainda sim não seria solapado por aquele desejo de mudança do eleitorado, que resolveu optar por Lula, Collor ou Brizola? Presidente Sarney - Não. A mudança de eleitorado foi feita pela introdução de um instrumento novo na campanha, que era a televisão. O Ulisses cometeu o grande erro da vida dele por que se ele não tivesse rompido comigo em 89 ele teria o apoio do governo. EOM – Sendo assim, o senhor acha que existia a possibilidade do Lula ganhar a eleição? Presidente Sarney - Houve um momento nos últimos dias em que as pesquisas diziam que ele tinha chance de vencer a eleição. Naturalmente, era um quadro absolutamente inusitado no Brasil pensar na eleição do Lula naqueles dias , eu diria que nem ele achava que estava preparado. EOM – O senhor acha que o Ulisses teria se dado bem na televisão? Presidente Sarney - O Ulisses teria se dado bem na televisão, ele apoiado, significaria a encarnação de toda a luta contra os militares e todo o seu passado e tudo que ele tinha feito dentro da constituinte. Então, sem dúvida alguma ele teria condições, o EOM – Em quem o senhor votou no primeiro turno? Presidente Sarney - Como eu tinha me isolado na campanha eu não tomei parte dela, eu votei no Aureliano, Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Bilhetagem que realmente faltou a ele foi o apoio político. A classe política é muito pragmática, na hora que o Collor despontou como uma figura capaz devencer a eleição todo mundo foi com ele. Se o Ulisses tivesse o apoio total do governo e do PMDB ele naturalmente teria ganhado.EOM – Mas senhor Presidente, lembre-se que naquele momento havia um clima de hiperinflação, os candidatos eram abertamente contra o senhor, a sua popularidade estava muito em baixa,, mesmo assim o senhor acha que teria conseguido alavancar o Ulisses?Presidente Sarney - Claro. Eu não tenho nenhuma dúvida de que nós teríamos conseguido alavancar o Ulisses. Nós alavancamos o Iris na convenção do PMDB e ele quase ganhou a convenção. Nós tínhamos condições de reunir as forças políticas que foram embora porque Ulisses passou a ser uma figura que não teria nenhuma condição de ganhar a eleição. achei que ele não estava amadurecido para que ele fosse presidente naquele momento. EOM - Pesou nessa decisão do senhor, os ataques que o senhor recebia de ambos? Presidente Sarney - O Lula não atacou nessa campanha. Ela não chegou aos exageros que o outro candidato [Collor] tinha chegado. O Lula censurava as políticas do governo e tudo, mas pessoalmente ele não me atacava. Ele centralizou muito mais a campanha em cima do que o Collor representava. Ele não fez campanha contra o presidente Sarney. EOM – Que tipo de pressão havia ainda do meio militar durante as eleições? Presidente Sarney - Olha, ninguém especificamente, nenhum chefe militar me falou a esse respeito da eleição. Mas eu como Presidente da República desejando terminar a transição dentro do processo de paz, eu entreguei o país com uma tranqüilidade absoluta foram 5 anos fizemos a constituinte, fizemos eleição, a democracia funcionou, restauraram-se todas as liberdades públicas. O governo não estava popular, mas não havia um ódio contra a pessoa do Presidente. O Presidente era visto como o homem que tinha feito um esforço muito grande, eu nunca despertei ódio na população, essa que é a verdade. Nesse sentido, eu resolvi também conscientizar os militares dessa EOM – O senhor já declarou ter votado no primeiro turno no Aureliano Chaves, no segundo turno em quem o senhor votou? Presidente Sarney – Meu voto foi em branco no segundo turno. Nem Collor e nem Lula. EOM – Por que? Presidente Sarney - Eu não iria votar no Collor porque ele era o candidato símbolo da agressão e também não votei no Lula, porque eu Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Bilhetagem necessidade de termos uma eleição e se preparar para o resultado que ela tivesse.EOM – Se fosse Lula ou Brizola que tivessem vencido o senhor acha que as eleição teria sido tranquila?Presidente Sarney - Eu acho que teríamos problemas, sinceramente. Eu sentia que não havia umamadurecimento, não se pode precisar os problemas. Havia uma restrição muito grande ao Brizola e o Lula também passou a ter. Eu acompanhei a área militar parra que nós justamente não tivéssemos nenhuma manifestação. Eu me preparei, foi uma preocupação minha fiz uma doutrinação grande, conversei muito com os militares, conversei muito com essas forças de que poderiam ser de resistência. Não teve nenhuma prontidão militar durante o meu governo. A primeira coisa que eu fiz foi reunir os chefes militares e disse: eu sou o comandante chefe é o meu dever zelar pelos seus subordinados, os senhores fiquem calmos não vai haver revanchismo eu irei assegurar isso, a transição será feita com os militares e não contra os militares. A transição não foi fácil, tivemos que fazer um engenharia política, que funcionou. participaram dessa operação. Qual é a sua avaliação sobre a tentativa de lançar a candidatura do Silvio Santos? Presidente Sarney - Eles caíram numa casca de banana do próprio Silvio Santos, que como um bom homem de marketing queria que seu nome circulasse. Mas na realidade aquilo nunca foi uma coisa séria. EOM - O senhor acha que foi o próprio Silvio Santos que montou a operação, então? Presidente Sarney - Não, não. O Silvio Santos ele sempre foi falado, com um nome popular. O PFL acho que era uma oportunidade naquele momento . Ele não foi derrubado na Justiça Eleitoral, o Aureliano é quem disse que não sairia, ele disse que ia sair mais não saiu. O PFL disse que tinha consultado o Aureliano e que ele tinha concordado, eu ligue para o Aureliano e ele disse que não, que isso não existia e que ele iria ser candidato até o fim. A posição foi a de não me meter já que eu não tinha opinado na escolha dos candidatos. O meu desejo era fazer uma chapa Ulisses e Aureliano, desde o momento que eles não me deram espaço pra fazer essa chapa eu senti que as coisas iriam degringolar. Então, me concentrei todo em assegurar a eleição para que ela não tivesse problemas e abandonei o nome dos candidatos. A primeira coisa que fiz foi reunir os chefes militares e disse: eu sou o comandante chefe é o meu dever zelar pelos seus subordinados, os senhores fiquem calmos não vai haver revanchismo eu irei assegurar isso, a transição será feita com os militares e não contra os militares. EOM - Em outubro de 89 tentou-se lançar a candidatura do apresentador Silvio santos a candidato a Presidência da república, alguns políticos próximos ao senhor, como o Edson Lobão, Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Abertura, mas com ternura O presidente Geisel enfrentava dificuldades que marcaram o fim do ‘milagre brasileiro’ e ameaçavam a estabilidade do Regime Militar. A crise internacional do petróleo contribuiu para uma recessão mundial e o aumento das taxas de juros, o que provocou uma redução drástica no volume de crédito, além de colocar a dívida externa brasileira em um patamar alarmante. A inflação chegava a 94,7% ao ano. O Brasil entrou numa recessão cuja principal conseqüência foi o desemprego. Somando a isso, a população urbana crescia vertiginosamente. No início dos anos 80, segundo dados do IBGE, 80 milhões de pessoas (67% dos brasileiros) viviam nas cidades, contra uma população rural de 39 milhões de pessoas. O crescimento acelerado dos centros urbanos não era acompanhado de planejamento ou de incremento de serviços como transporte, saneamento básico, bem como atendimento público de saúde, educação e justiça. A resolução desses problemas eram algumas das reivindicações dos movimentos sociais urbanos da época. Nesse cenário, a oposição se fortalece e nas eleições de novembro de 1974, o MDB conquista 59% dos votos para o Senado, 48% para a Câmara dos Deputados e ganha em 79 das 90 cidades com mais de 100 mil habitantes. A censura à imprensa é suspensa em 1975. A linha dura resiste à liberalização e desencadeia uma onda repressiva contra militantes e simpatizantes do clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB). O MDB vence novamente as eleições no final de 1976. Em 1977, o governo coloca o Congresso em recesso e baixa o “pacote de abril”. As regras eleitorais são modificadas de modo a garantir maioria parlamentar à Arena, o mandato presidencial passa de cinco para seis anos e é criada a figura do senador biônico, eleito indiretamente pelas Assembléias Legislativas estaduais. Em 1978, Geisel envia ao Congresso emenda constitucional que acaba com o AI-5 e restaura o habeas-corpus. Com isso abre caminho para a redemocratização do país. No final do ano, o MDB volta a ganhar as eleições. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> O crescimento da oposição nas eleições de 1978 acelera a abertura política. Integrantes da linha-dura do Exército articulavam para que o general Sílvio Frota, ministro da Guerra, assumisse o posto. Geisel, no entanto, destituiu Frota do Ministério e fez valer sua vontade. Geisel dizia no discurso da posse do pupilo: "é um nome consagrado dentro das Forças Armadas, é um revolucionário da primeira hora, um homem de sentido altamente humano e larga experiência". Sua principal mensagem, guardada deliberadamente para o fim, não poderia ter sido mais clara: "Na escolha desses dois nomes, tive em vista encontrar alguém que fosse capaz (...), no nosso quadro revolucionário, de levar avante o processo de institucionalização, de eliminar as leis de exceção, de dar ao país determinadas salvaguardas que lhe permitam caminhar pacificamente e, desta forma, fazer com que, cada vez mais, nossa democracia, não apenas no papel, mas na vida real, se aprimore e seja cada vez melhor“. Figueiredo assume o governo em um contexto de aceleração da inflação, baixos salários e pouca distribuição de renda. Contrariando o que determinava os militares, começaram a surgir diversas greves. As de maior destaque foram do sindicato de metalúrgicos de São Bernardo, no ABC paulista, sob a liderança de Luiz Inácio “Lula” da Silva, que chegaram a reunir 160 mil metalúrgicos da indústria automobilística e contavam com o apoio de setores da igreja (o arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, foi um dos colaboradores). O regime intervêm no sindicato, prendendo Lula e outras lideranças da entidade. Outra greve reprimida pelo governo foi dos policiais de São Paulo, que pararam por 15 dias. Além da violência, o ato foi marcado pelo saldo de 200 presos. Em 15 de março de 1979, Figueiredo, último dos generais no poder, assume a presidência da República. Assumiu jurando fazer do Brasil uma democracia. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> dentro do MDB. Leonel Brizola fundou o PDT, reunindo outra parte do movimento trabalhista (ele perdeu na justiça a sigla do PTB para a sobrinha de Getúlio Vargas). Embora tenha detido as principais lideranças, Figueiredo não conseguiu pôr fim às manifestações dos metalúrgicos. Em negociação direta entre trabalhadores e empregadores, foi acordado o aumento de 63% nos salários, o retorno de Lula às suas funções no sindicato e de todos os outros presos. Em 1979, aconteceram cerca de 400 greves de funcionários públicos em todo o país. As manifestações criam clima de agito político e luta pela democracia. Juntaram-se a elas, além dos votos de protesto no MDB, a Campanha Nacional Pró-Anistia, que reuniu milhões de pessoas pedindo o retorno dos condenados por crimes políticos durante o regime militar. Figueiredo cedeu às pressões. Devido ao crescimento da oposição, por meio da emenda constitucional de 4 de setembro em 1980, o governo tentou manter o controle da transição democrática, promulgando o mandato dos vereadores e prefeitos e adiando por dois anos as eleições para a Câmara Federal e Senado, governos estaduais, prefeituras, Assembléias Estaduais e Câmara de Vereadores. Quatro dias antes das eleições, marcadas para 15 de novembro de 1982, o governo proibiu as coligações partidárias e estabeleceu a vinculação do voto: o eleitor só poderia votar em candidatos do mesmo partido. Nas eleições para governador, as oposições somadas obtiveram 25 milhões de votos. No mesmo ano, ele promoveu uma reforma que acabou com o sistema bipartidário e, consequentemente, com o MDB e a Arena - enquanto a Arena se concentrou no Partido Democrático Social (PDS), o MDB tornou-se o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) – corre o boato de que a idéia dos militares era enfraquecer o MDB, dividindo-o. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ressurgiu e em 1980 foi registrado o Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo operário "Lula". O PT não reunia apenas trabalhadores das fábricas paulistas, mas também grande parte do movimento sindical rural e urbano, intelectuais, militantes eclesiais de base e setores de esquerda Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Nesta noite, cerca de 20 mil pessoas assistiam a um show em comemoração ao Dia do Trabalhador, organizado pelo CEBRADE (Centro Brasil Democrático), e que contou com a presença de diversos expoentes dos Festivais, entre os quais Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Gonzaguinha, Alceu Valença e Gal Costa. Uma bomba explodiu no estacionamento, dentro de um automóvel Puma, matando o sargento Guilherme Ferreira do Rosário e ferindo gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado (proprietário do Puma), ambos ligados ao DOI-CODI do Exército, que estavam no carro. A bomba explodiu enquanto era manipulada, e preparada para ser detonada junto à caixa de força e luz do estacionamento do Riocentro, a fim de cortar a energia e gerar pânico entre os freqüentadores do show. Uma segunda bomba explodiu na caixa de energia, mas sem conseguir cortar a luz no local do show. Uma terceira bomba teria sido encontrada, intacta, no carro das vítimas. O ministro da Justiça na época, Abi-Ackel, determinou que a Polícia Federal se juntasse ao trabalho de investigação ainda na madrugada de sexta-feira. "Reconheço que existe uma ânsia nacional para saber quem pratica atos como este", disse o ministro. "Por essa mesma razão, não me cabe inventar culpados. O PMDB elegeu 9 governadores e o PDT, um. O PDS obteve 18 milhões de votos, elegendo 12 governadores. Embora perdendo em número de votos, o regime manteve o controle do processo de democratização e articulou a sucessão de Figueiredo, que ocorreria em novembro de 1984. A série de avanços políticos e a expressiva votação conquistada pela oposição, provocou reação da direita reacionária. Civis e militares desses segmentos começaram a praticar seqüestros e atos com bomba e a pôr fogo em bancas que vendiam publicações consideradas por eles subversivas (o jornal "O Pasquim", com suas sátiras ao regime militar e seu humor ácido, era um exemplo). Em São Paulo, o jurista Dalmo Dallari ficou em cativeiro e foi espancando, e, no Rio de Janeiro, foi colocada uma bomba na sede da OAB e outra na sala de um vereador do PMDB, que matou uma pessoa. Na noite de 30 de abril de 1981, véspera do Dia do Trabalhador, no Pavilhão do Riocentro, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, os atos violentos atingiram seu clímax. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> O que é procedente é agilizar providências para apurar tudo, e isso já fizemos", explicou o ministro na época. "Eles foram vítimas de um atentado, é óbvio", disse horas depois o general Gentil Marcondes, que fez questão de segurar o caixão do sargento, sepultado com honras militares a pedido de sua mulher, dona Suely. "O capitão estava no local cumprindo minhas ordens, em missão de informação". Marcondes fez, contudo, algumas ressalvas: "Não abandonaremos nenhuma hipótese até que as investigações cheguem ao fim", assegura. "O impacto maior é causado pelo acobertamento de mentiras. Seja qual for o resultado das apurações, vamos levá-lo ao conhecimento público." A 74ª ação terrorista praticada no país desde 1980 marca o fim da temporada de estrondos destinados a espalhar pedras no caminho da abertura. Até então, o esforço de investigação promovido só levou à prisão de Ronald James Waters, suspeito de envolvimento no atentado mencionado anteriormente contra a OAB. Mesmo assim, a polícia não conseguiu uma única prova que o incrimine até hoje. "Se as vítimas das bombas terroristas somos nós, o alvo é o presidente Figueiredo", afirmou na época o deputado federal Marcelo Cerqueira, do PMDB do Rio. Cerqueira, para quem a explosão no Riocentro foi "um acidente de trabalho", foi um dos presentes à reunião que levou à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), representantes de vários partidos oposicionistas e o presidente da OAB, Bernardo Cabral. "A bomba do Riocentro pode representar para o governo Figueiredo o que o martírio de Vladimir Herzog significou para o governo Geisel", comparou Cerqueira durante a reunião. "Naquela ocasião, deu-se início à desativação da tortura. Agora, o presidente Figueiredo pode desativar o terrorismo“. Diante do clamor público, o chefe do Gabinete Civil da Presidência, o general Golbery do Couto e Silva, tentou agilizar as investigações e fazê-las seguir pela Justiça comum. Golbery acabou se demitindo em agosto de 1981 A versão oficial foi de que as bombas foram implantadas no carro para matar os militares. A versão oficial foi de que as bombas foram implantadas no carro para matar os militares. Nos bastidores comenta-se que o objetivo da linha-dura era atribuir o atentado à extrema esquerda. Para dar respaldo a esta versão, os agentes providenciaram, juntamente com o atentado, para que diversas placas de trânsito nas vias de acesso ao Riocentro fossem pichadas com a sigla VPR, do grupo Vanguarda Popular Revolucionária, que fora comandado pelo Capitão Carlos Lamarca nos anos 70. O que eles ignoravam é que a VPR já havia sido extinta e desmantelada pelas próprias forças da repressão. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Diretas>> Durante a madrugada do dia 25 para o dia 26 de abril de 1984, foi derrotada, no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional Dante Oliveira, que propunha o restabelecimento de eleições diretas para presidente do Brasil, que haviam sido suspensas em 27 de outubro de 1965 por meio do Ato Institucional n° 2. Dos 320 votos necessários à aprovação da Emenda, foram obtidos 298. O sentimento de frustração era inevitável, afinal, desde 1979, com a organização de novos partidos políticos no lugar da Arena e do MDB e a posterior realização de eleições diretas para governador em 1982, havia se criado uma atmosfera de grande expectativa por parte de lideranças políticas e da por parte de lideranças políticas e da população em geral de que o mesmo pudesse ocorrer nas eleições presidenciais previstas para 1985. Apesar do começo tímido, a campanha pelas Diretas-Já conseguiu, em pouco tempo, conquistar o apoio de lideranças políticas provenientes de partidos de oposição como PMDB, PDT e PT; além disso, verdadeiras multidões tomaram as ruas das cidades em gigantescos comícios que marcaram a história - entre ele destaca-se o da Praça da Sé. Grandes nomes da política brasileira como Ulysses Guimarães, Luís Inácio Lula da Silva, Leonel Brizola, Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardoso marcaram presença nos palanques da campanha, que também contou com a adesão de intelectuais e artistas. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Diretas>> O povo vai a luta. Diretas já! Mesmo com a derrota da Emenda Dante Oliveira no Congresso, a mobilização dos partidos políticos de posição decorrente da campanha pelas Diretas-Já não foi em vão, pois fez surgir a possibilidade de derrotar o partido do governo, o PDS, nas eleições indiretas de 1985. A vitória de Tancredo Neves e do vice José Sarney confirmou as expectativas da oposição e foi fundamental para conduzir o país ao restabelecimento da democracia, cujo marco foram as eleições diretas de 1989. • Sem dúvida, a campanha pelas Diretas-Já pode ser considerada um dos acontecimentos mais expressivos da trajetória política brasileira, não apenas porque abriu caminho para a realização das eleições diretas para presidente em 1989; mas, sobretudo, porque promoveu uma intensa mobilização popular, rara na história do país. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Anistia>> ANISTIA AMPLA, GERAL E IRRESTRITA X ANISTIA PARCIAL E RECÍPROCRA Em 28 de janeiro de 1979 foi promulgada, pelo até então presidente Figueiredo, a lei 6.683, mais conhecida como Lei da Anistia. A lei constitui-se como um dos principais projetos para a efetivação do processo de abertura gradual que estava sendo engendrado, porém em torno dela travou-se um grande embate, entre a anistia parcial e recíproca e anistia ampla, geral e irrestrita. A lei 6.683 estabelece que serão anistiados todos que “cometeram crimes políticos ou conexo com estes”. Os crimes conexos são definido na lei como “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. A expressão “crimes conexos” foi entendida como uma referência ao crime de tortura. Sendo assim, a lei também estaria garantindo o perdão aos torturadores. Além disso, a lei excluía do beneficio da anistia “os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.”, ou seja excluía os grupos de esquerda que usaram a luta armada para combater ao regime, na concepção dos militares, “os terroristas”. Esses dois pontos geraram muita polêmica entre os parlamentares e àqueles que estavam engajados no movimento pela anistia, enquanto o projeto tramitava no Congresso Nacional. A proposição de uma lei de anistia originária de um governo ditatorial por si só guarda suas contradições, ainda mais no caso de Figueiredo, que foi chefe – no governo Médici – de um dos principais orgãos de apoio a repressão o SNI (Sistema Nacional de Informações). Mas a anistia além de ser simpática à opinião pública, serviria para dividir a oposição, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), segundo Jarbas Passarinho, líder do governo no Senado: “(...) o governo tinha o maior interesse em anistiar esses líderes [Arraes, Prestes e Brizola], para que cada um, segundo suas ideologias ou doutrinas, atuasse separadamente, o que impediria de o MDB transformar-se no escoadouro único de todas as correntes oposicionistas, uma vez que à anistia seguir-se-ia a reformulação Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Anistia>> partidária, acabando com o Um dos principais bipartidarismo.” A lei também impediria o que os militares linha dura temiam, o revanchismo. E garantiria, que no futuro nenhum militar possa vir a ser punido em função dos atos praticados durante a ditadura. Dando margem para a impunidade e viabilizando ações como o atentado do dia do trabalhador no Riocentro. O Ministro da Justiça, Petrônio Portela, foi o responsável pelo projeto de lei da anistia. A proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional para arguição no dia 27 de junho de 1979. No legislativo formou-se uma Comissão Mista para apreciação da matéria, a relatoria do projeto de lei ficou com o Deputado Ernani Satyro (ARENA/PB), a proposta de anistia do governo obteve parecer favorável na comissão por um placar de treze votos. Em 5 de novembro de 1978, estes propósitos são explicitados: “Fim radical e absoluto das torturas. (…) Denunciar à execração pública os torturadores e lutar pela responsabilização judicial dos agentes de repressão e do sistema a que eles servem, fazendo que essa luta seja assumida não apenas individualmente, mas coletivamente pelos movimentos de anistia e pelas entidades profissionais a que se acham vinculadas as vítimas.” O Ministro da Justiça, Petrônio Portela, foi o responsável pelo projeto de lei da anistia. A proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional para arguição no dia 27 de junho de 1979. O movimento pela anistia posicionou-se contra a anistia recíproca e parcial e pedia a responsabilização dos militares. No Programa Mínimo de Ação aprovado pelo I Congresso Nacional pela Anistia. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Anistia>> O Comitê Brasileiro pela Anistia considerava impossível anistiar a prática de tortura, pois os responsáveis nunca foram punidos, sendo assim, como eles poderiam ser anistiados? O Comitê solicitou ao (MDB) que apresentasse um substitutivo do projeto de lei da anistia com a exclusão dos torturadores. da lei da anistia. Alguns militares eram contra a referência que o artigo 1º da lei fazia aos “crimes conexos”, pois isso implicava em reconhecer que houve tortura. Em 21 de agosto de 1979, o projeto de lei foi encaminhado da Comissão Mista para o plenário do Congresso Nacional, onde os debates foram acalorados. No mesmo dia houve uma manifestação na rampa do Congresso a favor da anistia que foi dispersada com bomba de gás lacrimogêneo. No dia 22 ocorreu a do votação e o projeto de lei da anistia do governo foi aprovado, em meio a protestos. . Ulisses Guimarães é aplaudido durante a votação do projeto da Lei de Anistia Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Constituição>> A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. Muda Brasil!” – Ulysses, o Sr Diretas O Brasil inaugura uma nova etapa em sua história no dia 5 de outubro de 198. Após 24 anos de incertezas institucionais, é promulgada a nova Constituição, a Constituição Cidadã que veio encerrar definitivamente o período de autoritarismo vivenciado na ditadura militar. Foi por volta das 16h, na presença do Presidente da República José Sarney, do presidente do Supremo Tribunal Federal, deputados, senadores e governadores, que Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, anuncia: “Declaro promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil”. Num clima de muita emoção, após lembrar a dedicação de Tancredo Neves para que a Carta fosse promulgada, Ulysses também fez questão de deixar claro o repúdio aos tempos passados: "Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.” “Declaro promulgada o documento da liberdade, da dignidade, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude e que isto se cumpra.” Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Constituição>> A partir de então, ninguém mais poderia ser preso a não ser em flagrante ou com expressa ordem judicial, nenhum empregado poderia ser demitido sem receber a multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Todo cidadão teria então garantidos seus direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. Liberdade de expressão e pensamento, assim como a igualdade de todos perante a Lei também foram destaques da Carta Magna. Era uma conquista que mostrava inclusive o retorno do Congresso Nacional ao exercício de suas atividades, pondo fim ao período em que era marginalizado pelos militares. “Sei que a Constituição não vai resolver os problemas de mais de 50 milhões de brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a Constituição não vai resolver o problema da mortalidade infantil, mas imaginava que os constituintes, na sua grande maioria, tivessem, pelo menos, a sensibilidade de entender que não basta, efetivamente, democratizar um povo nas questões sociais, mas é preciso democratizar nas questões econômicas. É preciso democratizar na questão do capital. E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste país, vai continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes. E vai continuar distribuindo tão pouco quanto distribui hoje. É por isso que o Patido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso Diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte. (Lula, 22/09/1988) Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Constituição>> A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE A AssembleiaNacionalConstituinte, previstanaEmendaConstitucional nº 26, de 1985, foiinstalada, emsessãosolene, sob a Presidência do ministroMoreiraAlves, presidente do Supremo Tribunal Federal, no dia 1º de fevereiro de 1987. Nesta data os constituintes tomaram posse e a Assembleia Nacional Constituinte passou a se reunir.Na mesma sessão, procedeu-se à eleição do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, recebendo o deputado Ulysses Guimarães votação consagradora: 425 votos. E foi durante quase dois anos que estes constituintes elaboraram a Carta Magna do país. O cargo de relator-geral coube à bancada partidária majoritária, que era do PMDB. A disputa foi acirrada, nela se envolvendo os deputados Bernardo Cabral (AM) e Pimenta da Veiga (MG), e o senador Fernando Henrique Cardoso (SP). Na disputa pela relatoria, o então deputado Bernardo Cabral derrotou Fernando Henrique Cardoso, na época senador, e o deputado Pimenta da Veiga. Segundo Bernardo Cabral, a experiência de vivenciar a elaboração da Constituição “Não tem adjetivação!” Segundo ele, naquele momento político “havia um sofrimento, uma tensão que já vinha de longe e a Constituição pôs fim a uma longa noite que se havia abatido.” E ainda completa: “Esta foi a primeira constituição brasileira decorrente de uma Assembleia Nacional Constituinte que fazia um texto constitucional sem ter absolutamente nenhum modelo previamente escrito.” Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Constituição>> Redemocratização De onde veio a denominação “Constituição Cidadã”? Bernardo Cabral explica: “Ela foi chamada Constituição Cidadã pela primeira vez durante um discurso do Ulysses Guimarães, Ele fez esse discurso, mais ou menos em fevereiro de 88, quando estávamos no meio dos trabalhos da constituinte: “esta constituição, terá cheiro de amanhã, não cheiro de mofo.” E em seguida completou: “ela será a Constituição Cidadã porque recuperará, como cidadãos, milhões brasileiros.”. E foi daí que a nomenclatura de Constituição Cidadã nasceu.” “Com uma imprensa amordaçada, maculada pela censura, não subsiste a democracia — e, sem esta, o mundo moderno nos ensina claramente que as nações não sobrevivem. É preocupante uma nação onde o medo prevalece sobre a esperança, o ódio subjuga o amor e a vida não merece ser vivida.” (Bernardo Cabral) Publicidade “Vai dar BIOCOLOR na cabeça!” Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Constituição>> Redemocratização PARLAMENTARISMO X PRESIDENCIALISMO Durante a elaboração da Constituição muitas matérias dividiram os constituintes. Dentre eles podemos ressaltar o debate acerca da escolha da forma de governo. Paulo Affonso Martins de Oliveira, secretário-geral da Mesa da Assembleia Nacional Constituinte, diz que este debate constituiu-se em um dos maiores conflitos na Constituinte. Segundo ele, “embora proclame o sistema presidencialista de governo, o texto constitucional põe em evidência a forte influência parlamentarista que sofreu. O maior exemplo consiste no instituto das Medidas Provisórias, inspirado na Constituição parlamentarista da Itália.” O desfecho do embate O constituinteHumbertoLucenafoiquemapresentouemenda de fusãounindotodas as iniciativasrelacionadas com a manutenção do sistemapresidencialista de governo. Estaemenda, mantendo o sistemapresidencialista de governo, foiaprovadaporpequenamargem de votos. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Constituição>> O desfecho do embate Lucenafoiquemapresentouemenda de fusãoconsubstanciandotodas as iniciativasrelacionadas com a manutenção do sistemapresidencialista de governo. Estaemenda, mantendo o sistemapresidencialista de governo, foiaprovadaporpequenamargem de votos O CENTRÃO A criação do Centrão resultou do conflito de natureza ideológica que se instalou na Constituinte, em face da militância da esquerda, que se aproveitou da rigidez das normas regimentais. O Plenário era obrigado a votar o que fosse aprovado pela Comissão de Sistematização, aprovando ou rejeitando, sem modificações. Foram essas normas regimentais inflexíveis e restritivas que levaram ao impasse, comprometendo o processo legislativo e a qualidade do texto constitucional. Expressivo e numeroso grupo de parlamentares insurgiu-se contra o predomínio da esquerda, decidindo criar um bloco, logo denominado Centrão, para influir nas decisões da Assembléia. O movimento teve início com discurso pronunciado da tribuna pelo deputado Daso Coimbra, integrante da bancada evangélica do antigo Estado do Rio de Janeiro, que veio a ser um dos principais articuladores do Centrão. Daso defendeu a necessidade de reformar o Regimento Interno para • permitir a aplicação de normas mais flexíveis durante o processo de discussão e de votação do projeto da Constituição, encaminhando à Mesa Diretora o seguinte documento, denominado “Manifesto à Nação”. O deputado Daso Coimbra encaminhou à Mesa o projeto de resolução do grupo propondo alterações no Regimento Interno da Assembléia. Ulysses: “Você acha que eu não vou aceitar documento subscrito por mais de trezentos constituintes?!” - exprimia o estilo de Ulysses Guimarães, que jamais contrariava o sentimento das maiorias. Diante de sua decisão, acolhendo o documento, começaram as articulações em prol da reforma do Regimento. As principais lideranças do Centrão eram os deputados Ricardo Fiúza, Roberto Cardoso Alves, Luís Eduardo Magalhães, José Lourenço, Bonifácio de Andrada e Luís Roberto Ponte. Como resultado desse trabalho, foi promulgada a Resolução nº 3, de 1988, promovendo alterações substanciais no Regimento Interno da Assembléia Nacional Constituinte. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Constituição>> O MOMENTO É DE OTIMISMOEncerramento dos trabalhos da Constituintes e a promulgação da nova Constituição Foi sob um discurso acalorado que o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, promulga a nova Constituição. O momento histórico representa a libertação da Carta de 1969, imposta à nação pelas baionetas do Ato Institucional nº 5, e o início de um regime de defesa dos mais humildes e de respeito às liberdades. O pronunciamento de Ulysses, segundo o deputado Luiz Henrique, do PMDB de Santa Catarina, representa “a ruptura formal com o passado”. “Ulysses fez o discurso que marcou o final da transição política iniciada em 1974 com a abertura promovida pelo presidente Ernesto Geisel, mas seu pronunciamento foi, acima de tudo, bastante parecido com ele próprio – com a marca de todas as cicatrizes deixadas pela luta pela democracia. Ulysses mostrou que as ideias da democracia e da mudança, motores da maior mobilização popular da História do país, não foram desativadas – atravessaram os 240 artigos da nova Constituição.” O momento é de otimismo. Mesmo com todas as dificuldades que a elaboração da Carta encontrou ao longo dos quase dois anos de trabalhos, e ainda que tenha muitas incoerências no texto definitivo, fato é que a promulgação da Constituição trouxe a sensação de novos ares ao Brasil, deixando para trás um passado que Ulysses fez questão de repudiar dizendo: “Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrave homens e nações, principalmente na América Latina.” Parece que nem a disputa por verbas oficiais iniciada por ministros antes mesmo da sua promulgação (Como chegou a anunciar o ministro Aureliano Chaves, das Minas e Energia, que aumentaria em 120% os salários dos funcionários de sua pasta, sendo contra-atacado logo em seguida pelo ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, que lembrou o artigo 61 que proíbe o encaminhamento de leis que provoquem aumentos nas despesas públicas) e tampouco as manobras do governo para garantir o cumprimento de alguns dispositivos constitucionais chegaram a abrandar o otimismo com a nova constituição. “Com seu discurso, Ulysses mostrou que a Constituição está acima dessas questões menores e que sua energia se alimenta das esperanças de um povo, bem maiores que os desastres de um governo.” Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> O fiasco do atentado do Riocentro seria o marco do fim do regime militar, em sequência ao processo desencadeado pela Lei da Anistia, as diretas e a Nova Constituição Tancredo: os bastidores da sua eleição, sua morte, seu vice Passado o movimento pelas diretas, as atenções se voltaram para as definições pré-colégio eleitoral. O PDS apresentava quatro pré-candidatos Marco Maciel, Paulo Maluf, o ministro do Interior Mario Andreazza e o então vice-presidente, Aureliano Chaves. Para resolver a situação, o presidente do PDS, José Sarney, com o apoio do presidente Figueiredo, propõe que antes da convenção, sejam feitas eleições primárias em todos os diretórios do PDS, visando indicar para a convenção o candidato mais popular no partido. Paulo Maluf reage a isso e se manifesta contrário às prévias, dizendo que seria mero casuísmo de seus adversários no partido. Figueiredo então apóia Maluf e a proposta é derrotada na reunião do partido convocada para deliberar sobre as prévias. Sarney então se desliga da presidência do PDS e forma, com outros descontentes, a Frente Liberal. Enquanto Tancredo buscava acordo com o ministro Aureliano Chaves, que se via sem chances, Sarney se reunia com o deputado Ulysses Guimarães e o então senador Fernando Henrique Cardoso e deu mostras de que seu grupo poderia apoiar um candidato da oposição. Os governadores do PMDB reúnem-se em Brasília e lançam Tancredo Neves como pré-candidato. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> A bancada do PDS ligada a Sarney, a Frente Liberal, rompe com o governo e passa a atuar no Congresso como bloco parlamentar de oposição. É realizada uma reunião entre representantes do PMDB e da Frente Liberal do PDS, em que ficou acertada a composição da chapa Aliança Democrática para enfrentar o PDS no colégio eleitoral. de cumprimento de suas atribuições constitucionais. O presidente João Figueiredo gostava de repetir um trocadilho para mostrar sua posição diante da sucessão presidencial: "Tancredo Never". Trocava o ‘Neves’ do sobrenome do candidato do PMDB pela palavra que, em inglês, significa nunca e, com isso, dava a impressão de que no comentário estava embutido um veto irremediável ao ex-governador mineiro. Especula-se que o ex-presidente tentava permanecer no cargo até conseguir formar um sucessor digno de sua confiança, pois nenhum candidato do PDS prestaria, um candidato da oposição seria abatido por veto militar e, diante da crise, só haveria uma solução: a prorrogação do seu mandato. Quase chegou lá. Figueiredo destruiu seu vice Aureliano Chaves, que liquidou o deputado Paulo Maluf, que acabou com o ministro Andreazza. Tancredo, com cinqüenta anos de experiência, mineiro que é, ficou na dele. Com um pé na oposição e outro no P PDS, esperou. Os altos oficiais das Forças Armadas se reúnem para analisar a corrida presidencial. Exército e Aeronáutica lançaram notas oficiais alertando para possíveis riscos de radicalização e consequente ruptura do processo democrático, enquanto a Marinha simplesmente reafirmava sua posição Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Tancredo percebera, logo no início de 1984, que, apesar do calor popular, o Congresso não restabeleceria o sufrágio universal, como de fato ocorreu quando a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pelos deputados. O que parecia uma derrota era, para ele, o caminho da vitória. Ferido, o regime não tinha mais condições de agrupar suas forças em tomo de uma candidatura. Entre uma candidatura radical, um projeto continuísta e uma equipe descosturada pelo fracasso administrativo, o governo esvaía-se anêmico numa crise que, para a ala mais extremada, desembocaria num novo golpe militar. Nesse quadro de aparente confusão e grande simplicidade o governador mineiro ergueu sua candidatura somando, numa só campanha, a ambição de todos aqueles que do governo vinham a ele, e da oposição que confiava em seu perfil conciliador para vencer a resistência do regime à abertura. Beneficiado por um surpreendente movimento dentro da própria oposição, e pela decisão do deputado Ulysses Guimarães de retirar sua candidatura, o ex-governador de Minas Gerais passou a maior parte do ano cuidando para que a manifestação mais ostensiva da debilidade do regime - Paulo Maluf - não saísse de cena para ser substituída por sua versão desesperada e violenta: o golpe. lhe convinha enfrentar o deputado, mas porque não lhe convinha abrir um novo quadro. Quando o painel triunfalista do malufismo começou a desabar, Tancredo, nos bastidores, dedicou-se a roer as estacas com que se pretendia montar um clima de instabilidade capaz de levar a um golpe. Se da esquerda do PMDB obteve as concessões que permitiram a alternativa moderada, e de uma parte do PDS ganhou o apoio que viabilizava a matemática da eleição, foi no núcleo de militares comprometidos com as Forças Armadas como instituição, que ele buscou algumas poucas palavras para desmantelar os planos de todos aqueles que jogavam na crise. O ano de 1984 terminou com o ex-presidente Geisel levando o candidato da oposição à portaria do seu edifício, em Ipanema, no Rio de Janeiro, para que a imprensa pudesse fotografá-los num abraço de despedida. O general Ernesto Geisel não dava abraços por descuido e muito menos por mera formalidade. Com sua habilidade política, fez o que lhe foi possível para fixar a candidatura de Maluf, não só porque Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Em várias ocasiões o presidente Figueiredo repetiu publicamente que não pretendia ficar no cargo. Numa audiência com um dos candidatos a governador pelo PDS nas eleições de 1982, Figueiredo dissera: "Só aceito prorrogar o meu mandato se o povo vier aqui para a frente do palácio e pedir que eu fique e só ficarei se for pressionado pelos políticos". Mas fez uma ressalva: "Mesmo assim, irei para a televisão denunciá-los e direi que fico sob pressão". Em geral, todas as conversas de Figueiredo sobre a sucessão presidencial oscilaram entre as críticas aos nomes existentes, frases de efeito e longos silêncios. Em fevereiro de 1984, diante das câmaras de televisão, o vice-presidente, Aureliano Chaves, afirmou que "a prorrogação não faz parte da nossa tradição republicana". Era uma espécie de sinal, partido de uma grande frente disposta a impedir a manobra. Nela estava, além de Aureliano, o ex-presidente Ernesto Geisel, disposto a fazer um pronunciamento público contra o continuísmo. Geisel mostrou-se inquieto com a possibilidade de uma manobra continuísta, sobretudo depois do encontro que teve com o presidente, no Palácio da Alvorada, em julho do mesmo ano. A cada nome levantado, ouviu uma restrição. Ao final, para se manter afastado do que parecia ser o embrião de uma crise, Figueiredo argumentou que por temperamento, não podia conduzir negociações políticas. Nessa mesma linha Figueiredo assumiu uma postura fatalista diante de todos os correligionários que iam adverti-lo da inviabilidade da candidatura Maluf. Conta-se que o então senador Jorge Bornhausen fez-lhe uma advertência: "O Maluf vai ganhar do Andreazza na convenção e vai perder no Colégio". "Eu já disse isso a ele, senador", respondeu Figueiredo. Nesse caso, ou ele simpatizava com a idéia da derrota do PDS, ou acreditava na possibilidade de vitória da crise. Quando estavam delineadas a vitória de Maluf na convenção do PDS e a irremediável divisão do partido, Figueiredo recebeu uma clara sondagem para caminhar em direção à candidatura de Tancredo Neves como um nome de união nacional. Sua resposta foi seca: "Isso ainda depende de algumas tratativas". Alguns meses depois, o presidente recebe do general Medeiros uma pesquisa elaborada pelo Serviço Nacional de Informações, SNI, com um veredicto cruel. Tancredo tinha 157 votos de vantagem sobre Maluf no Colégio Eleitoral. A eleição estava perdida. A oposição venceria. Numa só tacada morreram a candidatura militar e a prorrogação. Estava cortado o caminho do continuísmo como solução pacífica. Restava o caminho da crise. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> De certa forma, Figueiredo terminou o governo recolocando as relações com Maluf na situação em que as pusera em 1979, ao tomar posse. Durante anos ele queixou-se de diversos atritos com o político paulista. Acusava-o de ter oferecido emprego ao seu filho Paulo Renato. Lembrava que lhe oferecera cavalos e que na campanha eleitoral de 1982, em Osasco (SP), ele tentara subir no seu avião sem fazer parte da lista de passageiros. Se o plano de Figueiredo era impedir que Maluf chegasse à Presidência, ganhou. Também ganhou se a sua idéia era vetar Aureliano. Da mesma forma, foi vitorioso se não queria Andreazza. Assim, de todos os suspeitos de pretenderem chegar à Presidência, ele liquidou todos. No fim, restavam só dois: o próprio Figueiredo e o mineiro Tancredo Neves. Tancredo sentiu que poderia candidatar-se à Presidência sem o risco de se meter em aventuras no dia 11 de junho de 82, quando o senador José Sarney renunciou ao cargo de presidente do PDS. "Naquele momento, vi que estavam criadas fissuras; definitivas, que viabilizavam uma candidatura de oposição”, lembra Tancredo. Em novembro o PDS realiza sua convenção e Paulo Maluf derrota Mario Andreazza. Assim, estava concluída a complexa obra de engenharia política de Figueiredo. O presidente conseguiu convencer seu vice Aureliano a não concorrer, a candidatura do ministro Andreazza foi derrotada por Maluf e este não tinha chances de vencer no Colégio Eleitoral. Somente um possível candidato conseguiu escapar das balas de prata do presidente: o ex-governador Tancredo Neves. Ao longo de todos esses tiroteios e rasteiras, Tancredo só tinha uma preocupação: a desistência de Maluf. Temia a abertura de uma crise que, no seu entender, poderia permitir a prorrogação do mandato de Figueiredo, com o apoio do governador fluminense Leonel Brizola, ou mesmo uma crise militar. Se o general Figueiredo tinha os seus alvos, Tancredo também tinha os seus. O mais notável deles sendo o deputado Ulysses Guimarães, presidente nacional do PMDB. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Colégio Eleitoral seriam mínimas. Em favor de Tancredo, conspiraram os próprios projetos do ex-governador de São Paulo, André Franco Montoro também ele candidato à Presidência do partido e, portanto, rival de Ulysses. Astucioso, Tancredo movimentou as peças de modo a transformar Montoro na grande pedra no caminho de Ulysses. Neutralizando Ulysses, o governador mineiro surgiria como o único nome do PMDB capaz de unir o partido, atrair votos no PDS e chegar ao poder. Ulysses insistia em resistir à tese de que a oposição deveria arquivar de imediato a idéia das diretas já e ir ao Colégio com Tancredo Neves. Mas se o presidente Figueiredo valia-se de estratagemas complicados, Tancredo utilizava-se da boa e velha conversa ao pé do ouvido. Assim, conquistou Ulysses não só como mero aliado, mas conseguiu simultaneamente tirá-lo do caminho da presidência e transformá-lo no chefe de sua campanha. Esta, talvez, tenha sido a mais delicada manobra política da trajetória presidencial de Tancredo Neves. Se Ulysses não tivesse renunciado a sua possível candidatura, a história da sucessão certamente seria outra - afinal, Tancredo sempre soube que, se lhe faltasse o apoio do presidente do partido, o PMDB estaria exposto às mesmas fraturas que arruinaram o organismo do PDS e suas chances no Ulysses desempenhou um notável papel na tarefa de amarrar o PMDB e compor o partido com os dissidentes do PDS. No começo, por exemplo, ele preferia que o candidato a vice-presidente fosse o senador Marco Maciel (PDS-PE). Quando constatou que o PMDB teria de absorver Sarney que havia deixado o PDS, em nome da candidatura do PMDB, Ulysses tratou de pavimentar-lhe o caminho. Auxiliado pelo Partido Comunista Brasileiro, Ulysses convenceu os recalcitrantes à esquerda do PMDB de que valia a pena aceitar a companhia de Sarney. Desconfiado, o ex-presidente do PDS não acreditou que Ulysses se desembaraçaria da incumbência com resultados tão animadores - e, na convenção do PMDB que sacramentaria a dobradinha, Sarney preferiu não discursar, escalando Tancredo para falar por ele. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Mostrou sua preocupação e ouviu uma explicação e um conselho. Geisel explicou-lhe que não havia clima no Exército para qualquer aventura e aconselhou-o a evitar contatos com militares - deveria conversar, se necessário, apenas com os ministros. Mais: ficou subentendido que o ex-presidente, certamente o personagem da política brasileira com mais prestígio junto às Forças Armadas, estava disposto a barrar aventuras. Se houvesse uma tentativa real de golpe, Tancredo sairia da capital e iria para uma cidade de onde pudesse comandar a resistência. Belo Horizonte era a mais indicada, mas nem o comandante da guarnição militar local era de confiança, nem a Polícia Militar podia ser mobilizada com facilidade pelo governador Hélio Garcia. Vários meses antes, numa conversa no Palácio Jaburu, o vice-presidente Aureliano Chaves perguntara a Tancredo se ele estava preparado "para tudo, até para usar a Força Pública de Minas Gerais". Em nenhuma ocasião Tancredo deu sinais públicos de que por baixo de sua candidatura se montava uma rede protetora de ferro. Nas suas conversas, porém, era claro: "Nós não podemos ser idealistas. Temos que nos preparar para a hipótese de um golpe”. Em maio de 84, o presidente Figueiredo soube pelo ministro Walter Pires (e Tancredo pelo SNI) que a maioria dos generais de quatro estrelas e de três com postos de comando queriam as Forças Armadas fora da sucessão, não A cautela de Sarney, que temia ser vaiado, revelou-se dispensável. Ele foi recebido com aplausos, recebeu uma votação considerável e, ao voltar para casa, confessou à sua mulher, Marly, que se arrependera de ter recusado a palavra. Àquela altura, o PMDB estava pacificado, unido em tomo de Tancredo Neves e pronto para, em aliança com os dissidentes do PDS, marchar na direção do Palácio do Planalto. Temeroso da possibilidade de um golpe militar e seguro de que, se ocorresse, ele partiria do general Newton Araújo de Oliveira e Cruz, comandante militar do Planalto, o candidato do PMDB, Tancredo Neves, sabia que seus assessores haviam montado um plano para tirá-lo de Brasília a qualquer custo. Reuniu-se por 2 horas com o ex-presidente Ernesto Geisel. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> simpatizavam com candidaturas militares, não queriam alterações nas regras do jogo e, finalmente, não tinham preferências pelos candidatos em circulação. Seria um excelente resultado se alguns generais não tivessem ressalvado que temiam os "riscos da esquerdização" diante de uma eventual candidatura de Tancredo. Uma semana depois de ter recebido a pesquisa feita pelo general Pires, Figueiredo utilizou uma rede de televisão para alertar o país contra os riscos da esquerda. Em julho, o Alto Comando do Exército reuniu-se em Brasília para debater uma carregada agenda. Em nota divulgada pelo Alto Comando, os militares alertavam para o perigo comunista e de uma "campanha de descrédito das autoridades". Enquanto isso, o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, percorria os santuários da sociedade civil em busca de pronunciamentos contra o golpe. Numa reunião com Ulysses e Tancredo, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos, dom Aloisio Lorscheiter, ouviu uma narrativa das bruxarias que rondavam a sucessão e concordou em distribuir uma nota pedindo o respeito à legalidade. Pouco depois disso, o general Newton Cruz organizava o exercício da defesa simulada do Planalto, aterrorizando a Aliança Democrática, de onde saiu um emissário para ouvi-lo. Vinculado a todos os boatos de golpes, Cruz foi claro: não apoiaria Tancredo, mas também nada faria contra sua posse. Com a eminente derrota de Maluf, a direção do PDS decide pela fidelidade partidária, ou seja, todos os seus membros deveriam votar no candidato do PDS, mesmo os dissidentes da Frente Liberal, uma vez que, oficialmente, ainda eram membros do partido. O PMDB recorreu ao TSE que decidiu não registrar a ata da reunião do PDS, o que desobrigou seus membros de seguirem as determinações. No dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral reúne-se em Brasília sem medidas de emergência ou quaisquer outros constrangimentos. Dele sairia eleito Tancredo Neves, com 480 votos contra 180 de Paulo Maluf, com 17 abstenções e 9 ausências. Recebera votos do PMDB, da Frente Liberal, do PDT e de dissidentes do PDS e do PT (embora este último rejeitasse a aliança e se recusasse a legitimar o colégio eleitoral). Pela primeira vez em 21 anos, um civil ocuparia a chefia do governo brasileiro, encerrando um longo capítulo negro na História do país. Saído do PMDB e apoiado por Sarney, uma dissidência do partido do governo, Tancredo seria também o primeiro oposicionista a ocupar o Palácio do Planalto desde 1964. Seria. Na véspera da posse, Tancredo Neves é internado às pressas, sob o diagnóstico de apendicite. Tancredo foi operado no Hospital de Base de Brasília pelos médicos Renault Matos Ribeiro e Pinheiro da Rocha. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Redemocratização Os bastidores>> Tancredo é operado pela segunda vez, agora com novo diagnóstico: infecção hospitalar contraída durante a internação no Hospital de Brasília. Para combater, usaram um antibiótico não comercializado, por ser novo. Depois de uma série de cirurgias, os médicos anunciam que o estado de Tancredo é grave. Discutiu-se se deveria assumir Sarney, o vice, ou o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães. O próprio Ulysses defendia que Sarney deveria assumir. José Sarney então assume o cargo interinamente. Figueiredo, desafeto de Sarney, se recusou a passar a faixa presidencial. No dia 21 de abril a morte de Tancredo foi anunciada. O Congresso Nacional se reuniu e anunciou a vacância da presidência e seu preenchimento automático pelo vice-presidente José Sarney. A ditadura, curiosamente termina com a posse do ex-presidente do PDS, antiga Arena.
Brasil eleições 89 O senhor João Pereira Sobrinho Barra completará 48 anos no dia 17 de dezembro, mas não será por isso que ele irá vestir sua melhor roupa e usar seu chapéu da sorte. O jeito solene com que Seu João considera este domingo, nada tem haver com o dia do seu nascimento. A data significa que ele votará pela primeira vez em uma eleição presidencial, desde a vitória de Jânio Quadros, em 1960. Nesse período ele casou, descasou, casou de novo e teve três filhos. Sua mulher espera o quarto. “Ele vai conhecer um Brasil bem diferente” – diz pressuroso como se pudesse vislumbrar o futuro do filho. A campanha presidencial começou com vinte e três candidaturas à presidência. Até tivemos, pela primeira vez, a presença de uma mulher na disputa presidencial - Lívia Maria do Partido Nacionalista (PN). A esquerda começou animada. A direita representada principalmente por Ronaldo Caiado (PSL), Afif Domingos (PL), Aureliano Chaves (PFL) e Paulo Maluf (PDS), não tinham grande expressividade nacional. O PMDB possuía em tese o candidato mais forte, porém o péssimo desempenho econômico do país não favorecia candidatura de Ulysses Guimarães. Já a esquerda e suas diversas linhas foram representadas por nomes de peso como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola. Dificilmente existe um único brasileiro que seja incapaz de reconhecer Brizola quando este começa a discursar. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 Já Lula fez seu nome conhecido nacionalmente numa velocidade impressionante, liderando as greves dos operários do ABC paulista. Lula depois fundou o Partido interrupção da novela global Tieta, para a exibição do programa eleitoral gratuito. Os primeiros debates também esquentam a disputa. dos Trabalhadores (PT) que, no ano passado, já tinha mostrado sua força, elegendo prefeitos em diversas cidades importantes do país. Collor, esse que disputa o segundo turno, não fazia parte de qualquer sondagem eleitoral, motivo pelo qual você não o viu nos debates do primeiro turno, ninguém Com muitos candidatos, os debates mostram-se barulhentos e sem conteúdo programático. se importava em convidá-lo, quando o fizeram, o candidato pareceu ter ficado ofendido e não compareceu a nenhum. Collor foi do PDS, depois mudou-se para o PMDB, chegou a namorar um partido fantasma chamado PJ (Partido da Juventude) e acabou no PRN de hoje. Aproveitando o entusiasmo pelo Plano Cruzado, Collor foi eleito governador de Alagoas. Após trocar de partido, entrou para a disputa presidencial. Collor compreendeu o grande vácuo deixado por uma direita enfraquecida e sem lideranças. Mais que isso: foi capaz de compreender o clamor da sociedade pelo “novo”. Com o discurso de ruptura total com os políticos e com a corrupção, atropelou velhas raposas da política e surpreendentemente em meados de maio já era apontado nas pesquisas como o primeiro colocado. Uma pesquisa do Gallup mostra o desempenho de Leonel Brizola (12,3%); de Lula (12,1%) e de Fernando Collor de Melo (6,5%), seu programa partidário o apontava como o “fenômeno eleitoral” e isso era amplamente divulgado pelos principais telejornais, criando uma atmosfera favorável à estratégia e à propaganda do candidato do PRN, que se assume como uma figura guerreira, capaz de encarar o jogo pesado da política. No dia 15 de setembro, boa parte dos brasileiros se enfurece com a Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 Mário Covas (PSDB) no quarto lugar, embora em algumas pesquisas anteriores já houvesse aparecido como nome mais forte na corrida presidencial. A reação não tardou: dezoito pedidos de impugnação foram encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral. No dia 9 de novembro, mesmo dia em que o Muro de Berlim caiu, o TSE, depois de muitas idas e vindas, decidiu pela impugnação do ex-funcionário de Roberto Marinho por conta de irregularidades no registro da candidatura pelo Partido Municipalista Brasileiro, O PMB. Com Silvio Santos barrado, a disputa concentra-se em Brizola, Lula e Collor. Brizola teve resultados excepcionais no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Sua campanha esteve centrada nos princípios nacionalistas e reformistas, ao estilo do verdadeiro PTB, e temperada com a social-democracia européia. Atacou as multinacionais e os banqueiros estrangeiros, acusando-os de sugar a economia brasileira, como se fossem um monstruoso pernilongo. Para Brizola, as “perdas internacionais” seriam a origem de todos os problemas brasileiros. Deixaria escapar a presença no segundo turno por uma diferença mínima de 0,63% dos votos válidos. Nesse ínterim, Lula também sobe. Vai de sete para 12,1% e consegue 16,08%, de votação. Lembrem que Brizola sempre esteve à frente de Lula, só sendo ultrapassado no início de novembro. Aliados do presidente Sarney, irritados com as constantes críticas de Collor e sem chances de vitória para o candidato oficial do governo, Aureliano Chaves e mesmo para Ulysses Guimarães, tentam uma última cartada na reta final do primeiro turno. Há 15 dias antes do primeiro turno, a candidatura de Silvio Santos, o dono do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT é lançada, apanhando todo mundo desprevenido, principalmente a campanha de Collor. O ex-governador antes de renunciar ao cargo em Alagoas, tinha conversado com o presidente do instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, que lhe avisou: "Eu garanto que você está no segundo turno se Silvio Santos não for candidato". Ambos disputavam uma faixa comum do eleitorado, especialmente os das classes C, D e E. De fato, uma pesquisa do Datafolha mostrava Silvio Santos empatado com Muitos peemedebistas até que prometiam apoio a Ulysses, mas nem os integrantes do PMDB botaram fé no Sr Diretas. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 Assim se dá a passagem de Fernando Collor e Lula para o segundo turno. As graduações ideológicas presentes até 15 de novembro se foram. Collor passa a atacar duramente o posicionamento político de Lula, acusando seu partido de pretender expropriar os depósitos nas cadernetas de poupança e mudar as cores da bandeira nacional. Round 2 De punhos erguidos, a disputa presidencial mais acirrada da História tem início 1º – Fernando Collor de Mello (PRN/PSC/PT do B/PTR/PST) - 30,57%) 2º – Luiz Inácio Lula da Silva (PT/PSB/PC do B) – (17,18%) 3º – Leonel Brizola (PDT) – (16,51%) 4º – Mário Covas (PSDB) – (11,51%) 5º – Paulo Salim Maluf (PDS) – (8,85%) Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 mostrando conhecer mais dados econômicos do que o adversário, surpreendeu o país no debate apresentado pelas tevês. Com uma campanha moralizante - "o dinheiro deste País está sendo consumido em roubo e corrupção" -, Collor esbanjava confiança, parecia ter certeza da vitória em primeiro turno (provavelmente alimentado pelas próprias expectativas do seu partido), chegando a menosprezar as alianças. Em entrevista a um periódico alegou que não sonhava com composições e só faria alianças em torno de "ideais". Muitos comentavam no dia seguinte sobre aquele homem barbudo, o "Lula", que nada parecia com a imagem do maluco que tinha ideologias ultrapassadas, loucas e raivosas. Uma conversa que rolava nos bastidores das redações era que a imprensa ao tentar barrar o jacaré (Brizola), deixou a cobra (Lula) entrar. Lula recebeu o apoio de Brizola, Covas e diversos governadores do PMDB. As quatro maiores emissoras nacionais fazem um pool de imagens para transmitir o primeiro debate do segundo turno no dia 3 de dezembro. Para muitas pessoas, Collor, que fez faculdade, venceria facilmente Lula, o torneiro mecânico. Mas o contrário aconteceu. Lula mostrou que valia a experiência de anos de assembléias sindicais. Entre os peões, todo mundo igual, só prevalece a idéia de quem sabe argumentar. Foi nessa excelente escola que Lula tinha aprendido a debater. Irônico, ágil nas respostas, Faltando menos de duas semanas para o pleito, Lula encosta em Collor. Collor correu para costurar alianças, o que se mostrou um trabalho muito mais fácil do que ele imaginara. Não que seus antigos concorrentes tivessem esquecido suas palavras indecorosas, o candidato do PT é que representava um perigo real. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 Nesta terça-feira, enquanto o PT mostrava em seu horário de propaganda política a Rede Povo, uma sátira a Rede Globo que está claramente favorecendo o concorrente (cuja família controla a TV Gazeta, sua retransmissora em Alagoas), o PTN coloca em seu programa uma entrevista com Miriam Cordeiro, uma enfermeira com quem Lula teve uma filha. No vídeo, Miriam alega que Lula é racista e quis que ela fizesse aborto. Na quarta a Folha de S. Paulo estampou uma manchete com a acusação e a Rede Globo exibiu no Jornal Nacional trechos da entrevista. Na reta final da corrida eleitoral, com o empate técnico entre os candidatos, o velho reacionarismo também é reaceso. Collor acusa Lula de querer implantar um regime socialista nos moldes do Leste Europeu. “Todos os empresários desse país vão fugir para Miami” diz quanto a vitória do concorrente. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989
Brasil eleições 89 Espalham o boato de que a vitória do PT significaria “a ignorância no poder”. Os erros de gramática de Lula apavoram muita gente que não acha certo que uma pessoa que não sabe falar direito possa ser presidente (o apoio de tantos intelectuais a Lula é visto como uma excentricidade da esquerda). Já que o discurso contra comunistas só atinge a classe média, contrapor Collor e Lula, é colocar a elite intelectual contra o povo ignorante. Infelizmente, as perspectivas não são tão animadoras quanto acredita Seu João. Os tempos são outros. Os heróis de hoje não são mais como Che Guevara, mas um tal de Rambo, sem ideais, só músculos. Em vez do hippie, agora a moda é ser yuppie, o rapaz que abandona a contestação (leia-se vagabundagem) e que se realiza existencialmente ganhando muito dinheiro na Bolsa de Valores. Mas dia 17 será um grande dia certamente. Brasileiros com menos de 47 anos nunca votaram para presidente. Seja ele quem for, terá logo de cara uma tarefa dificílima: domar o dragão da inflação que vem perturbando o sono de muitos economistas brasileiros nos últimos anos. À longo prazo, o novo presidente terá uma missão aparentemente até mais fácil, articular apoio no Congresso para permitir a governabilidade. No entanto, esta será somente uma aresta do verdadeiro problema que o chefe da nação terá que enfrentar. Em 64, um dos argumentos dos militares para apoiar a deposição de Jango, era de que o país estava dividido e era preciso uni-lo outra vez. Quase três décadas depois, percebemos que o Brasil continua dividido. Se era objetivo dos militares eliminar as inúmeras tensões que se apresentavam à época, só conseguiram acirrar ainda mais os ânimos. Unir um país que começa dividido, um país que engatinha de volta ao caminho da democracia e que, apesar de sem os grilhões de outrora, ainda apresenta claras marcas de autoritarismo, só que agora disfarçado pelo direito à informação. Expresso das Oito e Meia 2ª Quinzena – dezembro 1989