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III Jornadas do GAT. VIH: Lipodistrofia a Imagem e a Saúde “Saúde Mental, Qualidade de Vida e Adesão” Isabel Nabais 20 de Dezembro de 2010. VIVÊNCIA DO VIH NA ERA PÓS - HAART. Novos recursos clínicos mais actuantes.
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III Jornadas do GAT VIH: Lipodistrofia a Imagem e a Saúde “Saúde Mental, Qualidade de Vida e Adesão” Isabel Nabais 20 de Dezembro de 2010
VIVÊNCIA DO VIH NA ERA PÓS - HAART • Novos recursos clínicos mais actuantes. • Importante redução da morbilidade e mortalidade associadas à infecção VIH/SIDA. • Importantes repercussões a nível físico, psicossocial e psicopatológico, que carecem de avaliação do seu impacto na vivência desta infecção. • Noções como ‘melhoria das condições vivenciais’, ‘promoção da saúde’ e ‘Qualidade de Vida’ passaram a constituir os pólos de maior importância na área.
VIVÊNCIA NA ERA PÓS-HAART • Ataque à Individualidade do próprio; • Medo da Degradação Física e Psicológica; • Medo da Doença e da Morte; • Ambivalência relativa à medicação e seus efeitos colaterais; • Permanece o estigma e o receio da discriminação … Paradoxal rápida progressão em termos biológicos e farmacológicos em relação à sua lenta integração social
Um indivíduo, mesmo ao perder o seu estatuto de saudável, continua a ter sobre a vida, o sofrimento e a morte o seu ponto de vista, nutrido pela sua cultura, pela sua história pessoal, pela sua emoção, as suas crenças e pelo seu sentir. Existem mediadores psicológicos, existenciais e sociais que podem exacerbar ou moderar os stressores face à Infecção VIH e à adesão a um esquema terapêutico.
Contextos de acção Modelo integrador de Rodríguez Marín, 2001 Cenários Sistemas de relações sociais Sistema de organização Processos de Interacção social Antecedentes Comportamento Consequência Crenças de auto-eficácia Crenças acerca da opinião de pares Locus de controlo Crenças sobre resultados Interdependência social Percepção do estado de saúde Análise custos / benefícios Motivação para agir de acordo com as crenças Valorização de resultados Comportamentos de saúde Valor conferido à saúde Sinal para a acção Resultados Normas subjectivas Percepção de vulnerabilidade Atitudes QoL / Estado Saúde Percepção da ameaça Intenção Decisão Hábitos de saúde Padrões comportamentais Condições biológicas Reportório de comportamentos História de aprendizagem Estado de humor Contextos de acção
Evolução da activação do organismo durante o confronto e o tempo de exposição ao stressor segundo o Síndrome Geral de Adaptação de Seley stress Níveis homeostáticos normais B A
Odesgaste emocional pode tornar-se uma constante, mesmo tendo por base uma nova esperança de tempo de vida. • Ameaça à sobrevivência substituída pela necessidade de reavaliação constante do sentido da vida. Sentimento de cansaço e exaustão, risco de embotamento da afectividade e anedonia, conferindo à existência sentimentos de vazio emocional, passividade, isolamento edesinvestimento terapêutico e vivencial –Síndrome de renuncia - abandono • Para melhor compreender o sentido de viver com VIH, é essencial enquadrar a infecção num contexto existencial.
Infecção VIH / Qualidade de Vida • avaliação feita dentro dos horizontes e das possibilidades que o indivíduo vê para si próprio • medida pela interacção entre os níveis de expectativas e de experiência • Mediadapor inúmeras variáveis interrelacionadas, incluindo construtos relacionados com o próprio, como o auto-domínio, auto-eficácia, valores morais, auto-estima e a percepção de controlo sobre a vida. • Influenciada por mecanismos cognitivos como as expectativas de vida, os valores sociais, as crenças, as aspirações e os padrões de comparação social.
A par das vantagens de uma sobrevivência mais longa e de uma tentativa de normalização da vida, registam-se novos e inesperados problemas. Um dos mais preocupantes corresponde à conjugação de alterações dismórficas corporais e de disfunções metabólicas, denominada Síndrome de Lipodistrofia.
Alterações morfológicas da Síndrome de Lipodistrofia incluem: • aumento do perímetro da cintura; • aumento do volume mamário; • acumulação de tecido adiposo na região cervical posterior e dorsal (“buffalo hump”); • lipomatose periférica (deposição de tecido adiposo sob a forma de lipomas em diversas regiões); • atrofia do tecido adiposo facial (especialmente pré-malar); • atrofia do tecido adiposo subcutâneo (mais acentuada nos membros); • diminuição do volume das nádegas e proeminência dos vasos subcutâneos. (Martínez E et al 2001; Lichtenstein KA et al 2001)
Alterações metabólicas da Síndrome de Lipodistrofia incluem: • hipertrigliceridemia, • hipercolesterolemia, • resistência à insulina (variando entre a hiperinsulinemia e a diabetes clínica), • hiperglicemia (assintomática ou com diabetes clínica), • aumento das transaminases (AST e ALT), • hiperlactatemia (assintomática ou com acidémia grave) • osteopenia (Health K. et al 2001)
INFECÇÃO VIH A sua acção é, até para o próprio, “ludibriada”, “calada”, subtil. Sobre a capa de um aparente «estar bem», cria um terreno propício a um esquecimento emocional, denegado, neutralizado, para assim se suportar viver. O estatuto serológico assintomático permite, por vezes, que o diagnóstico seja sentido como uma abstracção.
A Síndrome de Lipodistrofia é um dos principais motivos de preocupação para um número crescente de pacientes. • Surgem com sentimentos de rejeição em relação a si mesmos, recusando as alterações que subitamente passaram a percepcionar no seu corpo, particularmente as modificações faciais, sentindo-se “grotescos” e “deformados”, com retorno ao receio de estigmatização.
Carlos 43 anos « Tornei-me um ser que já não reconheço ao espelho. Estou completamente transfigurado». «Dão-me poções que supostamente restituem a vida, mas que me transformam num outro corpo, num outro ser que não identifico com o meu Eu».
Cada indivíduo desenvolve uma singularidade individual e, na sua memória, cada um reconhece-se pelo que sempre foi. • Quando as marcas inscritas no corpo conferem um simbólico de doença e «de mal» o indivíduo passa a ter a sensação contínua de um fosso entre o corpo socialmente legítimo e o corpo que agora tem e é. «Não és tu próprio! É perturbador. Não és, não és tu que ali está.»
Ana 31 anos « Todos os meus sinais femininos estão a ficar distorcidos: a barriga cresce, o rosto perde expressão, as pernas e os braços atrofiam, as nádegas mirram e as veias salientam-se no corpo. Sinto-me velha antes do tempo. Não, não é velha, é seca, desgastada. Seca o corpo e esvazia-me a alma ...»
Nas alterações dismórficas da Lipodistrofia, quer de aumento ou de atrofia dos depósitos de tecido adiposo em determinadas localizações, é a décalage entre o corpo que retrospectivamente lhe confere a sua identidade pessoal e o corpo que visualiza ao observar-se ao espelho e que lhe é recordado nas reacções dos outros que vai aumentar a disparidade entre o corpo que era e aquele que agora na realidade possui.
António 38 anos « A imagem que se reflecte aos outros, o nosso corpo, já não é mais o nosso». « Quem é esta pessoa que se apresenta perante os outros? Outros que olham e já não nos reconhecem?».
O indivíduo sente o corpo desfigurado pela perda da sua familiar evidência e esta perda da imagem que tinha de si próprio e que constituía o seu referencial directo, vai, também, afectar a sua imagem socialmente construída, adquirida por experiência e transmitida em termos de aceitação.
Mariana 41 anos «Nos olhos dos outros vemos o desagrado. E fugimos de nós, dos outros. Excluímo-nos e refugiamo-nos na solidão».
O aumento dos quadros psicopatológicos, o isolamento progressivo, acompanhado de ideação suicida e da deterioração de várias áreas da vida, são outras das situações encontradas na prática clínica associadas a esta Síndrome. • Com muitos a considerá-la com um grau traumático superior à fase em que souberam do diagnóstico de VIH e causando-lhes um sofrimento tão marcante que os faz questionar a importância de estarem vivos.
Alberto 44 anos « Costumava ser positivo acerca de todos os inconvenientes, sentindo que valia a pena estar vivo, mas agora que estou deformado parece que perdi aquilo que eu era, a minha identidade. Não consigo mesmo aceitar-me assim, nem estou a conseguir manter uma atitude positiva». « Sinto-me mesmo cansado de tratar da SIDA e, por vezes, penso se ainda valerá a pena tudo isto».
A ameaça à sobrevivência tornou-se gradualmente substituída por outra variedade de receios e por um sentimento de perda de controlo sobre o corpo.
Claúdia 38 anos « Caricato, não é? Não me descubro no espelho, mas dizem-me que estou bem».
Passa-se a estar permanentemente atento ao corpo e a qualquer modificação que nele ocorra e, embora o tipo de alterações Lipodistróficas difira, em muito, das síndromes de emaciação ou caquexia que se observavam no passado e que cursavam em fases terminais, a verdade é que estes novos «sinais» externos são, em muitos doentes, sentidos como indicadores de que algo não está bem e, muitas vezes, inconscientemente associados a uma progressão para SIDA.
Máro 41 anos « Por mais que as análises digam que estou bem, não consigo deixar de me olhar e sentir que isto é o princípio do descalabro». « Dizem-me que estou estável, mas como o posso estar se me estou a ver consumir-me? Então o que é que quer dizer isso de estar estável? ».
Clínica e laboratorialmente estão bem, podem até sentir- -se fisicamente saudáveis, mas vêem-se «doentes»: « Isto é a face do VIH» • Paradoxalmente, quando o vírus deixa de ser tecnologicamente detectado no interior do corpo, pode tornar-se «detectável» à sua superfície. • Estas incongruências acentuam as instabilidades que são agudizadas quando se torna necessário recorrer a terapêuticas de controlo metabólico, agravando a sensação de risco e o receio de desenvolver outras patologias associadas. «A minha maior preocupação é com as coisas que não se vêem … já arranjei uma diabetes e agora sou cardíaco … é isso que me assusta, lá o exterior era ao menos.»
Por outro lado, sendo a terapêutica anti-retroviral considerada factor de primeira linha no desenvolvimento desta Síndrome, surge um sentimento ambivalente face à importância do rigor terapêutico pela sua possível associação com o desencadear destas sintomatologias.
Vasco 43 anos « Sim, parei os anti-retrovirais. Queria perceber se voltava a ter o meu corpo».
Sofia 35 anos « Parei a medicação porque, para eu estar neste estado, lá muito bem não me devia estar a fazer».
No entanto, ironicamente, estas alterações estão normalmente associadas a cumprimento terapêutico, a respostas clínicas satisfatórias e a um razoável estado de «boa saúde», surgindo, assim, mais um contra-senso da SIDA.
Se para muitas pessoas o benefício da sobrevivência ultrapassa as limitações originadas pela Lipodistrofia, para outras parece representar o motivo de se desencadearem estados fóbicos e depressivos e de desinvestirem a continuidade do regime terapêutico, podendo, no final, precipitar a perda do controlo da infecção por VIH.
Manuel 40 anos « Ao longo de toda a minha experiência de vida com esta doença, a lipodistrofia é, provavelmente, a pior fase. É-me tão difícil ser agora crente no que quer que seja».
Sara 37 anos « A Lipodistrofia já me afectou mais do que o próprio VIH».
Um dos principais impactos negativos da Lipodistrofia é atribuído à possível estigmatização associada: «Isto só veio reforçar o sentimento de que estou doente e que, para além de mim, todos o sabem.» • As alterações corporais que podem ser facilmente visualizadas pelos outros, em especial a lipoatrofia facial, é sentida como podendo denunciar o seu estatuto de seropositivos.
Paulo 33 anos « Sinto-me como se tivesse a palavra “SIDA” inscrita permanentemente em mim. Basta olhar para a minha cara que todos rapidamente perceberão.» « A minha face conta a história.»
Esta situação que, por vezes, se revela incapacitante para o próprio tende a reflectir-se no relacionamento com os outros e nas várias dimensões da vida quotidiana.
Inês 29 anos « Seria neste momento incapaz de ir à praia, despir-me e expor-me perante toda a gente».
O trabalho, a família e mesmo a planificação do futuro são outras das áreas referenciadas como sofrendo grave interferência desta nova realidade.
Carlos 43 anos « A massa muscular que perdi nas nádegas torna quase impossível aguentar o dia todo sentado no meu trabalho».
Joana 28 anos « A minha filha tem 12 anos, nada sabe do meu VIH, mas virou-se para mim e perguntou-me porque é que eu estava tão gorda e corcunda. Acho que ela me acha horrível … e isso é horrível!...»
O culto da aparência e da performance, cada vez mais comuns no mundo Ocidental, são expressões de um jogo social que enaltece a beleza e a atracção, de um corpo para ser olhado, sentido, desejado. • O «corpo» possui, assim, uma corporeidade de identidade pessoal e de Ser no mundo e a exposição causada pela Lipodistrofia vai provocar a irrupção de um «corpo a-significante» no espaço social e é esse facto que angustia e que é gerador de perturbação emocional.
Joana 28 anos « Desde que tenho esta acumulação de gordura na barriga já várias vezes passei por situações de acharem que estou grávida. Na última deram-me a vez numa fila do banco. Agradeci, mas não me consegui mesmo controlar e irrompi num choro convulsivo onde, no mínimo, devem ter achado que era louca … »
É a ameaça que este corpo exposto, portador de uma diferença, faz pesar sobre o Ser cultural que amedronta o indivíduo, aumenta o medo e os receios, limita o seu desempenho social e reforça os sentimentos de solidão e de isolamento, afectando a vivência do próprio corpo e do «corpo» no mundo.
As distorções da figura corporal levaram muitas pessoas a desinvestirem ou mesmo a desistir das suas actividades habituais e a limitarem a dimensão interpessoal, evitando o confronto da exposição social. • A auto-estima encontra-se profundamente afectada, com estas a descreverem-se como «incapazes de poderem ser amadas». • Muitas afirmam terem conseguido «tornar-se capazes de viver com o VIH», alcançando um equilíbrio consigo mesmas, mas agora, com as alterações físicas, essa vivência volta a estar manifestamente mais difícil.
O corpo exteriorizado, quando marcado pela doença e esta o desfigura, afecta profundamente as relações afectivas.
Paula 39 anos « Há que ser coerente. Se me encontrasse fora de tudo isto a verdade é que também nunca me iria sentir atraída por alguém que estivesse como eu estou».
Além de maior evitamento da intimidade e da sexualidade e da perda de desejo salientada, diversos casais referem que as dismorfias tornam-se impossíveis de ignorar, recordando frequentemente a infecção VIH, constituindo- -se como um importante factor de stress contínuo na relação.
Se inicialmente a Lipodistrofia pôde ter sido considerada por alguns um problema exclusivamente estético, hoje em dia comprova-se que é limitadora da vivência quotidiana e geradora de perturbação emocional, podendo precipitar ou agudizar situações de patologia psíquica, diminuir a qualidade de vida e colocar em risco a eficácia do tratamento.
Bruno 44 anos « Abandonei tudo porque tínhamos linguagens diferentes. Não compreendiam, ou era eu que não conseguia explicar como me sentia profundamente infeliz. Mas nada mais havia a falar se achavam que eu estava a dramatizar, que nem estava assim tão deformado e que devia era estar grato por ainda estar vivo. Mas, vivo a que preço?...».