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O auto da barca do inferno. Gil Vicente e as origens do teatro português. * Classificada como Auto por sua forte intenção moralizante. * Faz uma alegoria do juízo final para revelar características da sociedade portuguesa do começo do século XVI
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O auto da barca do inferno Gil Vicente e as origens do teatro português
* Classificada como Auto por sua forte intenção moralizante. • * Faz uma alegoria do juízo final para revelar características da sociedade portuguesa do começo do século XVI • * Relaciona-se ao conceito de sátrira menipéia de Luciano de Samósata – séc. II d.C. • * Não segue as regras do teatro clássico de Aristóteles.
A trilogia das barcas(1517 – 1518) O auto da barca do inferno O auto da barca da glória O auto da barca do purgatório
Inferno – Museu das Janelas Verdes painel anônimo
Exemplo do texto original para análise dos aspectos formais DIABO – Não curês de mais detença. Embarcai e partiremos: Tomarês um par de remos. FRADE – Não ficou isso n´avença. DIABO – Pois dada está já a sentença! FRADE – Par Deus! Essa seri´ela! Não vai em tal caravela minha senhora Florença. Como? Por ser namorado e folgar com ua molher se há um frade de perder, com tanto salmo rezado? DIABO- Ora estás bem aviado! Mas estás bem corregido! Devoto padre marido, havês de ser cá pingado... DIABO – Entrai, padre reverendo! FRADE –Pera onde levais gente? DIABO – Pera aquele fogo ardente que não temeste vivendo. FRADE - Juro a Deus que não t´entendo! E est´hábito não me val? DIABO – Gentil padre mundanal, a Berzabu vos encomendo! FRADE – Corpo de Deus consagrado! Pela fé de Jesus Cristo, que eu não posso entender isto! Eu hei de ser condenado? Um padre tão namorado e tanto dado a virtude! Assi Deus me dê saúde, que eu estou maravilhado!
Exemplo do texto original para análise dos aspectos formais DIABO – Em / trai,/ pa / dre / re / ve / ren / do! FRADE –Pe / ra / on /de / le / vais / gen / te? DIABO – Pe / ra a / que / le / fo / go ar / den / te que / não / te / mês / te / vi / ven / do. FRADE –Ju / ro a / Deus / que / não / t´em / ten / do! E es / t´há / bi / to / não / me / val? / DIABO – Gen / til / pa / dre / mun / da / nal,/ a / Ber / za / bu / vos en /co / men / do! FRADE – Cor / po / de / Deus / com / sa / gra / do! Pe / la / fé / de / Je / sus / Cris / to, que eu / não / po / sso en / ten / der / is / to! Eu / hei / de / ser / com / de / na / do? Um / pa / dre / tão / na / mo / ra / do e / tan / to / da / do a / vir / tu / de! A / ssi / Deus / me / dê / sa / ú / de, que eu / es / tou / ma / ra / vi / lha / do! • Poema dramático • (peça de teatro escrita em versos) • - Estrofes de oito versos cada • Versos em redondilha maior • Esquema de rimas fixo: • abbaacca • - Divisão em 11 cenas praticamente independentes
Cena 01 – O Diabo e seu companheiro preparam a barca para partir. DIABO-À barca, à barca, houlá! que temos gentil maré! - Ora venha o carro a ré! COMPANHEIRO- Feito, feito! Bem está! Vai tu muitieramá, e atesa aquele palanco e despeja aquele banco, pera a gente que virá. À barca, à barca, hu-u! Asinha, que se quer ir! Oh, que tempo de partir, louvores a Berzebu! DIABO- Ora, sus! que fazes tu? Despeja todo esse leito! COMPANHEIRO- Em boa hora! Feito, feito! DIABO Abaixa aramá esse cu!
Cena 2 – O fidalgo • Dentre os passantes, é a personagem que fica mais tempo em cena. • Traz um pajem para carregar a cadeira para ele. • O manto e a cadeira são símbolos de sua futilidade e arrogância. • É condenado e humilhado pelo demônio. • Arrepende-se do que fez, o que o torna uma personagem mais interessante. • O pajem não é aceito na mesma barca e nem a cadeira, que supostamente esteve na igreja.
Cena 3 – O onzeneiro • * É o segundo personagem entre os passantes. • Completamente apegado a valores materiais e , portanto, terrenos. • Pede licença para retornar ao mundo para buscar seu dinheiro • Fica admirado ao encontrar o fidalgo dentro da barca ONZENEIRO Santa Joana de Valdês! Cá é vossa senhoria? FIDALGO Dá ò demo a cortesia! DIABO Ouvis? Falai vós cortês! Vós, fidalgo, cuidareis que estais na vossa pousada? Dar-vos-ei tanta pancada com um remo que renegueis!
Cena 4 – O Parvo • É ingênuo e puro de coração • Xinga o diabo, quando entende quem ele é. • É aceito pelo anjo na barca do céu, por nunca ter errado por maldade. PARVO Aguardai, aguardai, houlá! E onde havemos nós d'ir ter? DIABO Ao porto de Lucifer. PARVO Ha-á-a... DIABO Ó Inferno! Entra cá! PARVO Ò Inferno?...Eramá... Hiu! Hiu! Barca do cornudo. Pêro Vinagre, beiçudo, rachador d'Alverca, huhá! Sapateiro da Candosa! Antrecosto de carrapato! Hiu! Hiu! Caga no sapato, filho da grande aleivosa! Tua mulher é tinhosa e há-de parir um sapo chantado no guardanapo! Neto de cagarrinhosa! Furta cebolas! Hiu! Hiu! Excomungado nas erguejas! Burrela, cornudo sejas! Toma o pão que te caiu! A mulher que te fugiu per'a Ilha da Madeira! Cornudo atá mangueira, toma o pão que te caiu! Hiu! Hiu! Lanço-te üa pulha! Dê-dê! Pica nàquela! Hump! Hump! Caga na vela! Hio, cabeça de grulha! Perna de cigarra velha, caganita de coelha, pelourinho da Pampulha! Mija n'agulha, mija n'agulha!
Cena 5 – O Sapateiro • Chega com todas as ferramentas necessárias para seu trabalho. • Recorre ao anjo para tentar livrar-se da barca do inferno. • É condenado por ter enganado as pessoas durante toda sua vida com seu ofício e também por sua falsidade religiosa.
Cena 6 – O frade • Chega acompanhado de uma mulher, Florença. • Dança o tordião, dança típica dos salões, supostamente não freqüentados por padres. • Traz seu equipamento de esgrima por baixo de suas vestes. • O anjo não lhe dirige a palavra e o parvo é que o avisa da condenação. • Conforma-se e vai para a barca do inferno com Florença
Cena 7 – A alcoviteira • É uma mistura de alcoviteira com feiticeira. • Declara ao diabo possuir muitas jóias e três arcas cheias de material usados para feitiçaria. • Assume que seu maior tesouro é possuir “seiscentos virgos postiços”. • Tenta enfeitiçar o anjo com sua linguagem sedutora, mas acaba condenada por prostituição, alcovitagem e feitiçaria.
Cena 8 – O Judeu • O único personagem repudiado também pelo diabo. • Aparece acompanhado por um bode, do qual não se separa. • O parvo o impede de se aproximar do anjo, alegando que, em vida, ele desrespeitou o Cristianismo. PARVO: Furtaste a chiba cabrão? Parecês-me vós a mim gafanhoto d'Almeirim chacinado em um seirão. DIABO: Judeu, lá te passarão, porque vão mais despejados. PARVO: E ele mijou nos finados n'ergueja de São Gião! E comia a carne da panela no dia de Nosso Senhor! E aperta o salvador, e mija na caravela! DIABO: Sus, sus! Demos à vela! Vós, Judeu, irês à toa, que sois mui ruim pessoa. Levai o cabrão na trela!
Cenas 09 e 10 - O corregedor e o procurador • Entra um corregedor, com vários processos em mãos e consegue defender-se inicialmente, após ser convocado pelo diabo para sua barca. • Em seguida surge um procurador de posse de muitos livros e também tenta convencer o diabo que a barca do céu é o melhor lugar para os dois. • O anjo e o parvo juntos não permitem que eles embarquem e a justificativa é o fato dos dois terem usado a justiça em benefício próprio. • Condenados, na barca do inferno, os dois reconhecem Brísida Vaz.
Cena 11 – O enforcado • Chega ainda com a corda usada para seu enforcamento no pescoço. • Acredita que o fato de ter sido enforcado o redime de seus crimes em vida. • O que se entende é que ele teria cometido vários crimes em nome de seu patrão, Garcia Moniz. • Também é reconhecido por Brísida Vaz, no batel infernal e esta o anuncia ao corregedor, o que sugere uma ligação entre eles.
Cena 12 – Os quatro cavaleiros • Cavaleiros mortos nas Cruzadas, chegam sem nenhuma argumentação e dirigem-se diretamente à barca do céu. • As últimas falas são, de certa forma, um • resumo da moral cristã difundida por Gil Vicente • no texto. Barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida! Vigiai-vos, pecadores, que, depois da sepultura, neste rio está a ventura de prazeres ou dolores! À barca, à barca, senhores, barca mui nobrecida, à barca, à barca da vida! CAVALEIROS À barca, à barca segura, barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida! Senhores que trabalhais pola vida transitória, memória , por Deus, memória deste temeroso cais! À barca, à barca, mortais,