480 likes | 566 Views
A Dimensão Gestionária no Trabalho de Telemarketing. Humaniza Voz Simone Oliveira Abril de 2010. contexto. Relação de serviço. Nova relação entre produção e consumo; Os produtos são transformados de bens em serviços;
E N D
A Dimensão Gestionária no Trabalho de Telemarketing Humaniza Voz Simone Oliveira Abril de 2010
Relação de serviço • Nova relação entre produção e consumo; • Os produtos são transformados de bens em serviços; • O cliente não compra somente o produto em si, mas também o serviço que é oferecido, (os serviços passam a ser coadjuvante, vem incluso na compra); • Transformação da informação em mercadoria.
natureza do trabalho Dimensão imaterial, relacional ecomunicativa; Mobilização da subjetividade, capacidade de enfrentar o aleatório, o imprevisível, a variabilidade.
características do trabalho Grande exigência de produtividade; Controle intenso do tempo; do conteúdo; do comportamento; dos resultados; do volume de serviços realizados; Rotinização das ações (padronização falas – scripts); Pouca autonomia (software monitoramento); Elevado esforço mental e visual; com utilização contínua da voz.
Quem são os trabalhadores/as • Prioritariamente jovens e de 18 a 25 anos; • Ensino médio completo e estudantes universitários; • 70% mulheres; • Normalmente primeira experiência formal do mercado de trabalho.
Questões norteadoras do estudo • Como essa nova realidade interage com a saúde dos que trabalham? • O que vem acontecendo de fato nestas situações de trabalho?
Telemarketing e saúde Está associado a grande e diverso quadro de adoecimento: LER/DORT Perda da audição Disfonia vocal Problemas mentais e psíquicos
perspectiva do estudo Contribuir para ações e intervenções no campo da Saúde do Trabalhador a partir da abordagem ergológica que compreende o trabalho como algo enigmático: • Trabalhar sempre é gerir as variabilidades presentes nas situações singulares de trabalho, em um meio infiel. Analisar a atividadeevidenciando suadimensão gestionária. • O termo gerir requer todos os registros implicados na palavra: a dimensão econômica; a gestão do sistema produtivo no sentido profissional; da condução da vida subjetiva e das contradições das relações com outros Fazer emergir a pluralidade dos debates de normas e valores
Estratégias de aproximação • Interlocução com o Departamento de Saúde do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações do Rio de Janeiro (Sinttel-RJ).
metodologia Encontros e entrevistas Buscaram estabelecer uma aproximação com as situações de trabalho; Falar sobre o trabalho e reconhecer sua complexidade coloca a realidade em movimento; “Diz-se aos outros coisas que não se sabia antes de enunciá-las”(Boutet, 1993)
Diálogo entre saberes • Aproximação com as situações de trabalho a partir da dimensão dialógica, favorecendo a criação de um discurso sobre a atividade. Saberes disponíveis Técnico científico Saberes investidos Experiência
I Encontro • Sede campestre do Sinttel em Miguel Pereira • Participação: 33 operadores/as, sindicalistas, pesquisadores, profissionais de saúde, deputado estadual. • A perspectiva era mudar o cunho das atuações do sindicato, caracterizada como ‘ação de bombeiro’, sair da defensiva a partir da compreensão da realidade do trabalho, para um enfrentamento mais eficaz.
Dinâmica do Encontro • Apresentação geral Os trabalhadores e trabalhadoras fizeram um breve relato sobre suas trajetórias no telemarketing, o que os levou ao encontro e quais as expectativas; • Apresentação de vídeo sobre tenossinovite realizado em 1991, com as telefonistas; • Falas política, acadêmica e técnica; • Grupos de discussão sobre o trabalho.
Grupos de discussão • Dois grupos: - Roteiro para reflexão baseado nos conceitos da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho, como dispositivo para disparar o debate: trabalho prescrito e trabalho real, variabilidade, regulação, estratégias defensivas e reconhecimento. • Compartilhamento das vivências e discussões dos grupos
II Encontro • Ocorreu na sede no sindicato na Tijuca, • Debate com Cláudia Osório da UFF, com o tema ‘Sofrimento no Trabalho’ • Presença de 15 operadores/as e sindicalistas
Entrevistas • Ocorreram no sindicato, foram realizadas 10 entrevistas com sindicalistas de base e operadores/as que visitavam o sindicato; • Utilização da técnica de instruções ao sósia.
Instruções ao sósia • O método de instruções ao sósia foi desenvolvido por Ivar Oddone e sua equipe, durante os anos 70, no seio do Movimento Operário Italiano. Recuperado e aperfeiçoado por Yves Clot, no início dos anos no âmbito da Clínica da Atividade; • Produzir conhecimento sobre o trabalho a partir da experiência dos trabalhadores, revelando os saberes mobilizados na atividade para que os trabalhadores dêem conta da tarefa; • Trazer à luz o real do trabalho, diferente do apenas realizado passível de observação.
As instruções • “suponha que eu seja teu sósia e que amanhã eu vou te substituir no seu trabalho. Quais são as instruções que você deve me transmitir a fim de que ninguém perceba essa substituição?”
1 -Complexidade, variabilidade e imprevisibilidade do trabalho • ‘Preparação técnica’ – necessidade dos operadoresas chegarem mais cedo, antes do início da jornada, para se atualizarem quanto as novas regras e novas características dos produtos (não incorporada a jornada de trabalho e por consequência não remunerada)
preparação técnica • “Durante o horário, o pessoal do treinamento entra na monitoração do ramal e faz perguntas sobre o jornal e não pode abrir a tela. A tela é escravizada, eles estão vendo tudo o que estamos fazendo. Então, normalmente o que eu faço... chego mais cedo. Pego oito horas e chego lá às sete e quinze. Abro o sistema, jogo minha senha, anoto o jornal todinho e deixo debaixo do telefone, debaixo do teclado, porque não pode ter papel na mesa. Nem papel, nem caneta porque trabalhamos com dados de cliente que a gente não pode passar” • “Cada um tem a sua técnica. Ler durante não tem como porque quando entra um cliente na ligação e te pede a informação são várias telas, você tem que abrir o sistema, olhar, investigar lá tudinho, então você é obrigado a abrir antes a informação nova que saiu”
preparação emocional • Antes “Você já sai de casa se preparando. (...) Você vai pensando assim: tomara que não tenha um cliente chato, tomara que a coisa vá numa boa. Então, vai depender muito (...) você sabe que vai chegar lá, e vai lidar com a ira dos outros, a angústia muitas vezes, com a ansiedade... então você vai torcendo para o tipo de cliente que você quer que ligue”
preparação emocional • Durante “A primeira coisa que faço é orar. Para Deus me dar apoio. Pensar que não é porque a pessoa que está do outro lado esta te xingando e fazendo um monte de coisa que você vai se estressar. Você tem que estar ali e manter a calma, falando com você mesma: não posso me estressar. Trabalhava na base do calmante. Percebi que tinha lidar com isso. Então o assinante vai falando e eu não vou deixar me adoentar porque se você absorver aquilo prejudica sua saúde, você fica doente.”
preparação emocional • Depois “Ir para casa e tentar não deixar aquelas coisas que te aconteceram lá no serviço. Ir pensando em outras coisas até chegar em casa e tirar aquilo da sua cabeça. Porque senão ... você leva para dentro de casa. Já saí de lá super estressada, chegar em casa, o esposo falar qualquer coisa e estourar, porque já estava com aquela carga toda em cima”.
1 - Complexidade, variabilidade e imprevisibilidade do trabalho Desequilíbrio entre salários e competências exigidas: • Executam muitas tarefas ao mesmo tempo exigindo a mobilização de suas capacidades físicas e mentais: “É muito pouco para o que se cobra. Você tem que ter fluência verbal, você tem que ser uma pessoa persuasiva, você tem que ter paciência, você tem que ter click emocional, você tem que saber informática - além de lidar com o próprio Windows, você tem que lidar com programas de determinado produto - é muito complexo. Então o trabalhador tem que ser capacitado e tem que ter também a capacidade de assimilar esses programas”. .
1 - Complexidade, variabilidade e imprevisibilidade do trabalho • Nas centrais de teleatendimento receptivo a grande maioria liga para reclamar e são poucas as ligações solicitando esclarecimento, • Segundo os operadores/as essa situação gera uma “carga emocional” muito intensa e estes contam com poucos recursos para suportá-la e darem conta da situação, • A pressão do trabalho associada à falta de estrutura de apoio, como o despreparo dos supervisores, é um elemento de grande constrangimento no trabalho, • Reflete um não reconhecimento das exigências desse trabalho e a pouca importância dada à qualificação e competência dos supervisores.
práticas gerenciais voltadas exclusivamente para a produção “... não existe a preocupação com as pessoas e sim com a tarefa. Já vi o cara [supervisor] bater nas costas: “Oh, levanta aí!” Não perguntando se você está sentindo alguma coisa, se está passando mal, entendeu? Aí bate assim: “Oh, levanta a cabeça, olha a postura!” Aí, a pessoa levanta com aquela cara pálida! Não existe uma preparação nesse sentido” “Além de você estar na pressão por causa do cliente, tem a cobrança da supervisão. Então você (...) não trabalha relaxado, porque o assinante está te xingando, falando um monte de besteira e há a pressão da supervisão em cima de você.”
2 - Experiência como matriz de competência • A construção do saber no e do trabalho, da estocagem de um certo número de formas de competências’, exige um tempo; • No entanto, esta estocagem é pouco permitida pelas precárias condições de trabalho, que expulsa os trabalhadores e trabalhadoras da atividade, com alta rotatividade.
2 - Experiência como matriz de competência “Depois de quatro anos, o cliente quando fala comigo, eu já sei o que ele quer. Voltou o comprovante, eu já peço o resumo de vendas, já abro na página certa, já vou abrindo a solicitação para pedir o reprocessamento. Então para mim é fácil, agora para uma pessoa que não conhece.... E cada cliente é um cliente. Tem cliente que quer só trocar o telefone, alterar o telefone lá no sistema, e te enseba, te enseba, te enseba, te enche o saco e o atendimento que era para levar quatro segundos perde às vezes um minuto e quarenta”.
2 - Experiência como matriz de competência • Outro uso da voz “Já levei muita ligação só na entonação da voz. Eu sempre fui educadíssima com cliente. O cliente fala assim: - Ah! não sei o que, não sei o que... - Senhor ! Isso é assim. E ele está falando, falando e falando. Aí na educação: - Senhor, por gentileza, assim... Posso? Pois não senhor. A minha entonação (...), é mais que uma facada. E o cliente: - Entendi.” “Eu já aprendi diferente. Se o cliente estiver falando muito alto, eu vou falando mais baixo. Ele vai gritando e eu vou falando mais baixo, eu chego a falar tão baixo que ele não entende o que eu estou falando. Então ele é obrigado a calar a boca, para poder ouvir.” “ Eu já deixei o cliente falando sozinho. Ou eu deixava o cliente falando sozinho ou eu dava uma travada nele.”
2 - Experiência como matriz de competência • Outro uso da audição “Estratégia número 1 é mute. Depois de um momento por gentileza, mute. Aí quando você fala: só mais um momento por gentileza, mute. Aquilo vai cansando, e o operador acha que a qualquer momento a pessoa vai bater o telefone, e pronto. Bateu o telefone: ufa! Foi embora, vai cair outro, e vai cair outro. Essa é uma [estratégia], a outra é ficar ligado no script... é fazer com que de repente o cliente desligue. Ele desligou, ah que alívio... desligou. Essas são as estratégias (...). O atendente tem que ter essas manhas...”.
2 - Experiência como matriz de competência “Esses macetes a gente vai pegando com o tempo. Você sabe que vai dar tempo de você registrar o chamado anterior antes que entre a próxima [ligação], ou já vê que está com fila, porque na hora que está com fila o supervisor fica lá dentro para ver se você não fica de pausa padrão, que é a pausa que não entra ligação e você perde produtividade”.
3 - prescrições contraditórias e restritivas • Scripts também como uma camisa de força Impedem de se expressarem mesmo em situações positivas: “Muitas vezes você está fazendo bem o seu trabalho e o cliente te elogia, e a gente não pode agradecer, nem dizer: não tem de que, disponha. Não pode falar. Fica uma situação constrangedora tanto para o assinante, quanto para o atendente. Tanto é que, as vezes eles perguntam: estou falando com uma máquina ou estou falando com gente!”
3 – prescrições contraditórias e restritivas Obriga a vivência de situações constrangedoras: “O cliente entra querendo reclamar e a gente é obrigado a abordar o cliente numa ligação que ele esta reclamando, mas a gente tem que abordar, a gente tem que vender.” “Eh se o cara está comprando uma televisão, você tem que oferecer um dvd e junto do dvd o cabo, e junto do cabo lembrar a ele que estamos com muitas promoções ... E tem que jogar no site do dvd para mostrar a ele o que tem de lançamento. Aí você pega uma pessoa estressada como a gente sempre pega: minha filha o que eu quero é isso. Eu liguei para isso e acabou. E ainda temos que agradecer de novo a ligação e lembrar do aniversário da empresa. Eu nunca fui tão xingada na minha vida”
3 - prescrições contraditórias e restritivas • Os operadores/as devem beber água em função do uso constante da voz; • Por outro lado, não podem fazer uso do banheiro quando sentem a necessidade, pois o tempo para seu uso é limitado e rigidamente controlado. “A gente tem que beber água por causa da voz. Eles dão uma garrafinha e a gente fica com a garrafinha do lado na mesa. Comigo já aconteceu de perder a voz. Porque (...), se eu beber muita água, fico com vontade de ir ao banheiro toda hora. Então, não tem como beber muita água e querer ir ao banheiro toda hora. Só pode ir uma vez. Então já aconteceu estar atendendo um cliente e perder a minha voz”.
Perda ou calo nas cordas vocais • Cistites ou problemas renais
“Você vai ter problemas aí, tendinite, problemas vocais, você vai ter uma série de problemas... aquele trabalhador começa a adoecer, e ele é substituído automaticamente. Então existe a rotatividade. Além disso, tem a própria limitação. Você não pode ir ao banheiro na hora que você quer, você tem que lanchar e engolir a coisa rápida, são 15 minutos pra lanche, isso é praxe, algumas centrais deixam que seja 20 minutos. (...) Na maioria das centrais, não existe liberdade e o tempo é muito curto, é de cinco minutos. E você acaba sendo penalizado, com a reincidência, você tem uma advertência verbal, advertência escrita, suspensão...é tanta suspensão, dá desligamento por justa causa. Então se você juntar tudo, você vê que é um ambiente carregado que adoece mesmo o trabalhador... ele adoece, aí...”
sofrimento e adoecimento • Resistência das empresas em se admitir o nexo causal entre os fatores de risco e adoecimento; • Atribuição a “vida extra-profissional” e as “predisposições” como causas dos adoecimentos e mal-estares.
sofrimento e adoecimento “Ela examinou meu braço, apertou e perguntou: dói? E eu falei que doía. Ela me falou que se apertar gordura, gordura dói... e que eu teria que emagrecer e que eu não tenho nada. Pediu o raio x e chamou a assistente dela, (...) que entrou na sala, viu o raio x e falou assim: ‘que mentirinha que você pregou, você não tem problema nenhum no braço’. E eu mostrando os exames para ela, porque eu tenho como provar o que estou falando. Mostrei ..., falei para ela que na semana seguinte eu estaria fazendo uma infiltração e ela falou para mim que isso era coisa da idade da pedra, que a minha ortopedista, estava atrasada. Quer dizer, estava duvidando até da competência do médico que me acompanha”.
Os operadores/as de telemarketing vivem a mesma dramática das telefonistas: a dor que incapacita para o trabalho e a dificuldade de reconhecimento da doença, através da racionalidade médica. • Vivência duplamente perversa: pois além de estar doente, com dor e afastado, sofrem muitas vezes com a humilhação e o desrespeito. • São, em sua opinião: “simplesmente postos de lado”.
Considerações finaisreconhecer a dimensão gestionária • A submissão a normas e objetivos contraditórios geram constrangimentos e sofrimentos com consequências nocivas para a saúde; • A grande rotatividade não favorece a construção das experiência, do agir em competência, como vimos esta possibilidade se realizar no operadores que ultrapassam a média de permanência nas empresas (1 ano e meio a 2); • Dificultando também a produção de coletivos, capazes de processar as dificuldades inerentes às variabilidades da atividade;
Considerações finais • A participação dos operadores/as na elaboração das normas e procedimentos, essa co-construção é fundamental e pode evitar descompassos e sofrimentos; • Apesar da elaboração de estratégias, por parte dos trabalhadores, para enfrentar as adversidades, estas não são suficientes diante do quadro de precarização do trabalho;
Considerações finaisvalorização da experiência • A dimensão gestionária do trabalho, deve ser reconhecida pelos próprios trabalhadores/as, profissionais de saúde e pesquisadores, como elemento fundamental para a prevenção dos adoecimentos e para a promoção da saúde;
Desdobramentos Aplicação do: INSAT - INQUÉRITO de SAÚDE E TRABALHO • Sinttel-RJ • Sindicato dos Bancários do RJ e SP
Contribuições do estudo • Projeto de Lei 2.673/2007 - que trata da Regulamentação da Atividade de Operador de Telemarketing
OBRIGADA! simone@ensp.fiocruz.br