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6ª Visita Diagnóstico Rápido Participativo - Travessia -. 27/06/2007.
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6ª Visita Diagnóstico Rápido Participativo - Travessia - 27/06/2007
Da travessia participaram Seu Dola, Seu Zeca e João Décimo. Juquita, que havia participado da elaboração do mapa, justificou no dia anterior que não iria participar da caminhada, pois teria de distribuir a eucaristia para as pessoas do distrito no mesmo horário de nosso evento. Quando cheguei à casa de Seu Dola, já que desta vez os guardiões não nos aguardaram na rua como no mapeamento, ainda não havia chegado nenhum dos que participariam da travessia. Quando de minha chegada Seu Dola logo perguntou: “Cadê a professora?”, justifiquei a ausência e ele compreendeu. Esta justificativa tive de fazer a todos os guardiões, já que, na hora que chegaram, todos fizeram o mesmo questionamento: “A moça não vem não?”
Ao deixarmos a casa em que nos encontrávamos, Seu Dola foi o primeiro a se manifestar sugerindo o início da travessia, como quem orienta o grupo: “Quer dizer que a escala agora é como é que é ?”. Expliquei que a idéia era que mostrassem-me tudo o que haviam apontado no mapa durante a outra etapa do diagnóstico, que fizéssemos a travessia do distrito conforme o deslocamento da Festa do Rosário. Seu Zeca disse então que há dois cortejos: o da alvorada e o cortejo dos reis; o primeiro evento é realizado durante a madrugada e corta todas as ruas da comunidade, foi o que guiou a feitura do mapa e o percurso que fizemos na travessia. O outro percurso, denominado “cortejo dos reis”, não corta todas as ruas do distrito, só perpassa os espaços necessários para se ter acesso às casas dos componentes do reinado de um determinado ano.
Como salientado pelos guardiões, a saída da alvorada se dá na casa de Seu Zeca, assim como todos os outros momentos iniciais da Festa.
A travessia iniciou-se pela Rua São Lourenço sentido a Praça da Igreja.
A divisa entre a casa de Seu Dola e a Igreja Assembléia de Deus é feita somente por um muro. Questionei se no dia da Festa a Igreja... E antes de eu terminar de elaborar a pergunta eles já se adiantaram em responder que “Não! A Igreja não se envolve com nada, eles até param para olhar, mas não cobiçam nada. Eles não amola nós nem nós amola eles.” Questionei então se os cultos eram nos mesmos horários habituais no dia da Festa. Seu Zeca foi quem explicou: “Quando saímos com a alvorada ainda não tem culto, quando voltamos, sete, oito horas... eles param o culto e vêm ver nóis.
No dia doze pra treze também não tem problemas. Começa em outro horário, não atrapaia não, porque se atrapaiasse nós compunha com eis, né?” Questionei o que era compunha, Seu Zeca disse que “era assim, tomo tudo pertinho ali, se eles atrapaisse nóis, nós chamava eles pra fazer uma concordia com eis, propô para eis, né? Pra que es mudasse a hora daques trabaio deis ou baixasse aqueles trabaios deis, pra nóis não ficar prejudicado e eis também não. Por quê? O nosso é espaçoso, é hoje e as vez passa é quatro, é cinco, é seis mês... Eis tem todo dia. Então, eis pode pará hoje e amanhã eis pode fazê; o nosso é hoje, amanhã nóis num vâmo fazer. Então nóis compactua com eis assim: Eis fazesse mais cedo ou então mais silencioso, né? Pra gente fazer o movimento da gente mais sossegado. Mas então num atraipaia e a gente deixa assim mesmo do jeito que tá. Eis num vem atrapaiá nóis e nóis também num vai atrapaiar eis, então... Agora, se atrapaiasse, nós ia ter que fazer com eis, concordar com eis, propor uma concorda com eis.”
“Nóis respeita eles porque é vizinho do Dola aqui, eles já teve probrema com os outro aqui, querendo fazer abaixo assinado pra recramar deles aí. Falaram pra o Compá Dola: ‘- Assina o abaixo assinado aí’. E o Compá Dola falou: ‘- Não! Eles não tão me amolado em nada não.’ Ele num recrama, na casa dele não adianta a gente conversar nessa altura que nós tâmo conversando aqui que não dá pra escutar nada não, mas ele num recrama. Fizeram o abaixo assinado por causa do barulho. Esses que queria fazer abaixo assinado é tudo amigo dos crentes, é tudo parente...” (Seu Zeca) Questionei então sobre a proporção de católicos e “crentes” no distrito. Responderam que existem muito mais católicos, mas Seu Zeca acrescentou: “O pouco deles, eles põe é pra frevê mesmo, pra esquentar os outros. Cê sabe como é que é? Eles põe aquele trem alto, aquela zuerada. Liga o microfone dentro daquela Igrejinha ali, vô te fala pro cê, trapaia bastante coisa aí...”
O assunto foi interrompido por Seu Dola, que apontou a segunda rua desenhada no mapeamento, onde se entrou para buscar o rei em 2006, é a rua João Batista. É aqui que teria se iniciado a história do distrito para esta rua, pois era o limite entre as “Terras de São José”, que são as terras da Igreja, e as fazendas. A construção de casas no distrito se iniciou nas terras da Igreja e só mais recentemente, com o loteamento das fazendas, é que as outras construções foram aparecendo.
Ainda na Rua São Lourenço há um Centro Espírita. Questionei sobre ele, mas as respostas foram desencontradas. Quem mais sabia sobre o Centro era João; Seu Zeca nem sabia que ele continuava funcionando, sabia sobre quem o dirigia, mas achava que esta pessoa já não mais morasse em Viçosa. Seu Dola também não sabia muita coisa a respeito.
“Essa aqui é a Rua Alaídia Bernadino, viu?!” Todos riram com a exclamação de João; é a rua com nome de sua mãe. A Alvorada passa pela rua.
Ao tirar uma fotografia de outra Assembléia de Deus situada na Rua São Lourenço, os guardiões parecem ter compreendido meu interesse pelas Igrejas do distrito. Já começaram então a dar explicações sem que eu fizesse qualquer questionamento. A Igreja da foto fica, segundo eles, numa construção que funciona de vez em quando um bar. “Isso é um bar que eles alugam pra os crentes. Ali foi bar, agora é uma Igreja, não é coisa fixa não, amanhã pode ser bar de novo. Se os crentes não pagá o aluguel do salão aí deixa de ser Igreja e vira qualquer outra coisa, até bar de novo.”
Ao passar pela escola do distrito os guardiões só exclamaram uma frase: “Aqui é o grupo, é muito antigo!”
Chegamos então à Praça Luíza Rodrigues Lopes que, segundo os guardiões, existe “toda vida, só não tinha prantinha, era lugar onde os menino jogava bola”. “Nós jogô muita bola aqui bobo....” (João)
Os guardiões chamaram atenção aqui para o Retiro, espaço da Igreja que recebe visitas regulares de grupos religiosos. Chamaram atenção também para a construção do posto de saúde debaixo do Retiro.
Apontaram neste ponto para o cruzeiro: “ - A alvorada vem de lá direto pra aqui”. Eis que há então uma fala bem interessante: “ - Este cruzeiro, tem que mudar este cruzeiro daqui, né? - Ah, ele não vai ficar aí não, né?! - Eles já construíram aqui, mas ele num vai ficar aqui não, já vendeiro o lote. - Mas o caminho não vai acabar não, tem que ir pro Retiro.”
Apontaram em seguida pra outra rua desenhada no mapa, a Antônio Lopes de Almeida, “que vai para um caminho da roça”. Esta rua foi doação da mãe do antigo morador que dá nome a rua, que “é da família dos donos de todas estas terras aí para frente.”
Chegamos então à Igreja de São José, ponto apontado durante o mapeamento como o mais importante do distrito para a Festa, tanto quanto a casa de Seu Zeca. Neste momento encontramos com Juquita pela segunda vez, que distribuía a hóstia para os religiosos de São José do Triunfo. O primeiro encontro havia sido no início da caminhada.
Chegando à Igreja Seu Zeca logo se prontificou a mostrar o buraco onde é apoiado o mastro no dia da Festa. Ele é permanente na frente da Igreja e fica tampado com um bloquete. Indício do espaço da Festa que fica velado durante o período não festivo? O mastro fica exposto oito dias após a Festa e “nesse tempo ninguém tira, passou estes dias nós vem tirá, se nós num vié eles tira, mas neste tempo ninguém pode tira”.
Pudemos perceber que dentro da Igreja, onde não chegamos a entrar, estava montado um altar com a imagem do Sagrado Coração de Jesus. Eles logo me explicaram que era mês de coroação. Questionei então se ali já havia sido coroada Nossa Senhora do Rosário, eles disseram que em São José do Triunfo é coroada a Santa somente pelos reis durante a Festa, mas que nunca havia tido uma coroação por crianças. Questionei se eles sabiam de algum lugar que isto havia ocorrido, eles lembraram que já assistiram a uma coroação em Coimbra. “Foi lindo, aquilo pra mim foi uma surpresa muito grande, as meninas vestiam de azul e rosa coroando Nossa Senhora do Rosário, foi lindo!” (João)
Os guardiões explicaram que a Festa se dirige até a Igreja durante a alvorada e na Missa Conga. Durante a Festa do 12 pra 13 vai-se até o cruzeiro, mas não chega até a Igreja. Fiz uma observação de que comumente as Igrejas ocupam os lugares mais centrais das cidades e vilas, e que ali era um tanto diferente, a Igreja marca o fim do distrito. Eles reconheceram que ali é mesmo diferente, mas não deram explicações detalhadas. Ao fundo da conversa Seu Zeca diz uma frase solta exprimindo o significado de que aquele lugar também é centro, o que dá pra entender que não no sentido geométrico, mas de algo parecido com significação ou status.
Durante esta fala Seu Zeca referiu-se mais de uma vez à vontade de sua filha Eliane de realizar esta coroação durante a Festa, mas alega que nunca dá tempo pela quantidade de coisas que existem na Missa. Seu Zeca durante outros momentos da caminhada se refere por diversas vezes a esta filha, revelando sempre aspectos da organização da Festa desempenhados por ela, é ela quem organiza o reinado de moças e rapazes. “Eu também sou doido pra fazer uma coroação dessa aqui!” (Seu Zeca)
Ao falarem de Coimbra, os guardiões relembram das Festas que foram dançar nesta cidade. Lamentam o fim da Festa que teria ocorrido em função da troca de padres. Próximo à Igreja, eles mostraram ainda os terrenos desta. Aí apontaram os deslocamentos de cruzeiros que já ocorreram ali. Ao falarem dos terrenos da Igreja afirmaram que é graças as doações de terras para a Igreja que o distrito se desenvolveu, caso contrário não poderia haver o crescimento do número de casas. Este terreno, atrás da Igreja, já foi lugar de fixação do cruzeiro e já foi cogitada também a instalação de um cemitério neste local.
Em determinado momento João parou para conversar com um senhor que passava. Seu Dola e Seu Zeca questionam o que era, e João responde que era sobre futebol. Eles passam a comentar então como o futebol é importante para as pessoas, a ponto, segundo eles, de até o governo ter interesse em investir, assim como no carnaval, o que não acontece com a religião. Questionei o motivo, eles responderam que é em função do futebol e o carnaval serem diversão para todos, e o catolicismo não. Além do que, “o catolicismo não faz propaganda para estes governos, tendo o carnaval ou um trem qualquer tem o comercial deles. Num é favorável a religião.” Eles já chegaram a ir à prefeitura atrás de ajudas de custo, pois sabiam que “outras culturas” recebem cerca de mil reais por mês para ajuda, mas não conseguiram. Disseram por parte da Prefeitura que se o grupo de Congado quisesse que se comprasse alguma coisa para eles seria necessário fazer um lista de pedidos e levar para a Prefeitura, mas o grupo não chegou a levar.
Adentramos à Rua José Soares da Rocha, por onde segue a alvorada após se deixar a Igreja. Foi para esta rua que se dirigiu também após a Missa na Festa do ano anterior, pois é onde fica a casa do príncipe que repassou a coroa. Esta rua liga a Igreja à Avenida por uma via que não a Rua São Lourenço.
Em nosso terceiro encontro com Juquita, este pediu que eu tirasse uma foto dos membros da irmandade. Neste momento Seu Zeca fez lamentações de como não houve registros de todos os acontecimentos por que passou o Congado anteriormente. Fizeram mais uma vez referências aos candeeiros que iluminavam as ruas do distrito no passado e salientaram como é bom a Festa agora estar sendo registrada. “Quantas vez nós já passou que era moleque com o Congado e ninguéééém sabe como é que era, porque não tem naaaada que mostra.” (Seu Zeca)
João chama atenção nesta hora para as casas antigas da rua, que seriam as primeiras do Fundão. É nesta casa à esquerda que morou Adão, que era quem comandava a Festa antes do pai de Seu Dola; embora não fosse Adão o Rei Congo, que era uma função exercida por um morador de Viçosa, Firmino. “O Congado nascia aqui”.
Seu Zeca e Seu Dola voltaram na questão da falta de registros sobre o Congado, que não tem sua história em fotografias e escritos, mas na cabeça; as memórias. “Mas hoje já existem as filmagens e as fotografias para quando não tivé mais nada. Igual, que nosso avô foi o primeiro a vir aqui em 1930, então foi nossa prima que teve conhecimento disso e detalhou para nós, né? Quantas fotografias não tem, as embaixada... Nós tem isso é na cabeça.”
Próximo a casa onde morou Adão encontramos com Noêmia, esposa do rei festeiro deste ano. Mais uma vez Seu Dola fez questão de explicar quem sou eu e o que estava fazendo ali, como já havia feito diversas vezes e o que ainda repetiu com todas as pessoas conhecidas que encontrávamos no percurso. O nome da Universidade sempre aparecia quando me apresentavam e faziam questão de deixar claro que nós estávamos interessados em saber como o Congado funciona. Noêmia fez comentários de que outras pessoas da Universidade que freqüentam a casa dela em função do Congado e diz que “são pessoas muito legais e que não devem deixar de freqüentar mesmo”. E Seu Dola completou: “Que bom que tem mesmo, a pessoa que tem cultura entende de cultura, né? As vezes tem gente que não tem cultura e não entende nós, né?”
Ao conversar com Noêmia foram discutidas algumas questões para a Festa deste ano. Ela estava indo naquele dia a São Miguel do Anta fazer acertos com uma banda de música para tocar na Festa, ela comentou que estava muito cara a banda de Viçosa e que tinha de arranjar isto. Quem organiza a banda é sempre o rei festeiro. Em determinado momento da conversa Noêmia perguntou sobre um pano, Seu Dola respondeu que Eliana, filha de Seu Zeca, já havia tirada as medidas, Noêmia então disse que depois pegaria com ela. (Aspectos que revelam mais uma vez a participação da mulher na organização da Festa).
Eles me apresentam em seguida a casa mais antiga do Fundão (acima), que pertenceu a família Lopes, uma das mais numerosas do distrito.
Quando passamos próximo ao córrego da foto ao lado, Seu Zeca chamou atenção para este ponto como demarcação do início das terras do Santo. Estas terras pertencentes a Igreja foram cedidas , através de um recibo, mas não de escritura, para que as pessoas construíssem. “Agora Dom Luciano autorizou que fossem dadas as escrituras das terras para quem já possui construções no local.” “Dom Luciano foi muito bom pro povo”. (Seu Zeca)
Passamos posteriormente pelo campo de futebol do distrito e Seu Dola logo exclamou: “Isso aí é o que a turma gosta, ninguém faia, óia aí. Os menino nega nóis lá pra vim praí. Se tiver um ensaio lá, eles arruma uma desculpa pra não ir pro Congo e vem praí. Costuma até desmarcar viagem pra vir praí!” Seu Dola e Seu Zeca admitiram nunca terem sido jogadores de bola, o contrário de João, que segundo os primeiros ainda adora se envolver nestes assuntos.
Deixamos a Rua José Soares da Rocha e chegamos à Avenida para ir ao “outro lado” do distrito. Eles admitiram que antigamente a Festa não vinha até este ponto do distrito. “Na época de Adão a Festa ia para uma casa, que não existe mais, para este outro lado da Avenida para fazer reuniões e ensaios, mas era só.” Adentramos então à Rua Elisa Ladeira. A preocupação por parte dos guardiões por fotografar todas as placas com nome das ruas a que chegávamos, era uma constante. Quando não havia estas identificações eles diziam da necessidade de conversar com o líder do movimento de bairro sobre a questão
“Agora olha pro cê vê, a pessoa que foi dono disso tudo aqui, e que agora lotiou, hoje tá numa casa de pousada, é o Zé Tião, da família dos Silva.” Seu Dola se referindo à rua Elisa Ladeira e apontando para a casa onde Zé Tião morou. A rua Elisa Ladeira é “a rua de João”. Ao questionar sobre o crescimento deste lado do distrito, Seu Zeca disse não lembrar muito bem em que ano isto se iniciou, mas disse que foi desde que uma padaria se instalou por ali. Posteriormente disse ter sido 1972. Entramos então na Rua Batalha Neto, que corta a Elisa Ladeira ao meio e dá acesso à Celina Ladeira.
Chegamos à Rua Celina Ladeira, onde os guardiões apontam que fica a casa do rei que receberá a coroa neste ano (Juquita), e da rainha que repassará a coroa (D’Lourdes). Neste momento encontramos novamente com Juquita, ele pede que nós o esperemos, responderam os guardiões que é uma alvorada e alvorada não pode parar. Não encontramos mais com Juquita depois disso.
Ao andarmos por um espaço em que não diziam muito sobre o Congado, surgiu o assunto de um batizado. Seu Zeca começou então a falar das mudanças no Fundão. Segundo ele, se antigamente tinha um batizado ali, todo mundo se reunia nele, não havia mais nenhum outro evento no Fundão. “Batizado e casamento hoje tem todo dia, agora é diferente, várias coisas acontecem ao mesmo momento, é muita gente. Se se fazia um tutu era coisa diferente e todo mundo se reunia em volta daquilo, hoje isso tem em todo lugar, em todos os eventos. Missa, hoje tem no Fundão, na Cachoeirinha, no Buieié.” João faz então observações em torno das mudanças das formas das casa no Fundão que, segundo ele, antigamente eram de sapê. “Êta ferro! Isto aqui tudo era roça rapaz!”
Em uma conversa eles falam qualquer coisa sobre Seu José Augusto, pai de Seu Zeca, questiono sobre o período de permanência dele como Rei Congo. Eles dizem que entre a morte de Firmino, Rei Congo anterior a Seu José Augusto, em 1956, e 1958, ano da morte de Adão, não existiu Rei Congo, somente o Rei do Meio que era Adão. Só com a morte deste é que Seu José Augusto se tornou Rei Congo, e permaneceu nesta função até seu falecimento em 1982. Seu Dola disse ter iniciado sua função de Rei do Meio em 1988, o que ele diz ter até registrado em um papel, junto com o tempo em que ele permaneceu em outras funções, como a de Vassalo. Numa fala um tanto quanto confusa ele diz ter se tornado Rei Congo em 2000, e que entre a morte de Seu José Augusto e sua ascensão a Rei do Meio não existiu outro Rei Congo, apenas outro Rei do Meio, Cesário, que fazia o “esbanjamento” da Festa. Almiro, tio de Seu Dola, também ajudava no desenvolvimento desta função.
A fala se dissipou para informações sobre a casa do fiscal falecido há não muito tempo, Seu Luiz. Foi ali que fizeram a “manifestação” no velório a que haviam se referido durante o mapeamento. João explica que para alguns dos participantes do Congado que falecem eles vão até o velório, vestidos com a camisa e a calça da vestimenta da banda, “a sainha não!”, munidos de alguns instrumentos (o pandeiro, a caixa e a viola), fazendo o acompanhamento do cortejo e do velório. Neste cortejo são cantadas as músicas do Congado, o que gera uma grande comoção. “As músicas são muito apropriadas e meu Padrim Dola, que é muito sábio, sabe fazer verso. Ele canta, faz um verso da cabeça, canta a primeira parte e nós responde. É lindo, mas depois baixa o astral da gente.” (João). Neste momento começam a falar dos falecidos, falam da mãe de João e do pai de Seu Zeca. A casa do fiscal (foto a esquerda) já é na Avenida Silva Araújo.
Neste momento encontramos com um dos fiscais do grupo de Congado e imediatamente os “guardiões” se preocuparam em explicá-lo o mapeamento que estávamos realizando: “um cortejo fazendo o levantamento das ruas da comunidade por onde passa a alvorada, nosso movimento de festa”. Seu Dola disse posteriormente que esta explicação era necessária para que no caso de alguém perguntar o que estávamos fazendo ali ficasse bem explicado.
A preocupação em fotografar as placas com nome das ruas permaneceu constante. Por termos adentrado à Rua Maria Francisca de Jesus a partir da Avenida Silva Araújo, a placa com a denominação desta rua ficava um tanto distante do local em que estávamos e para o deslocamento da Festa tal como realizávamos ficaria “fora de mão” ir até onde a placa estava localizada somente para fotografá-la. Os “guardiões”, então, como se imaginassem um formato para um relatório que eu iria fazer daquela travessia, me aconselharam a lembrar que aquela era a Rua Maria Francisca de Jesus, que em outro momento passaríamos pela placa com esta denominação e no momento de organização de meu relatório eu encaixasse a foto em seu devido lugar.
Este exercício me foi proposto por eles em outros momentos. Eles pareciam tentar tornar legível um “quebra cabeça” que a festa faz com o distrito: o cortejo, em determinado momento, entra numa rua, percorre uma pequena extensão de seu espaço para em seguida adentrar em outra rua, e posteriormente retornar a esta outra rua... Embora os guardiões sejam cartesianos ao apresentar o deslocamento da festa pelo distrito, a lógica da festa parece não ter esta preocupação do reto, do contínuo e do retilíneo. A festa faz da cartografia oficial do distrito um labirinto, realizando seus deslocamentos numa “racionalidade” pautada muito mais numa geografia simbólica daquele lugar, que é passível de ser explicado ao estrangeiro por meio da cartografia cartesiana.
A apresentação da Rua Maria Brígida foi feita nos moldes desse “quebre-cabeça”. Enquanto passávamos pela Maria Francisca de Jesus, passamos por um “braço” da Rua Maria Brígida e na tentativa de tornar didática a explicação do deslocamento da festa, os “guardiões” insistiram nesta questão da cartografia oficial do distrito (que pareciam ter interesse em apresentar) em contrapartida à geografia simbólica da festa ( que deixavam transparecer em suas falas, mas sem grandes esforços explicativos).
Quando passamos em frente a uma casa que possuía uma cruz em sua fachada, Seu Dola fez referência a uma observação que eu havia feito anteriormente sobre como é comum cruzes nas fachadas das casas do distrito. Daí iniciou-se uma reflexão sobre a temática. Seu Dola, primeiramente, pediu a uma moça que limpava a varanda da casa em questão, para que “acertasse” a cruz que estava “tombada”, o que não poderia ocorrer. João foi quem fez as primeiras colocações sobre as cruzes: “- Padre Joaquim Quintão fala que na casa onde não existe cruz o demo rodeia”. Fiz uma indagação a respeito dos protestantes: “ - Ih, então o pessoal da Igreja Crente tá perigando, hein?” João diz que: “ - O que mais fala no nome do satanás é os crente. Fala demais. Tudo deles fala o nome do demônio dentro da igreja!”.
Então foi a vez de Seu Zeca: “- Bubiça! Porque isso não interfere, o demônio não mexe com ninguém não, o demônio é a gente mesmo, rapaz!” . Questionei: “Como é que é Seu Zeca?” E ele: “- É isso mesmo, o demônio somo a gente mesmo, porque demônio... Eu não acredito nisso não! A pessoa que faz ruindade com os outros, vai lá machuca o outro, mata o outro, manda fazer porcaria com o outro... Então é ele que é o demônio, porque é ele que mandou fazer aquilo com o outro. Acho que é estranho isso!!! Se ele fez é porque foi ele quem mandou”. Seu Dola cortou bruscamente a conversa para apresentar uma nova rua.
Chegamos à Rua Argina Silvina, local apontado pelos “guardiões” como o ponto em que se buscou o Rei e a Rainha festeiros no último ano. Estes moram no Rio de Janeiro e vieram para a casa da irmã de São Dola durante a festa, Dona Maria do Nascimento. Seu Dola apontou que buscaram o reinado na casa de sua irmã porque “ela é sogra dele”. (Seu Dola considerou mais relevante apresentar Dona Maria do Nascimento como sogra do Rei do que como mãe daRainha, já que Rei e Rainha eram, na última festa, marido e mulher).
Em determinada altura desta Rua Argina Silvina, nos aproximamos de um grupo de pré-adolescentes sentados numa calçada. João logo que os viu já foi dizendo de maneira que tanto Seu Dola e Seu Zeca quanto os meninos pudessem ouvir: “ - Olha eles aí, oh!” Seu Dola então proferiu referindo-se a irmãos gêmeos que se encontravam em meio ao grupo “ - Ah, os dois estão aí, né?” João perguntou: “ - Qual dos dois é o dançador?” Gutierrez se manifestou como sendo ele; com a reação os “guardiões” exclamaram elogios do tipo: “- Que maravilha!” Neste momento Seu Zeca questionou: “ - É de coração ou é só na cabeça?”.