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COBRA NORATO Raul Bopp. COBRA NORATO – CONTEÚDO NARRATIVO DE CADA SEGMENTO – I – “Um dia eu hei de morar nas terras do Sem-fim”
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COBRA NORATO Raul Bopp
COBRA NORATO – CONTEÚDO NARRATIVO DE CADA SEGMENTO – I – “Um dia eu hei de morar nas terras do Sem-fim” Este é o verso de abertura. O desejo do Poeta. A ideia de BUSCA. O Poeta estrangula a Cobra Norato, mete-se em sua pele e começa a correr o mundo. Quer visitar a Rainha Luzia. “Quero me casar com sua filha”.
II – “Começa agora a floresta cifrada” O Poeta entra na floresta “cifrada”; a floresta que tem de ser decifrada, entendida, compreendida. Sombras, sapos, pedaço de mato, árvores, fio d’água, lama, atoleiros, o Bicho do Fundo, a selva imensa. Sempre buscando a filha da Rainha Luzia, buscando suas pegadas.
III– “Sigo depressa machucando a areia Erva-picão me arranhou.” O Poeta continua sua busca pela floresta, que se revela pouco a pouco. Caules gordos, galhinhos fazendo psiu. Moitas de tiririca, um charco de umbigo mole. Tais elementos compõem o quando da travessia do Poeta, em busca da filha da Rainha Luzia.
IV – “Esta é a floresta de hálito podre parindo cobras.” É a descrição da floresta parada, imensa nas águas podres. Rios magros, raízes despenteadas, o charco que engole a água do igarapé, o fedor, o pau seco que despenca, o sapo que pergunta: “Quem é você? – Sou Cobra Norato/ Vou me amasiar com a filha da Rainha Luzia.”
V – “Aqui é a escola das árvores Estão estudando geometria.” Árvores cegas de nascença que têm de obedecer ao rio. São as escravas do rio. Na “escola das árvores”, as árvores cantam em uníssono, como as crianças, na escola primária: “Ai ai! Nós somos escravas do rio.” As árvores fazem sombras para afogar o homem.
VI – “Passo nas beiras de um encharcadiço Um plasma visguento se descostura e alaga as margens debruadas de lama” O Poeta avança, sempre mais, na pele da Cobra Norato, fura paredões moles, cai num fundo de floresta mal assombrada, soldados fabricam terra, o mato amontoado se derrama no chão, arbustos desconhecidos, vento-ventinho, etc.
VII – “Ai! Tenho presa. Vou andando Furo tabocas - onde estou?” Árvores de galhos idiotas, águas defuntas esperando apodrecer, raízes com fome, carobas sujas, açaís pernaltas, miritis, sapo sozinho, o ronco do trovão, a sombra com os horizontes.
VIII – “Desaba a chuva levando a vegetação” A tempestade assola a floresta, nuvens negras, palmeiras voltadas para o céu, as tiriricas fogem, as saracuras piam, guariba puxa rezas lagoas se arrebatam, galhos secos despencam... O “céu tapa o rosto/ Chove... Chove... Chove...”
IX – “Ai que estou perdido Num fundo de mato espantado mal-acabado” Cobra Norato (o Poeta) fica na lama, depois da tempestade. Aparece alguém na escuridão: o Tatu de bunda-seca. O Poeta pede auxílio para sair do lodaçal (“goela podre”). Responde o Tatu: “Então segure no meu rabo que eu le puxo”.
X – “Agora quero um rio emprestado pra tomar banho” É uma imagem. Os rios estão sujos de lama, o Poeta quer um rio limpo para tomar banho e dormir “três dias e três noites/com o sono do Acutipuru.”
XI – “Acordo O silêncio dói dentro do mato” Aparecem as estrelas, depois da tempestade, as águas refluem. O Poeta explica sua vontade: ouvir música mole, “música com gosto de lua” e do corpo da filha da Rainha Luzia. O Poeta prossegue.
XII – “A madrugada vem se mechendo atrás do mato” Dia claro, depois da noite de lua “ com olheiras” (crescente/minguante). As raízes acordam, o rio vai para a escola estudar geografia, gaivotas, árvores acocoradas. Os horizontes chamam o Poeta que tem de prosseguir na busca, na travessia.
XIII – “Solzinho Infantil cresceu engordurado e alegre” A floresta atravancada, fechada. Rios escondidos, que surgem aqui e acolá. O sol forte. XIV– “Meio dia de um céu demorado” O sol que começa a secar tudo. Dormem os sáurios.
XV – “Céu muito azul Garcinha branca voou voou Pensou que o lago era lá em cima.” Modorra, o mormaço, passarão que voa sozinho no silêncio. XVI – “Mar fica longe, compadre? - Fica São dez léguas de mato e mais dez léguas. - Então vamos.” Começa a escurecer, a tarde fica vermelha, sombras se alongam, um inhambu, um grito de pixi-pixi, a noite “encalhou com um carregamento de estrelas.”
XVII – “A floresta vem caminhando - Abra-se que eu quero entrar” O charco começa a secar; um rio filhote passa pedindo para o sol não aparecer, senão ele seca; não há comida, a água da lagoa parou. XVIII – “Vou me estirar neste paturá para ouvir barulhos na beira de mato e sentir a noite toda habitada de estrelas.” Quem sabe as estrelas não teriam visto o rasto da filha da Rainha Luzia? O silêncio total da noite quente.
XIX – “Mar desarrumado de horizontes elásticos passou toda a noite com insônia monologando e resmungando” O mar quebrando suave na areia, falando sozinho (marulhando) “De onde vem tanta água, compadre?”
XX – “Começa hoje a maré grande” A pororoca vai começar com a lua (cheia). É preciso andar de pressa. XXI - “Noite pontual Lua cheia apontou, pororoca roncou.” A pororoca vem, em vagalhões imensos. As ilhas somem, a vegetação desaparece, a água invade a floresta, as árvores se rompem, a pororoca traz de volta a terra que fugiu com a correnteza.
XXII – “Paisagem encharcada o luar espesso amansa as águas árvores parecem pássaros inchados” A reversão do rio, o mar inverte o fluxo, a polpa de mato que surge ao longe: o melhor é navegar para ela, aproveitando a enchente. XXIII – “Noite grande” Navega-se num braço de mar e num céu que não acabam mais. “Há tanta coisa que a gente não entende, compadre/ - O que é que haverá atrás das estrelas?”
XXIV – “Compadre, eu já estou com fome Vamos lá pro putirum roubar farinha?” O cunhado jabuti sabe o caminho para o Putirum. Joaninha Vintém, a farinheira conta o causo do Boto. XXV – “A festa parece animada, compadre - Vamos virar gente pra entrar? - Então vamos.” O Poeta entra na festa, dizendo um verso quebrado para a dona da casa. Um golinho de cachaça, e mais “chorado” na viola.
XXVI – “Noite está bonita Parece envidraçada” As pororocas dormem na beira do rio, os jacarés em férias, uma suçuarana que passa de leve, vento suave. XXVII – “Mais estrelas adiante uma pajelança.” É a sessão com o Pajé, o feiticeiro da tribo. O Pajé atende aos que o solicitam, fazendo suas benzeduras e suas mágicas.
XXVIII – “A floresta se avoluma Movem-se espantalhos monstros riscando sombras estranhas pelo chão.” O luar no mato sonolento. A paisagem no silêncio. Ruídos que anunciam o trem Maria-fumaça, que passa. Um navio que se vai.
XXIX– “Escuta, compadre O que se vê não é navio. É a Cobra Norato.” O Navio é a Cobra Grande que vai em procura de uma virgem. Casamento de Cobra Grande chama desgraça. É preciso fazer mandinga para afastar a Cobra Grande. XXX – “Abre-te vento que eu te dou um vintém queimado” É preciso passar pelo mundo mágico, em busca da Cobra Grande. O Poeta leva um anel e um pente de ouro para a noiva da Cobra Grande.
XXXI – “Esta é a entrada da casa da Boiúna” A Boiúna é o outro nome da Cobra Grande. Um Cururu está de sentinela. O Poeta desce a grota cheio de medo. Passa uma canoa carregada de esqueletos. O Poeta avista a noiva de Cobra Grande. Fica surpreendido: é a filha da Rainha Luzia que ele estava procurando. A Cobra Grande vai acordar. A Cobra Grande vem vindo, o Poeta fugindo, pedindo auxílio para despistá-la. Pajé-pato, a pedido do Poeta, ensina o caminho errado para Cobra Grande. A Cobra Norato se salva, enquanto a Cobra Grande, no caminho errado, entra com a cabeça no cano da Sé, e fica com ela enfiada “debaixo dos pés de Nossa Senhora”.
XXXII– “E agora, compadre vou de volta pro Sem-fim.” É o canto e o desejo da Cobra Norato (o Poeta). Ir para as terras altas, levar consigo a noiva, filha da Rainha Luzia. XXXIII – “Pois é, compadre, Siga agora o seu caminho.” É o canto final do Poeta (Cobra Norato), o epílogo. Dirige-se ao compadre que o acompanhou na aventura. As pessoas convidadas para o casamento se encontram no poema.
ESTUDO SOBRE O POEMA Exemplo da estética antropofágica – põe em movimento o ritual de devoração das tradições, da mescla do universal com o local. Há no poema ecos das epopeias greco-latinas, nas quais um personagem atravessa mundos desconhecidos em busca da superação dos próprios limites. A lenda, o mito e o folclore em que Bopp se baseia para construir sua história são oriundos das narrativas colhidas entre índios, negros, caboclos, ribeirinhos, etc., com quem o poeta conviveu ao longo de sua viagem.
Poema: drama épico e mitológico nas selvas amazônicas, incorporando à moderna estrutura do verso livre elementos do folclore e da fala regional, fundindo imagens originais com o ritmo tenso, sintético, sincopado, quase telegráfico. O poema “Cobra norato”, trata da história de um eu poético que mergulha no mundo maravilhoso do sonho, encarna a cobra lendária da Amazônia e segue para as “ilhas decotadas”, isto é, as terras do “sem fim”, em busca da mulher desejada.
A aventura de Cobra Norato segue o padrão de unicidade ao descrever a trajetória do herói mítico: PARTIDA (SEPARAÇÃO)/ INICIAÇÃO/RETORNO. “Um dia Hei de morar nas terras do Sem-fim Vou andando caminhando caminhando Me mistura no ventre do mato mordendo raízes.” Expressa o desejo do narrador de retornar às origens, portanto, à mãe. O herói vive o momento do sonho, configurado pelo tempo “um dia”. Ao penetrar no “ventre” da floresta, ele segue por tortuosos caminhos, logo sente que “(...) o sono escorregou nas pálpebras pesadas”.
O termo “sem fim” remete para os horizontes sem fronteiras do imaginário, confirmando, dessa forma, a irrupção do inconsciente. Inspirado na experiência pessoal, o poeta tenta transmitir em seus versos o sentimento de deslumbramento e de terror que a floresta infunde no estrangeiro que adentra seus domínios. A personificação da floresta é um recurso recorrente na construção de “Cobra Norato”. Por meio desse artifício, o autor reitera o caráter mítico de sua narrativa, igualando num só nível os universos humano, animal e vegetal.
A justaposição de imagens na composição dos cenários da floresta é índice do dinamismo descritivo de “Cobra Norato”. Busca-se associar a linguagem ao ritmo da viagem, recurso que aproxima a forma e o sentido do poema. Na pororoca, o mar e o rio são elementos díspares que se enfrentam, devorando e transformando tudo em volta, o que é uma alegoria do Movimento Antropofágico. A violência extasiante da cena é apresentada numa sucessão de imagens, por meio da exploração musical dos signos em suas recorrências aliterativas. “Noite pontual Lua cheia apontou, pororoca roncou. Vem que vem vindo como uma onda inchada Rolando e embolando Com a água aos tombos.”