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MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR. Oswald de Andrade. MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR. Autor : Oswald de Andrade Escola Literária: Modernismo — 1ª Geração Ano de Publicação: 1924 Gênero: Romance Temas: Sátira à burguesia paulista (casamento por interesse, futilidade)
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MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR Oswald de Andrade
MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR • Autor: Oswald de Andrade • Escola Literária: Modernismo — 1ª Geração • Ano de Publicação: 1924 • Gênero: Romance • Temas: Sátira à burguesia paulista (casamento por interesse, futilidade) • Divisão da Obra: 163 Episódios • Local: São Paulo • Narração: 1ª Pessoa (Narrador—Personagem)
LINGUAGEM • A linguagem empregada nesta obra é telegráfica. O autor não narra, mas sugere através de capítulos curtos uma história com começo meio e fim. Contudo, cada capítulo é uma unidade que até pode ser lida independente das demais. O sentido de cada parte não se perde fora do contexto geral da obra. • Mas, isto não quer dizer que a prosa de Oswald de Andrade seja fácil. Ao contrário, cada um dos capítulos, apesar de extremamente curto, é uma charada, um enigma a ser desvendado. Oswald não facilita o trabalho do leitor.
LINGUAGEM • Seu estilo opõe-se de um lado aos exageroscientífico-detalhistas da escola Realista e à passionalidade-emotiva da narrativa da escola Romântica. Em cada um dos capítulos o trabalho essencial do autor foi com a linguagem. Não se deixou envolver nem pela ciência nem pela emoção, filtrou a ambas procurando dar uma nova conformação à literatura.
LINGUAGEM • No início, a linguagem fragmentada lembra muito a maneira de falar das crianças. Miramar (o narrador), relata sua infância. • A narrativa é ágil, funcional, quase um fluxo de consciência. O narrador intencionalmente não pretende fixar-se neste ou naquele detalhe que retrata ao leitor, antes os mistura intencionalmente para sugerir sua falta de capacidade de concentração (exatamente como uma criança). Prova disto é o último parágrafo, em que as ideias referidas anteriormente adentram na oração desfigurando-a, mudando seu sentido. • A ausência de pontuação reforça a tese de que o narrador relata sua infância como se fosse uma criança.
1-O PENSIEROSO (Em italiano: Pensativo) • "Jardim desencantoO dever e processões com páliosE cônegosLá foraE um circo vago e sem mistériosUrbanos apitando noites cheiasMamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.- O anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus.Vacilava o morrão do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim esquecido avermelhava.- Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não tem pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que nas pernas, amém."
LINGUAGEM • À medida que a obra prossegue e o narrador vai crescendo, a narrativa também vai se modificando. Começa o trabalho mais detalhado com a linguagem. • 33- VELEIRO • " A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto, cucava té uma escala de piano acordar o navio.Madame Rocambolamulatava um maxixe no dancing do mar.Esquecia-me olhando o céu e a estrela diurna que vinha me contar salgada do banho como estudara num colégio interno. Recordava-me dos noivados dormitórios de primas.Uma tarde beijei-a na língua."
LINGUAGEM • No capítulo 33, fica evidente que a preocupação do narrador já é outra, diferente daquela existente no início. Aumenta a intensidade do substantivo "tarde" com um verbo criado a partir dele mesmo "tardava". Cria o verbo "mulatava" para designar a ação da personagem de unir o nacional (maxixe) e o estrangeiro (dancing). A narrativa já não é um fluxo de consciência, mas o produto de um trabalho poético em que não se abre mão do emprego da metáfora ("...a estrela diurna vinha me contar salgada do banho...").
Em alguns momentos a poesia vai tomar integralmente o texto. • 52- INDIFERENÇA " Montmartre (local na região da Boêmia)E os moinhos do frioAs escadas atiram almas ao jazz de [pernas nuas Meus olhos vão buscando lembrançasComo gravatas achadas Nostalgias brasileirasSão moscas na sopa de meus [itineráriosSão Paulo de bondes amarelosE romantismos sob árvores [noctâmbulas Os portos de meu país são bananas [negrasSob palmeirasOs poetas de meu país são negros .Sob bananeiras As bananeiras de meu paísSão palmas clarasBraços de abraços desterrados que assobiam E saias engomadasO ring das riquezas Brutalidade jardimAclimatação Rue de La paix ( Rua em que 1858, Charles Frederick Worth, estilista famoso)Meus olhos vão buscando gravatasComo lembranças achadas"
LINGUAGEM • Miramar (o narrador) é sem dúvida alguma um poeta modernista dialogando com a literatura romântica à medida que refere-se à sua viagem ao exterior . Não podemos deixar de notar a evolução que vai ocorrendo lentamente na arte do narrador. Da infância para a mocidade, desta para a maturidade (tomada de consciência de sua própria cultura). • Mas, não é só de poesia que o narrador serve-se para sugerir sua história. Há momentos em que a linguagem é referencial.
79-TERREMOTO • "O Pantico estava na Bélgica em pleno perigo de ser fuzilado ou morrer de fome.Mas depois de copos espumantes de leite eu acreditava de geografia aberta sobre a mesa que a situação dos alemães não era brilhante. Em vinte dias, eles apenas tinham entrado em Bruxelas e tomado Liège, a cidade, conservando-se nas mãos dos heróis belgas a linha de fortes quase completa. E na fronteira intacta da França deviam reunir-se com certeza nessa hora dois milhões de soldados.Molestados pelo flanco em Antuérpia, sem poder esquecer o exército francês vitorioso na Alsácia Lorena e a avalanche russa que ameaçava Thorn e Danzig, era de prever-se o esmagamento desses bárbaros em algumas semanas. E se a Itália entrasse contra a Áustria nos primeiros dias de Setembro, como era certo, a guerra podia terminar por nocaute científico nesse mesmo mês."
LINGUAGEM • Conquanto Oswald empregue algumas metonímias ("... de geografia aberta sobre a mesa" = mapa) a linguagem deste capítulo difere das demais. É predominantemente referencial. Há uma adequação entre a seriedade do tema tratado (a guerra) e a linguagem empregada pelo narrador, deixando transparecer que num momento (ou tema) como aquele a poesia cede ou deve ceder espaço à prosa.
LINGUAGEM • A ironia é muito presente na obra. É empregada para demolir a sociedade burguesa, revelando seu verdadeiro valor moral, que para Oswald é monetário.
IRONIA • "...E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32) A Letra de Câmbio é um título de crédito inventado na Idade Média para possibilitar as transações à longa distância. Empregando-as, os negociantes evitavam o transporte de somas elevadas em dinheiro, diminuindo o risco de serem aliviados por salteadores. A Letra de Câmbio desempenhou e ainda desempenha um papel importante nas relações econômicas capitalistas. Ao referir-se a ela, Oswald evidencia o caráter essencialmente econômico das relações sociais burguesas.
IRONIA Em dois momentos, o casamento (principal instituição burguesa da época) é ferido mortalmente pela pena do autor: • "...o casamento é um contrato indissolúvel." (Cap. 42) • "...separação precavida de bens." (Cap. 62)
Em alguns momentos o trabalho do narrador cede espaço para o registro fiel da oralidade na escrita tal como praticada por outras pessoas. • 130- RESERVA" 21 de AbrilSeu Dr.Peguei hoje na pena para vos Felicitar os nossos antes Passado sendo um dia de grande gala, para nós no nosso Grande Brasil sendo o dia do nobre Brasileiro Tiradentes que foi executado na forca, mais tudo passa vamos tratar do nosso futuro que é melhor os passado eram bobos, por aqui todos Bom grassas a Deus o mesmo a todos que aí estão..."
AMBIGUIDADE: • "...conspurcada vindos em bonde dos tabeliães protestantes." (Cap. 145) Nesse fragmento, fica-se sem saber se os tabeliães professam a religião protestante ou se protestaram (cobraram através de Cartório) o narrador. • "...bestenamorada dum mineiro de minas." (Cap. 154) Aqui, não se sabe se mineiro é o natural de Minas Gerais, filho de cidadãos daquele Estado ou se é o operário que trabalho em mina.
SINTAXE • Em todos os fragmentos citados é evidente que a sintaxe empregada na obra segue um padrão diferente do usual. Os elementos da frase são embaralhados, a classificação das palavras intencionalmente destruída. Com isto, Oswald coloca em xeque a própria capacidade de o leitor ler a obra a partir da língua que domina. "Memórias Sentimentais de João Miramar" não é apenas uma obra escrita sob influência cubista é uma obra cubista em todos os sentidos.
RECURSOS EXPRESSIVOS • METONÍMIA – • "... de geografia aberta sobre a mesa..." (Cap. 79) = mapa • ONOMATOPEIA – • "...No silêncio tique-taque..." (Cap. 8) • "Dez horas da noite, o relógio farto batia dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão!
RECURSOS EXPRESSIVOS • ANTÍTESE- • "silêncio/ tique-taque (barulho) " (Cap. 8) • HIPÉRBATO – • "... mapas do secreto Mundo." (Cap. 9) em vez de "...mapas do Mundo secreto.“ • ALITERAÇÃO - "...punha patetismos pretos..." (Cap. 22)
RECURSOS EXPRESSIVOS • PARADOXO - "...Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis..." (Cap. 119) • PROSOPOPEIA (PERSONIFICAÇÃO) - "... Depois casas baixas desanimaram a planície cansada." (Cap. 113) • SINESTESIA - "... de janelas cerradas e acesos silêncios." (Cap. 153) • O emprego de TROCADILHOS é comum na obra:- "... sátiras à sociedade de sátiros..." (Cap. 72)
INTERTEXTUALIDADE • A exemplo de outros escritores, Oswald também realiza diálogos intertextuais, fazendo referência aos seguintes autores, personagens e obras: • - O primo Basílio (Eça de Queiroz) Cap. 100 • - Herodes (Bíblia) Cap. 98- LordByron (poeta romântico) Cap. 155- Virgílio (poeta latino) Cap. 163 • Faz referência à vanguarda artística europeia (Picasso[pintor], Satie [músico francês]e João Cocteau [poeta, romancista dramaturgo, ator]- Cap. 51, Isadora Duncan [pioneira da dança moderna]- Cap. 47).
MISCELÂNEA LINGUÍSTICA • Também é marcante o emprego de vocábulos e expressões em línguas estrangeiras:- Inglês +Francês+Espanhol + Italiano: "dancing habitué encuentro de ustedes si sinhore / It is very beautiful! Mademoiselle / board-house tour du monde / Albany Street goudron-citron / Latim : Res non verba!"[ ‘Fatos, não palavras’] • A obra registra também uma variante do português resultante da influência da migração árabe:- "- Aqui nong teng acordo. Teng pagamento! " (Cap. 148)
LINGUAGEM • Há um momento que Oswald recorre a todas as línguas e língua nenhuma:- "...Os Estados Unidos é cotuba [Cotuba (cutuba) é uma palavra de origem tupi que significa "corajoso"]. All right. Knock Out! I and my sisters speak french. Moi et ma soer nos savonspaletrebienleFrançais. Eu e a minha ermam sabemos falal o francês..." (Cap. 68) • Ao destruir e reconstruir diversas línguas em busca de novos significados e formas de expressão, Oswald deve ter escandalizado seus contemporâneos. Ainda hoje a leitura de passagens como estas causam um certo espanto, embora o recurso já tenha sido universalizado por Umberto Eco (em o Nome da Rosa o personagem Salvatore fala uma língua que mistura latim, italiano, francês, espanhol, etc..., ou seja, fala todas as línguas e nenhuma ).
LINGUAGEM • Ao longo da obra Oswald cria diversos neologismos. Dentre eles destacamos um para dar uma ideia da riqueza da criatividade do autor:- OURINÓIS (Cap. 138) = OURO (metal precioso) + URINOL (recipiente empregado para colher urina). • Através deste neologismo, criado a partir de duas palavras de campos semânticos distintos, mas que guardam uma interseção gráfica (UR), Oswald redefine o valor do urinol e do ouro, zombando da burguesia que emprega ambos. Além disso, "OURINÓL" é um neologismo difícil de classificar, pois traz em si a ideia de um substantivo e ao mesmo tempo de um adjetivo (dourado). Consideremo-lo, para efeito deste trabalho como um substantivo. • O maior recurso expressivo empregado pelo autor é a criação de vocábulos.
Verbos • Vagamundear • gramática note-americava • tombadilhavam • cosmoramava • tardava • mulatava • sentinelando • gondolamos • turcavam • guardanapando • boulevardearam • verticalavam • pullmavam
Verbos • guardanapando • boulevardearam • verticalavam • pullmavam • frigorificavam • eldoradava • morenava • fox-trotar • transatlanticarem • beiramarávamos
Verbos • bandeiranacionalizavam • britanizávamos • fordei • grandilocou • esperançava • taxizara • cilindravam • parisiavam
Substantivos • Cornamusas • neopropriedades • comerciaturos • reisreais • jantar • ourinóis • caradura • respeitabundos • bestenamorada
Substantivos • pince-nez • quilometraram • reisreais • jantar • ourinóis • caradura • respeitabundos • bestenamorada • pince-nez • quilometraram
Adjetivos: • automobilizados • espinafrado • fazendeiral • institutal • paisajal • mulatal • perdoadora • pianal • quilometrais • charutal
Adjetivos: • bolsentas • fascícolas • gramofônica • alfandegueiros • apelidais • figueiradal • calomelânica • criadais • fortunais • ramazevedos • matadoural • carbogramado • marideiro • lanteijoulante
A sátira aos diferentes tipos sociais de São Paulo do início do século XX • Memórias sentimentais de João Miramar, assim como Amar, verbo intransitivo, apresenta diversas críticas à sociedade paulista do início do sécuIo XX: • a) O motivo da separação de Célia e João Miramar, além da amante ( seria tolerável), é a falência financeira dele, após investir na indústria cinematográfica • *"A margem disso o caso financeiro negreja no horizonte. O Senhor adquiriu rapidamente uma reputação de dilapidador." (Cap. 142)
A sátira aos diferentes tipos sociais de São Paulo do início do século XX • b) O interesse do pai pela filha só ocorre após a morte da mulher: • *"Foi à ele que corri na aflita busca de minha Celiazinha, feita milionária e só pelo Deus das revisões do processo." (Cap. 157) • c) Através do livro, o autor ressalta e satiriza o caráter patrimonial das relações sociais burguesas: • *"E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)
A sátira aos diferentes tipos sociais de São Paulo do início do século XX • d) Em duas oportunidades Oswald registra a utilização de dinheiro público para viagens de artistas ao exterior. • *"Dalbert de subsídio e trombone ia partir para a conquista da Europa." (Cap. 26) • *"João Jordão que não era artista nem nada parecida magro e uma tarde arranjou subsídio governamental para estudar pintura em Paris." (Cap. 22)
A sátira aos diferentes tipos sociais de São Paulo do início do século XX • e) Personagens com apego excessivo ao dinheiro. • * “É sempre assim. E a fortuna de papai vai por água abaixo.” • * “Você me insulta Célia. Mas hei de mostrar que sei ganhar dinheiro como seu pai”. • f) A obra apresenta uma crítica ao casamento como instituição burguesa (união por interesse): • *"Separação precavida de bens" (Cap. 62)
IDEOLOGIA • A linguagem também reflete uma escolha ideológica. Oswald quebra a forma usual de narrar, rompendo definitivamente com as escolas literárias que o antecederam, e com uma determinada concepção da língua portuguesa (abusa de neologismo, cria verbos, adjetivos, etc.).
IDEOLOGIA • Memórias Sentimentais de João Miramar é uma narrativa que se recusa a construir-se como tal. Assim, através deste verdadeiro mosaico que é a obra, Oswald de Andrade não pretende somente explodir as bases da literatura da época, mas também e principalmente implodir a sociedade burguesa e seus valores morais.