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O CONCEITO REPUBLICANO DE LIBERDADE EM PHILIP PETTIT. Academia Brasileira de Direito Constitucional Especialização em Teoria do Direito Teorias da democracia e da justiça Prof. Jairo Marçal jairo.marcal@uol.com.br. A liberdade republicana. Antes da liberdade negativa e da liberdade positiva
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O CONCEITO REPUBLICANO DE LIBERDADE EM PHILIP PETTIT Academia Brasileira de Direito Constitucional Especialização em Teoria do Direito Teorias da democracia e da justiça Prof. Jairo Marçal jairo.marcal@uol.com.br
A liberdade republicana • Antes da liberdade negativa e da liberdade positiva • Republicanismo e liberalismo - origens O republicanismo é uma tradição de pensamento político que encontra suas origens na Roma antiga (Cícero) e ressurge no cenário do Renascimento (com os humanistas cívicos e com o pensamento constitucional de Maquiavel). O liberalismo é uma tradição bem mais recente - emergiu ao final do século XVIII e desenvolveu-se nos séculos XIX e XX.
A liberdade republicana • O liberalismo, segundo alguns autores, é “o projeto recorrente de encontrar para o Estado uma justificação leiga, que estivesse ao abrigo de qualquer usurpação religiosa, absolutista e até mesmo populista”. Para outros, é “pura e simplesmente as expressão da tese segundo a qual o poder do Estado deve ser sistematicamente limitado”. De acordo com essa concepção, o republicanismo não passaria de um momento da história do liberalismo.Autores: Hobbes (não é um liberal, mas é o precursor da idéia de liberdade negativa), Locke, Benjamin Constant, Adam Smith, John Stuart Mill.
A liberdade republicana • Crítica liberal ao republicanismo Os defensores do liberalismo apresentam o republicanismo como uma filosofia nostálgica de noções de virtude cívica e participação dos cidadãos na vida política, portanto, distantes da realidade e dos interesses dos sujeitos do mundo moderno, (Lembrar das críticas de Constant a Rousseau e ao abade de Mably, em Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos - 1819) e apresentam o liberalismo como uma política racional e bem adaptada à modernidade, e que permite às pessoas desfrutar a liberdade e a felicidade individual, na medida em que o Estado as deixe em paz, que as deixe exercer, sem reservas, os instintos naturais: laisser faire.
A liberdade republicana • Liberalismo e republicanismo Convergências: defendem a democracia e o Estado de direito. Divergências: se opõem quanto às concepções de liberdade e da lei e quanto à maneira como entendem que as democracias funcionam e deveriam funcionar.
A liberdade republicana • Liberdade positiva e liberdade negativa A distinção entre essas duas concepções de liberdade foi estabelecida contemporaneamente por Isaiah Berlin (Dois conceitos de liberdade, 1958), embora a noção já tivesse sido colocada, com clareza, por Benjamin Constant (Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos, 1819). “(...) os conceitos positivo e negativo de liberdade desenvolvem-se historicamente em sentidos divergentes nem sempre através de passos reputáveis do ponto de vista da lógica, até que no final do caminho, entram em choque um contra o outro”. (Isaiah Berlin – Quatro ensaios sobre a liberdade)
Liberdade dos modernos • Segundo Benjamin Constant: É para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração. (Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos – 1819)
Liberdade dos antigos • Segundo Benjamin Constant: Esta última consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias partes da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliança, em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los comparecer diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los ou em absolvê-los; mas, ao mesmo tempo em que consistia nisso o que os antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatível com ela, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo. (Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos – 1819)
A liberdade republicana • Liberdade negativa: Pettit: liberdade negativa “é ser livre da ingerência do outro na busca de atividades que se é capaz, em uma dada cultura, de exercer sem ajuda do outro. É ser livre para pensar o que se quer, de dizer o que se pensa, de ir aonde se quer, de se associar com quer que esteja disposto a fazê-lo e, assim por diante no que se refere às liberdades tradicionais”.
A liberdade republicana • Liberdade positiva Para Pettit, a liberdade positiva supera a liberdade negativa, porque constitui-se como a liberdade de participar da autodeterminação coletiva da comunidade, como na imagem que Constant fornece da liberdade dos antigos; é estar liberto dos obstáculos internos que são a fraqueza, o instinto e a ignorância, assim como os obstáculos externos que imponham a ingerência do outro.
A liberdade republicana • A liberdade como não-dominação Os liberais assimilam a liberdade à ausência de ingerência. Os republicanos a assimilam ao fato de não estarem submetidos à ingerência do outro segundo a sua vontade, ao fato de estar colocado ao abrigo de tal ingerência. A liberdade de uma pessoa, equivale ao fato dela não estar submetida ao poder que o outro tem de prejudicá-la, ao fato de não ser dominada pelo outro. Liberdade como ausência de dominação.
A liberdade republicana • Ao definir a sua idéia de não-dominação como um ideal político de liberdade, Pettit apresenta três vantagens sobre a idéia de liberdade (negativa) como não interferência: 1) a não-dominação promove a ausência de insegurança. 2) a ausência da necessidade de submeter-se, ainda que estrategicamente, à opinião dos poderosos. 3) ausência da necessidade de uma subordinação social.
A liberdade republicana • Dominação sem interferência “Imaginemos a possibilidade de escolher entre deixar empregadores com muito poder sobre empregados, ou os homens com muito poder sobre as mulheres, ou utilizar a interferência do Estado para reduzir tais poderes. Se maximizarmos a idéia de liberdade como não-interferência, ela será compatível com os dois primeiros casos”. (p. 85)
A liberdade republicana • Interferência sem dominação • Posso sofrer ingerência em minhas escolhas, sem no entanto, estar sob dominação. Ex. O Estado, de acordo com a lei, poderia intervir na minha vida exigindo o pagamento dos meus impostos. Neste caso estaria sofrendo uma interferência (pressão), mas, não seria, necessariamente, objeto de dominação, afinal, os governantes só poderiam aplicar os impostos se fossem legitimamente empossados e agissem em conformidade com a lei, além do que, também estariam sujeitos aos impostos.
A liberdade republicana • A não-dominação como ideal político: argumenta em favor da capacidade da liberdade como não-dominação para servir de ideal orientador para o Estado. • Liberdade como não-dominação: ideal de eleitor; ideal de político; influência no modelo político representativo. • A liberdade republicana exige virtude cívica, retórica, participação política e, conforme Maynor democracia contestatória.
A liberdade republicana • A não–dominação enquanto ideal político é distintivamente igualitário e comunitário; • 1. Um ideal igualitário • Tratar como iguais aos indivíduos não necessariamente é torná-los iguais, pois nem todos recebem uma porção igual de bem.Ex:a igualdade do utilitarista pode ser muito desigual (p.150); • “A liberdade como não-interferência resulta desigualitária da mesma maneira que a utilidade;
Um ideal igualitário • A diferença da liberdade como não-interferência e da utilidade é que a liberdade como não-dominação revela uma natureza consideravelmente igualitária, mas pode ocorrer distribuição desigual de não dominação revelando na verdade atos estatais de dominação (p.151-152) • Iniciativas não dominantes de maior e de menor intensidade e alcance – permitir um leque maior de opções não dominadas, uns materialmente melhor que outros - Igualitarismo estrutural (p.153)
Igualitarismo Material • O Estado que pretende igualar os recursos das pessoas(ricos e pobres) tratando a todos de maneira igual, procede de maneira equivocada, pois ao pretender maximizar o nível global de não-dominação, na sociedade, acaba por impor mais limitações que eliminando; (p.159) • Enquanto o projeto republicano de promover a liberdade como não-dominação implica na igual intensificação da não-dominação, não necessariamente, introduz a igual extensão do alcance das opções não dominadas; • Igualitarismo estrutural não significa compromisso com nenhum tipo de igualdades materiais, exceto em certas contingências empíricas, que venham em apoio à instituição da igualdade estrutural. (p.160)
Um ideal comunitário • Podem existir exceções na liberdade como não-dominação – circunstância empírica especial; • “A comunidade inteira tem que aproximar-se ao ponto de ser ela mesma uma única classe de vulnerabilidade. Nessa circunstâncias a não-dominação tenderia a ser um bem comum pleno, pois resultaria mais ou menos impossível que um indivíduo qualquer aumentasse seu desfrute desse bem, sem que todos os demais o aumentassem simultaneamente”. (p.167) • Jean-Fabien Spitz: “Querer a liberdade republicana é querer a igualdade republicana; realizar a igualdade republicana é realizar a comunidade republicana”. (p.169) • Segundo Pettit, o que o aproxima de Spitz é tese de que “não há liberdade sem igualdade e justiça”. (p. 169)
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos Quanto aos eleitores: • Concepção preferencial do voto (próxima do liberalismo) – eleitores como consumidores; concepção individualista e utilitarista do voto. Vantagens apresentadas pelos seus defensores:é um modelo melhor adaptado à sociedade moderna por favorecer o objetivo utilitarista que constitui a satisfação global das preferências, a partir de manifestações individuais, sem recorrer à idéia de bem comum.
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos Quanto aos eleitores: • Concepção baseada no julgamento (mais próxima do republicanismo) – em vez de consumidores, os eleitores seriam “agentes de controle de qualidade” (ironia de Pettit à sociedade de mercado). Ao votar deixam registrado seu julgamento quanto à melhor opção para o conjunto da sociedade.
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos Quanto aos eleitores: • Concepção baseada no julgamento - vantagens, segundo seus defensores: 1.”se a população participa de debates e exprime suas opiniões sobre o que permite melhorar as políticas e sobre a questão de saber que conjunto de políticas é realmente o melhor, então haverá uma probabilidade crescente de que o melhor conjunto, segundo os critérios melhor defendidos, seja efetivamente o escolhido”.
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos Quanto aos eleitores: • Concepção baseada no julgamento - vantagens, segundo seus defensores: 2. “se a população participa dessas atividades, isso aumentará a qualidade da participação política e da comunidade no seio da sociedade. Desperta o cidadão para o tema do interesse público”.
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos • Quanto aos políticos (homens públicos): Político negociador (mais próximo da concepção liberal) – o político negocia com os grupos de pressão oriundos da sociedade e com aqueles com os quais se confrontam no parlamento. Como diz Pettit: “eles ajustam o preço”. “Negociando uns com os outros, os homens políticos representarão as preferências de seus eleitores – não serão reeleitos se não os levarem em conta – e cada um fará o melhor para satisfazer as preferências”. O peso que dão a essas preferências é proporcional ao número de eleitores envolvidos e ao seu poder.
A Liberdade como não-dominação e o voto Ideal para eleitores e políticos • Quanto aos políticos (homens públicos): Político que debate e delibera (mais próximo ao republicanismo). “Seu objetivo não deveria ser obter o melhor resultado possível considerando seus objetivos prévios, mas procurar identificar, em uma troca deliberativa de informações e de argumentos (com eleitores e oponentes no parlamento), o que o bem público exige em todos os domínios, assim como as medidas que deveriam permitir fortalecê-los”.
Bibliografia BIGNOTTO, Newton. Maquiavel Republicano. São Paulo: Loyola, 1991. BIGNOTTO, Newton. (org) Pensar a República. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. BOBBIO, Norberto; VIROLLI, Maurizio. Diálogo em torno da República. Os grandes temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro: Campus, 2002. CARDOSO, Sérgio. (org.) Retorno ao republicanismo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. MAYNOR, John. Republicanism in the modern world. Cambridge: Polity Press, 2003. PETTIT, Philip. Republicanismo. Uma teoria sobre la libertad y el gobiern. Buenos Aires: Paidós, 1999. PETTIT, Philip. Liberalismo e republicanismo. In:CANTO-SPERBER. Monique (org.) Dicionário de ética e filosofia moral, v. 2, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. SANDEL, Michael. El liberalismo y los limites de la justicia. Barcelona: Gedisa, 2000. SKINNER, Quentin. Liberdade antes do liberalismo. São Paulo: Ed. Unesp, 1999. VIROLLI, Maurizio. Republicanism. New York: Hill and Wang, 2002.