430 likes | 571 Views
A NARRAÇÃO DOS FATOS. A petição inicia seu texto propriamente dito com a narração dos fatos. A divisão entre “OS FATOS” (a narrativa) e “O DIREITO”( a argumentação) tem função prática de orientar o leitor quanto aos dois tipos de textos distintos (organização/didática).
E N D
A petição inicia seu texto propriamente dito com a narração dos fatos. • A divisão entre “OS FATOS” (a narrativa) e “O DIREITO”( a argumentação) tem função prática de orientar o leitor quanto aos dois tipos de textos distintos (organização/didática)
É impossível que um texto seja puramente narrativo ou puramente argumentativo. • Pode-se apenas dizer que um trecho da petição tem maior conteúdo narrativo e outro, maior conteúdo argumentativo.
Todo conflito posto à apreciação do Poder Judiciário surge de: • fatos juridicamente irrelevantes (a lei não lhes impõe qualquer efeito ou sanção) • Fatos juridicamente relevantes (trazem consequências jurídicas)
Fatos juridicamente relevantes →trazem consequências jurídicas prescritas pela lei, tendo por base elementos culturais e políticos que interferem em sua elaboração. →cada preceito jurídico é direcionado, direta ou indiretamente, a fatos concretos, impondo-lhes um juízo de valor:
As normas jurídicas regem os elementos fáticos. • Assim, não é possível argumentar sobre a aplicabilidade dos preceitos jurídicos sem que, antes, mostrem-se os fatos que reclamam intervenção do Poder Judiciário.
Os fatos →vão determinar as normas jurídicas aplicáveis • Narrativa dos fatos • →precede sempre à articulação das teses jurídicas (o Direito)= a argumentação jurídica • →tem um conteúdo meramente informativo
Características do texto narrativo • → é figurativo: se desenvolve por meio de personagens que atuam sobre a realidade de determinada maneira, transformando-a. “ O querelado, no dia primeiro de janeiro do corrente ano, telefonou para dois dos clientes do querelante, afirmando-lhes que os serviços deste eram mal elaborados, e, mais, que o querelante era um mau profissional.
Ainda não satisfeito com tal atitude, telefonou, dois dias depois, à secretária de um terceiro cliente, informando que lhe estaria passando um fax. • Naquela oportunidade, aproveitou para falar a ela que a mensagem do fax constituía-se de um texto que explicava o descontentamento do querelado com os serviços do querelante. Foi o que de fato fez:
transmitiu via fax o texto de fls. 10, que contém difamações severas, atingindo a honra objetiva do querelante, como se demonstrará posteriormente.” • Para comprovar a existência da difamação, o patrono teve de narrar os fatos, envolvendo personagens ─ querelante, querelado, secretária e três clientes), bem como coisas (fax, o texto), que assumem posições no desenrolar dos acontecimentos.
Construir uma narrativa é mostrar, no texto, a ação de um personagem que opera uma transformação em seu meio. • Em toda narrativa, alguém age e muda o estado das coisas, alterando o status quo ante • Essa mudança na realidade representa o núcleo de toda a narrativa, e somente pode ocorrer pela ação e combinação das figuras apresentadas.
→transcurso do tempo: as figuras são apresentadas ao leitor de acordo com uma ordem (transcurso do tempo) • Lapso temporal → eixo principal da coerência narrativa • Indicação do transcurso do tempo • →é essencial ao discurso narrativo • →pode aparecer de modo explícito (determinação de data e hora) ou
de modo implícito ( a referência a um marco histórico ou a própria sequência das ações, que permite ao leitor depreender o passar do tempo etc)
Progressão da argumentação =lógica (representa o encadeamento de ideiasque se combinam) • Progressão da narrativa= temporal (indicadoounão, o tempo é o únicoelementoqueordena as açõesnarradas)
Elementos estruturais da narrativa • O quê: o fato que se pretende contar • Quem: as partes envolvidas • Como: o modo como o fato aconteceu • Quando: a época, o momento, o tempo do fato • Onde: o registro especial do fato • Por que: a causa, o motivo do fato • Por isso: resultado ou consequência do fato
Primeiro passo: selecionar os fatos a serem narrados → de todos os elementos que podem fazer parte da narrativa, o autor deve, como primeiro passo, escolher aquele que julga relevante. • Mas como definir os fatos relevantes?
I Os fatos que são juridicamente relevantes. • II Os fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente relevantes. • III Os fatos que contribuem para a ênfase de • outros mais importantes. • IV Os fatos que satisfazem a curiosidade do leitor ou lhe despertam interesse na leitura.
Os fatos que são juridicamente relevantes são aqueles que importam diretamente para a aplicação da norma jurídica. • Como a norma é um paradigma de ações previsíveis, os fatos que são juridicamente relevantes são aqueles que se enquadram em tais modelos.
Só são inseridos no texto os elementos que realmente influenciam a aplicabilidade da lei penal. Vejamos o exemplo: • “(...) • Consta do incluso inquérito policial que, no dia 13 de maio de 1996, no bairro Bonjardim, nesta comarca de São Paulo, Hermelindo matou a tiros a vítima Hermeto, por meio que impossibilitou a defesa do ofendido.
Conforme apurado, Hermeto saía de um bar quando alguém o chamou e, assim que ele se virou para olhar quem clamava seu nome, foi surpreendido pelos disparos, sem poder esboçar qualquer reação. • Testemunhas reconheceram o autor dos disparos fatais como sendo Hermelindo. O motivo do crime não foi apurado.
II. Fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente relevantes. • Os fatos juridicamente relevantes não ocorrem isolados, mas sim dentro de um contexto próprio, que deve ser exposto ao leitor, para que se entendam as particularidades da demanda. • Os fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente relevantes funcionam como
modo de que o leitor compreenda esse contexto das ocorrências e, mais, para que compreenda o processo em que os termos juridicamente relevantes ocorreram, seu desenrolar.
O fato juridicamente relevante • não é autoexplicável. Para ser compreendido, ele necessita de outros fatores que, embora não interfiram na capitulação legal, criam o campo para a ocorrência dele, ou, no mínimo, situam o ouvinte em um contexto maior.
“O autor, na madrugada do dia 13 de maio de 1999, encontrava-se em uma festa de sua faculdade, a qual, devido ao adiantado da hora, já estava por findar-se. Procurando voltar para casa, o autor foi ao encontro do ora réu, seu vizinho, e perguntou-lhe se este lhe poderia dar uma carona, em seu carro, até a casa do autor.
II. Fatos que contribuem para a compreensão dos juridicamente relevantes=(contexto) • Festa que estava havendo • Pretensão do réu (estender a farra depois da festa) • Desapontamento porque o autor quis voltar para casa, desviando-o do caminho pretendido
Com esses fatos, o narrador permite ao leitor o entendimento mínimo do contexto, essencial para a instrução processual e para o próprio contraditório, o direito de resposta da parte contrária. • Conhecendo esses fatos, o magistrado já tem elementos para criar suas dúvidas a respeito do ocorrido: • Como foi a festa? Havia drogas?
O autor colaborara de algum modo para o acidente? • Será que o réu acelerou seu carro apenas para assustar o autor, vez que ele estava indisposto? • Alguém na festa vira o estado do réu ao sair? • Estava ele bêbado?
Para, na narração forense, tornar o fato juridicamente relevante minimamente compreensível ao leitor, formando a individualização e contextualização do evento, o autor do texto narrativo deve, sempre, procurar fazer com que seu texto tenha as respostas para estas sete questões:
O quê: o fato, a ação. (o acidente) • Quem: os personagens, agentes (autor e réu) • Como: o modo como se desenrolou o fato (a saída da festa, a aceleração do carro) • Quando: o momento ou a época em que ocorreu o fato (madrugada do dia 13 de maio de 1999)
Onde: lugar da ocorrência (Av. Nove de Julho, nº 45.502) • Por quê: a causa, o motivo do fato (a irritação do réu, sua imprudência ao dirigir) • Por isso: resultado ou consequência (0s danos ao autor, que serão descritos)
Os elementos que servem para a compreensão dos juridicamente relevantes podem vir a nestes se transformar, se sobre eles vier a incidir efeito da norma jurídica. Ex. • Se o acidente tivesse ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, o foro competente seria diverso.
Se o fato houvesse ocorrido há mais de 20 anos, passaria a incidir no contexto fático a norma insculpida no artigo 177 do CC, a prescrição da ação pessoal.
III Fatos que colaboram para a ênfase de outros • Quando o autor do texto passa a inserir novos elementos na narrativa, é porque todos os outros estão preenchidos: já se tem os fatos juridicamente relevantes e os elementos minimamente necessários para o entendimento de todo o contexto.
“O autor expôs sua vontade de ir para casa, dizendo que deveriam lembrar-se de que teriam prova na faculdade na semana seguinte e que por isso seria bom não abusar. • O réu persistia no seu intento de persuadir o autor a acompanhá-lo e, aparentemente descontrolado, fazia curvas em alta velocidade, rangendo os pneus, atravessava semáforos fechados, assim
expressava sua indignação ou desapontamento por ter de levar a casa o autor, enquanto este, temeroso, por várias vezes pedia para que a velocidade do carro fosse abrandada.
... O carro era dirigido no limite do controle humano, com freadas ríspidas, acelerações repentinas, que faziam o veículo atingir velocidade absolutamente incompatível com as vias por que passava. O descontrole mental do réu, talvez por causa de algum elemento alterador do humor consumido na festa, aflorava naquele momento. (...) Foi então que a vontade de demonstrar sua contrariedade tomou novo ímpeto: o autor acelerou...”
A inserção desses novos elementos só deve ser feita quando se tem certeza de sua pertinência, pois eles podem tornar a narrativa longa, confusa, cansativa ao leitor. • Portanto, da gama de fatos que chegam ao conhecimento do advogado, ele só deve selecionar esses últimos se tiver uma intenção clara e seu efeito no texto for benéfico
A função principal da narração jurídica não é, ao contrário da literária, a de emocionar e entreter, mas sim a de informar os fatos e, de forma implícita, persuadir. • Ocorre que a emoção, a persuasão e o interesse são elementos que se complementam, de modo que a leitura agradável não se pode dissociar da pretensão suasória, da “adesão dos espíritos” de que nos fala Perelman.
Esses elementos que buscam criar o conflito são de importância menor que aqueles que trazem informações básicas para a compreensão e individualização dos fatos juridicamente relevantes. • O redator iniciante deve se preocupar em selecionar elementos apenas para informar, deixando de lado a criação do conflito, até que tenha maior segurança
para fazê-lo, pois os elementos fáticos menos relevantes podem transformar a narrativa em uma construção pouco clara, que, em lugar de prender a atenção do leitor, vem a confundi-lo.
Fatos que satisfazem a curiosidade do leitor ou lhe despertam interesse na leitura. • Vários elementos fáticos enunciados no texto citado tendem a realçar uma conduta do réu: a imprudência ao dirigir. • Reiteram-se, no texto, elementos que, progressivamente, dão indícios de sua direção perigosa, querendo caracterizar a culpa do réu.
O autor da narração jurídica deve atentar para o fato de que a narração tem um escopo argumentativo, e alguns dos elementos que são selecionados para compor a narrativa vêm, ainda que de forma implícita, a colaborar para o reforço das ideias que serão expostas na argumentação propriamente dita.
Referências • RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Manual de redação forense. Curso de linguagem e construção de texto no Direito. 2. ed. ampliada com capítulo sobre monografia jurídica. Campinas: LZN Editora, 2002. • ____Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005