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A VENUS HOTENTOTE E O ESPETÁCULO DA DIFERENÇA. Michel Foucault, 1926-1984. Prisão da Petite Roquette. Interior da penitenciária de Stateville, EUA, séc. XX. Jardim Zoológico de Luís XIV, em Versalhes. Jardin du roi, gravure de (1636), criado em 1635,
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A VENUS HOTENTOTE E O ESPETÁCULO DA DIFERENÇA
Jardin du roi, gravure de (1636), criado em 1635, por Luíz XIII. Em 1793, foi criado o Muséum d´Histoire Naturelle nesse mesmo lugar, a partir deste foi criado em 1878 o Musée d´Etnographie du Trocadero que, em 1937, deu origem ao Musée de l´Homme de Paris.
caricatura de Sarah Baartman, a “Vênus Hotentote”, no século XIX
A fascinação inglesa pela Vênus Hotentote na imprensa francesa de 1812. O soldado examina sua esteatopigia, enquanto a senhora finge amarrar os sapatos para poder observar a genitália de Sarah. (Gould, The Flamingo’s Smile, p. 340)
“(...) Em 1619, fomos descobertos pelos portugueses que, além da “civilização”, nos trouxeram a sífilis, a varíola e a escravidão. Seguiram-se os holandeses, que nos impuseram o nome de Hotentote, que quer dizer “preto” em holandês, em razão do modo como nossa língua soava aos seus ouvidos. Eles introduziram a propriedade privada, o roubo das terras e os cercamentos. Depois vieram os ingleses, que nos organizaram em castas e em categorias. Para falar de si e dos seus semelhantes, eles diziam “os brancos”, e nós nos chamavam de “os hotentotes”, os bosquímanos, os negros e pretos, embora, que eu saiba, nenhum de nós jamais escolheu esses nomes. (...)” (CHASE-RIBOUD, 2004, 9).
Ela sabe que para eles não passa de um “demônio encarnado, coberto com pele negra, ao mesmo tempo símbolo e aviso para todos esses rostos congestionados e para todos esses corpos pressionados uns contra os outros: Deus pode puni-los como ele me puniu ao me expulsar não apenas do Éden, mas de toda a raça humana (...)” (CHASE-RIBOUD, 2004,13).
Dr. Cuvier pronuncia um discurso científico que aproxima a africana aos orangotangos, “Os senhores notarão que seus movimentos têm alguma coisa de brusco e caprichoso/teimoso que lembra os de um macaco. Seu caráter é alegre, sua memória é boa, e ela reconhece após algumas semanas uma pessoa que só viu uma vez. Como lhes disse, ela fala bem o holandês que aprendeu no Cabo, sabe um pouco de inglês e começa a dizer algumas palavras em francês. (...) A cabeça é notável por sua forma geral e por certos detalhes de seus elementos. Considerada no conjunto, é evidente que ela não tem exatamente os aspectos de uma cabeça de negro e que se aproxima muito mais da do orangotango (...)” (CHASE-RIBOUD, 2004, 331).
“(...) a raça branca à qual pertence o povo europeu civilizado com o seu rosto oval, a testa e o nariz retos parecem-nos ser, muito justamente, a mais bela de todas. Ela é superior às outras também por seu gênio, sua coragem e sua atividade. (...) Os Hotentotes constituem-se, pois, nos bárbaros os mais assustadores dentre os homens (...). Segundo Lineu, sérias questões se colocam a propósito de seu estatuto de homens. Os Hotentotes não têm língua para se comunicar, nem organização social; não crêem em nenhuma religião, nem cultivam a terra, não tem dinheiro (...) nem governo, nem residências fixas, nem conceito de propriedade(...) Eles formam a mais degradada das raças humanas, cujas formas se aproximam das dos animais (...)” (CHASE-RIBOUD, 2004, 335).
“Como notei anteriormente, a conformação de Sarah surpreende inicialmente pela enorme largura de seu quadril que ultrapassa 45 cms e pela saliência de suas nádegas que têm mais de 16 cms. O resto do corpo e dos membros não tem nada de disforme em suas proporções. Seus ombros, suas costas, e a parte superior do peito têm seu charme. A saliência do ventre não é excessiva. Seus braços são um pouco finos mas muito bem feitos e suas mãos...charmosas. (...)” (p.396)
“O Sr. Barão havia finalmente chegado a este lugar da África que ele desejava possuir acima de tudo.” “Uma gota de suor aparece na ponta de seu nariz comprido. Os olhos azuis celestes se abrasavam em febre ou fechavam em êxtase na medida em que ele prolongava o encantamento de sua meticulosa expedição. O gozo não estava longe...diante da África, o Continente negro, penetrado, sondado, violado pelos senhores do mundo.” (CHASE-RIBOUD, 2004, 397)
“Senhores, tenho a honra de apresentar à Academia os órgãos genitais de minha Vênus Hotentote, preparados de modo a não deixar nenhuma dúvida sobre a natureza de seu avental. O avental não é, como o naturalista Perón afirmou, um órgão específico de um tamanho particularmente grande, mas uma extensão das nymphas, as lábia minora da vulva, sobre um comprimento de dezenas de centímetros. Os lábia majora apresentam um inchaço hemicilíndrico de cerca de 8cm de cumprimento, cuja parte terminal se divide para formar duas pétalas amarrotadas de 6 cms de cumprimento sobre 2,5 de largura, arredondados na sua base num pequeno pedaço de carne.” (CHASE-RIBOUD, 2003, 396)
Na grande cadeia dos seres criados que faz do Hotentote o elo perdido entre a animalidade e a humanidade, Sara Baartman encarna perfeitamente a transição entre o macaco superior e o homem. O chipanzé, ou orangotango correspondem ao mais ao grau do animal. Daí sai o Hotentote brutal e a partir daí se desdobram a Razão e a Ciência...A grande cadeia dos seres criados...a grande cadeia dos seres criados...” (CHASE-RIBOUD, 2004, 398/9).
“Foi aí, no mês da lua cheia, no 8 de agosto de 2002, segundo os ingleses, que eu fui incinerada nos lugares onde havia brincado quando criança com os pingüins, onde minha mãe havia cantado a minha canção de nascimento. (...) Uma brisa africana se levantou, levando minhas cinzas e dispersando-as como asas no mar, cujas profundezas as engoliram. Um leão do Cabo, espécie já extinta mas que não o era ainda, veio sentar-se ao meu lado. Dois pingüins passaram balançando o corpo na superfície da água. Com um único “estalo” da língua, eu mandei um milhão de mulheres levantarem-se e testemunharem o meu suplício usando luvas vermelhas, em homenagem a mim, Sara Baartman. Depois, tudo retornou ao silêncio.”