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Senhoras e senhores internautas-espectadores Este programa não possui censura, é livre e foi feito especialmente para você!. Este programa foi originalmente produzido em preto e branco…. Novela de Benjamin Baseada na obra de Guilherme Figueiredo Tratado Geral dos Chatos
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Senhoras e senhores internautas-espectadores Este programa não possui censura, é livre e foi feito especialmente para você!
Este programa foi originalmente produzido em preto e branco…
Novela de Benjamin Baseada na obra de Guilherme Figueiredo Tratado Geral dos Chatos Direção: Daniele Rodrigues
A primeira novela das 8 saudável, inteligente, útil e sem intervalo comercial!
Trilha sonora original Ludwig Van Beethoven
COMO IDENTIFICAR O CHATO Só existem dois meios de identificar o chato: 1) Pela fama, conceito, reputação. 2) Pela experiência própria. O chato não permite reconhecimento pelo biotipo ou estrutura física. No primeiro caso, a notoriedade dispensa qualquer esforço de reconhecimento de nossa parte, pois seus dados já pertencem ao nosso universo de conhecimentos: a simples menção do nome, o simples aparecimento da fisionomia nos põem em alarma e inútil sobreaviso.
Quanto à experiência própria, o “estar sendo chateado” a que já nos referimos, resulta de uma série de estados emocionais e sintomas que, pouco a pouco ou repentinamente, assaltam a vítima, ante a presença, a voz, a menção e a lembrança do chato.
Levantou-se sem rescaldos da véspera com o sol brilhando lá fora. Respirou profundamente o ar. O chuveiro verteu água em temperatura perfeita. A empregada deu café à hora. O tráfego não assustou. Havia lugar no ônibus;
a conta do banco está positiva; a consciência tranquila; os jornais, rádio e TVs nada disseram de alarmante;
a humanidade anônima, ao redor, tratou-o cordialmente; nenhuma dor física, de dente ou calo, o afligiu; o patrão foi cordato, o empregado exímio; a temperatura está deliciosa; o governo é estável e a oposição está sem assunto;
a esposa está carinhosa e animada; as crianças, mansas e cordialmente alegres, anunciaram dez nas provas, foram repousar cedo;
enfim, em todos os instantes a música da vida cantou em seus ouvidos, nascida de tudo, do semelhante, de si mesmo.
De repente, alguma coisa começa a materializar-se. Não se apresenta de chofre (porque, se o faz, logo nos assusta). Vem inofensiva, incolor, inodora, invisível, como parte do dia ideal. Mas lentamente se ensombrece.
Um nada, um gesto, uma palavra, uma contração fisionômica, um som, e logo o ser imponderável cresce em substância. Há, dentro da vítima, uma como que adivinhação de morte de pessoa querida, uma compressão no peito, uma vaga impossibilidade de prestar atenção, um esquecimento de vocábulos, a dormência dalgum músculo ou intensa dor na nuca,
Um vazio de estômago ou obesidade de dispnéia, um aceleramento de pulsações ou um retardamento, uma perturbação metabólica, uma tontrira de nuvem nos olhos, um apertar de colarinho invisível, um não saber onde por as mãos, um estrelar de vermes esvoaçantes dentro do globo ocular. A cadeira endurece se está sentado, o sapato aperta se está em pé, odores ignorados se desprendem da rua e das casas, a música distante se distorce, os ombros pesam o peso do mundo,
um rosnar hidrófobo de cães invisíveis, uma noite dentro de si povoada de morcegos e de aranhas tecendo um campo de concentração, um bracejar de náufrago, um emparedamento de ar, um desabar das arestas das coisas, gosma jorrada de baixo, vibrar de lâminas cravadas, pântano sumidouro gorgolejante, asa tatalante de anjo negro e tambores crescendo no coração, um silvo ininterrupto nas trompas de Eustáquio, um escovar de areia nas pupilas, a consciência do despertar dos órgãos vegetativos, coroa de espinhos de suor, um lixar em feridas novas, um tropel de centopéias nas veias,
chega-se a pensar em aspirina e sais efervecentes, mas é inútil, e já agora invade o mais secreto da máquina humana irradiando-se por todas as delicadas peças do organismo; os cabelos eletrizados, as unhas roídas, um recuar de batráquio diante do ofídio,
Um desenroscar de tênia tornada sucuri no pesadelo, um desabrochar de abacaxi onde não cabia e um deglutir de escamas de peixe, um desejo de grito inútil em casa mal-assombrada, um ímpeto de esmurrar fantasmas, pedaços de preces nos lábios espumantes, promessas súbitas, a lembrança do esquecimento de alguma coisa essencial que ainda não sabemos o que seja, medo de continuar, de ser, velhice fluindo na ampulheta do destino, adeuses de amigos sobre as mãos entrelaçadas no peito, odor póstumo de flores, retângulo de madeira que desce, céu fechado sobre o nariz, odor de si mesmo liquefeito e putrefato, e o nada sempre e o sempre nada,
a certeza da eternidade segundo por segundo, o desfazer-se da carne e do espírito dentro dela numa erosão de todas as células, o não-ser, o não ser com a consciência daquele outro ser que nos chupou a vida por um canudinho, como se nos bebesse em refrigerante, como se no-lo aspirasse venta adentro, e apenas acompanhássemos o nosso jazer desvanecendo-se…