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Dimensões de gênero no mundo islâmico: o caso da clitorectomia. O que é Mutilação Genital Feminina?. - Definição pela OMS: “todos os procedimentos envolvendo remoção total ou parcial da genitália feminina ou outros danos aos órgãos genitais femininos por razões não-médicas”.
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Dimensões de gênero no mundo islâmico: o caso da clitorectomia
O que é Mutilação Genital Feminina? - Definição pela OMS: “todos os procedimentos envolvendo remoção total ou parcial da genitália feminina ou outros danos aos órgãos genitais femininos por razões não-médicas”. - Idade e como se dá a realização do procedimento. - Estimativa de 100 a 140 milhões de mulheres e crianças afetadas pela prática (Fonte: OMS).
Terminologia - Circuncisão feminina - Mutilação Genital Feminina - Corte Genital Feminino (Feminine Genital Cutting)
Classificação segundo OMS Tipo I: Clitorectomia
Classificação segundo OMS Tipo II: Excisão
Classificação segundo OMS Tipo III: Infibulação Tipo IV: Outros
Implicações médicas - Implicações de curto prazo à saúde: dor severa e choque; infecção e/ou retenção urinária; danos a tecidos adjacentes; hemorragia fatal imediata. - Implicações de longo prazo: danos ao sistema reprodutor externo; infecções uterinas, vaginais e pélvicas; cistos e neuromas; complicações na gravidez e parto; disfunções sexuais; dificuldades na menstruação; danos psicológicos. (Fonte: OMS)
Origens e justificativas dadas para a prática de MGF - Costume e tradição da comunidade - Rito de Passagem - Religião - Aceitação social - Contenção da sexualidade feminina - Preservação da castidade - “Purificação”
MGF no cenário internacional - A mutilação genital feminina aparece pela primeira vez na agenda internacional em 1979. É realizado o “Seminário de Práticas Tradicionais que Afetam a Saúde da Criança e da Mulher”, organizado pela OMS. - Em 1979, a Assembleia Geral da ONU adota a CEDAW (Convention on Elimination of All Forms of Discrimination against Women). - Em 1989, é assinado na ONU a CRC (Convention on the Rights of the Child).
CEDAW (1979) - Contém uma série de 30 artigos a serem cumpridos pelo Estado visando garantir a igualdade de gênero. Artigo 5. Os Estados signatários devem tomar todas as medidas apropriadas: (a) Para modificar padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, visando a eliminação de preconceitos, costumes e todas as outras práticas que são baseadas na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer um dos sexos, ou na ideia estereotipada dos papeis a serem exercidos pelos homens e pelas mulheres. (...) - Estabelece o Comitê de Eliminação da Discriminação Contra a Mulher. Recomendação geral nº 14: Circuncisão Feminina (1990) “Recomenda-se que os Estados: (a) Tomem medidas apropriadas e efetivas a fim de garantir a erradicação da circuncisão feminina (...)”.
CRC (1989) Artigo 19 (1). Os Estados signatários devem tomar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais para proteger a criança de todas as formas de violência física ou mental, ferimento ou abuso, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo abuso sexual, enquanto no cuidado dos pais, guardião(ões) legal(is) ou qualquer outra pessoa que tem que cuidar da criança. Artigo 24 (3). Os Estados signatários devem tomar todas as medidas apropriadas e efetivas que visem abolir práticas tradicionais prejudiciais à saúde da criança. - Comitê dos Direitos da Criança (Comentário geral nº 13, 2011): “29. Práticas danosas [à saúde da criança] (…): (b) mutilação genital feminina;”
Regimes Regionais de Direitos Humanos - Parte do sistema global de direitos humanos, existem na África, Américas e Europa. - Em comparação com o sistema global: possibilidade definir os direitos humanos a partir de uma perspectiva regional e adotar mecanismos de cumprimento que se adequem melhor à realidade local. - Formato clássico definido na Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950: criação de uma comissão e uma corte. Hoje, os sistemas adotam formatos diferentes.
Quadro comparativo dos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos Adotado: 27.06.1981 Entra em vigor: 21.10.1986 Fonte: http://www.achpr.org/pt/instruments/achpr/
Relatórios dos Estados Fonte: http://www.achpr.org/pt/states/
Adotado: 10.06.1998Entra em vigor: 25.01.2004 Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos Fonte: http://www.achpr.org/pt/instruments/court-establishment/
Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África Adotado: 07.11.2003 Entrada em vigor: 25.11.2005 Fonte: http://www.achpr.org/pt/instruments/women-protocol/
Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África Artigo 5: Eliminação de práticas danosas Os Estados-Parte devem proibir e condenar todas as formas de práticas nocivas que afetam negativamente os direitos humanos das mulheres e que são contrárias às normas internacionalmente reconhecidas. Os Estados-parte devem adotar todas as medidas legislativas e outras necessárias para eliminar tais práticas, incluindo: (...) Proibição, através de medidas legislativas acompanhadas de sanções, de todas as formas de mutilação genital feminina (...) a fim de erradicá-las.
24° RELATÓRIO DE ATIVIDADES DA COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS “No dia 1 de Março de 2008, a Comissária Maïga manteve um encontro em Bamako, Mali, com a organização Equality Now relacionado com um estudo em curso sobre a mutilação genital feminina em países que ratificaram o Protocolo da Carta Africana sobre os Direitos das Mulheres em África”. “Na República do Senegal: reconhecimento automático de normas internacionais sem necessidade de se proceder à sua integração, realização de um estudo de avaliação da aplicação da Lei No. 99-05 de 29 de Janeiro, abolindo a mutilação genital feminina (MGF), e realização de uma campanha de sensibilização destinada a educar as comunidades locais tendo em vista a erradicação completa da prática de MGF até 2015”. http://www.achpr.org/files/activityreports/24/achpr43_actrep24_20072008_por.pdf
Legislações nacionais sobre a MGF - 26 Estados africanos, e outros 33 países fora da África, têm legislação que proíbem a prática da MGF. - As legislações de cada Estado abordam MGF de diferentes maneiras. - Poucos Estados proibiam a prática antes da legislação internacional; a maioria das legislações que versam sobre o assunto são recentes.
Egito -27,2 milhões de egípcias entre 15-49 anos foram submetidas à MGF (91% da população feminina dessa faixa etária); -Em 2008, 63% das mulheres do país, entre 15-49 anos, apoiavam a prática; (FONTE: Unicef)
Egito 1959 – Decreto do Ministério da Saúde banindo a MGF em hospitais públicos. 1981 – Egito ratifica a CEDAW. 1990 – Egito ratifica a CRC – Convenção sobre os Direitos da Criança.
Egito 1994 – Cairo sedia a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento concentrando esforços contra a FGM/C de forma mais eficaz, devido à, principalmente, imagens de jovem sofrendo a prática, que culminou num alvoroço na comunidade internacional e trouxe a prática para o centro das atenções. Pressão de grupos sociais: ativistas de direitos humanos, médicos, acadêmicos, grupos feministas, etc. -> Ministério da Saúde emite decreto permitindo apenas médicos de hospitais públicos executarem a FGM/C.
1996 – O Ministério da Saúde emite outro decreto banindo a prática em hospitais públicos e privados exceto em casos aprovados pelo médico: "É proibido praticar circuncisão em mulheres tanto em hospitais quanto em clínicas médicas ou privadas. O procedimento só pode ser realizado em caso de risco à saúde e quando aprovado pelo chefe do departamento de obstetrícia e ginecologia do hospital, precedido pela sugestão do médico que trata a paciente. A realização dessa operação será considerada uma violação das leis que governam a profissão médica. Essa operação também não deve ser realizada por aqueles que não são médicos." -> O decreto, entretanto, provoca intensa oposição de grupos mais conservados e é revogado em julho de 1997.
Egito 2003 – Declaração de Cairo para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina. 2006-2007 – Ali Gomaa, Grão Mursi do Egito, emite um Fatwa condenando a prática. -> Conselho Supremo de Pesquisa Islâmica Al-Azhar emite um comunicado explicando que a FGM/C não tem base na Shari’a.
Caso Budour Ahmad Shaker (2007) A garota, 11, morreu em uma clínica particular ilegal na província de Minya, Egito. Ela supostamente morreu de uma overdose de anestésicos durante o procedimento de FGM/C. Suas três irmãs já haviam sido submetidas a operação de “purificação”. A operação custou 50 libras egípcias (cerca de 9 dólares). O médico supostamente tentou subornar os pais a retirar a queixa.
Foto: 5 de Julho de 2007. Protesto contra a FGM na cidade de Assuit, 500km de Cairo.
2008 – O parlamento concorda com criminalizar a prática no Código Penal, impondo uma sentença máxima de 2 anos e multa de até $5.000. Artigo 242 bis afirma: "Sem qualquer prejuízo a qualquer pena maior prescrita por outra lei, deverá ser punido com prisão por um período maior que três meses e não excedendo um tempo de dois anos, ou com multa maior que mil libras [egípcias] e não excedendo cinco mil libras, qualquer um que cause os ferimentos em outrém que são punidos pelos Artigos 241 e 242 do Código Penal, através da realização da mutilação genital feminina."
Situação atual no Egito 2011-2012 – Ministério da Saúde realiza ampla campanha de conscientização. - Agitação política no Egito. Queda de Hosni Mubarak. - Instabilidade política: apoio internacional ao combate à MGF diminui (corte de 75% nas doações ao programa egípcio de combate à prática). Diminuição da presença de ONGs. -> Ascenção da Irmandade Muçulmana: - Em uma aldeia da província de Minya, ao sul do Cair, o Partido Liberdade e Justiça (braço político da Irmandade Muçulmana) foi denunciado por ter organizado uma campanha de serviços médicos nos quais se incluía a extração genital por cerca de R$ 13. - Tentativas são feitas no parlamento para reverter a criminalização da prática.
Caso Sohair al-Bata’a - Sohair morreu em 06/2013, depois de ser submetida à uma cirurgia de mutilação genital, em decorrência de uma grave queda na pressão arterial. - Anteriormente, havia-se dito que a garota morreu por uma reação alérgica à penincilina. Mas pressão local e internacional levou as autoridades e reabrirem o caso. - O cirurgião (Raslan Fadl) e o pai da garota (Mohamed al-Bata'a) foram processados. Fadl foi o primeiro médico a ser levado aos tribunais desde que a MGF foi proibida no Egito. - Na última quinta-feira, 22/05, o médico foi levado ao tribunal para prestar depoimento. Espera-se que a família retire as acusações de homicídio culposo.
Foto:21 de maio de 2014. Sohair al-Bata’a, morta em 06/2013.
União Europeia e a MGF • European Parliament resolution on ending female genital mutilation (14 June 2012) -> Solicita à Assembleia Geral da ONU que adote uma resolução na sessão 67ª, objetivando acabar com a mutilação genital feminina em todo o mundo - tal como solicitado pela União Africana em 1 de Julho de 2011 - através da harmonização das medidas tomadas pelos Estados-membros e da elaboração de recomendações e diretrizes para o desenvolvimento e fortalecimento de instrumentos jurídicos regionais e internacionais e da legislação nacional; -> Convida os Estados-Membros a continuarem a ratificar instrumentos internacionais e implementá-las através de legislação abrangente que proíbe todas as formas de mutilação genital feminina e prevê sanções eficazes contra os autores desta prática; observa que a legislação deve também impor uma gama completa de medidas de prevenção e proteção, incluindo mecanismos para coordenar, monitorar e avaliar a aplicação da lei, e deve melhorar as condições que permitam à mulheres e meninas relatar casos de mutilação genital feminina; -> Salienta a importância da sensibilização, mobilização comunitária, educação e formação, e do envolvimento das autoridades nacionais, regionais e locais e da sociedade civil nos países parceiros;
Comunicado da Comissão para o Parlamento e Conselho Europeu: Towards the elimination of female genital mutilation (Brussels, 25.11.2013) Objetivos: Melhor entendimento sobre a MGF na UE. Promover medidas eficazes de prevenção e apoio às vítimas, inclusive através da mudança de normas sociais e do empoderamento das mulheres. Aplicação de leis que proíbem a MGF nos Estados-Membros. Garantir proteção às mulheres em situação de risco no quadro legislativo da UE em relação ao asilo.
Refúgio • Um refugiado, segundo definido pelo Artigo 1 da Convention Relating to the Status of Refugeesde 1951, é uma pessoa que fugiu e/ou não pode retornar ao país de origem devido a comprovado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social particular ou opinião política. Este temor deve ser a razão pela qual a pessoa não pode retornar ao seu país de origem, onde não receberia proteção contra essa perseguição. • Receio por parte de alguns país de abrir precedente ao conceder refúgio às mulheres, considerando-as como um grupo social particular.
Corte Europeia de Direitos Humanos - Collins e Akaziebie vs Suécia - Izevbekhai vs Irlanda - Omeredo vs Áustria -> Alega-se violação do Artigo 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Artigo 3.º(Proibição da tortura):Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes. -> Decisão por inadmissibilidade
Legislação Interna - Reino Unido - Estima-se que 65,790 mulheres são vítimas de MGF no Reino Unido (Fonte: EIGE) - Tem legislação específica desde 1985 -> Prohibition of Female Circumcision Act 1985 -> Female Genital Mutilation Act 2003 (torna aplicável princípio de extraterritorialidade) Artigo 1: Delito de mutilação genital feminina (1) Uma pessoa é culpada de um delito se extirpa, infibula ou mutila de qualquer outra forma a totalidade ou parte dos grandes lábios, pequenos lábios ou clitóris de uma menina ou mulher. (2) Mas nenhuma infração será cometida por uma pessoa aprovada que realiza: (a) uma operação cirúrgica em uma menina, necessária para a sua saúde física ou mental, ou (b) uma operação cirúrgica em uma mulher que está em qualquer etapa do trabalho de parte, ou acaba de dar à luz, para fins relacionados com o parto ou o nascimento. - Teve apenas um caso julgado, em 2014, ainda em processo (Dr Dhanuson Dharmasenae Hasan Mohamed). - Exemplo de caso na Corte de Apelação nacional referente a refúgio: Zainab Esther Fornah v. Secretary of State for the Home Department.
Legislação Interna - França - Estima-se que 61,000 mulheres são vítimas de MGF na França (Fonte: EIGE) - Não contém legislação específica tratando de MGF. - Pode enquadrar em artigos do Código Penal: -> Artigos 221-2, 222-3 e 222-5, tratando de atos de tortura e barbaridade; -> Artigos 222-9 e 222-10 sobre danos corporais intencionais causando mutilação ou enfermidade permanentes. -> Danos contra menor considerados agravantes da pena. -> Aplicável princípio de extraterritorialidade. - Julgou 29 casos e houveram mais de 100 condenações. -> 12 julgamentos em outros países da UE (6 na Espanha, 2 na Itália e Suécia, 1 na Dinamarca e na Holanda). -> Último caso julgado em 2012.
Legislação Interna - França • Atitude francesa pode ser resumida no discurso da ex-ministra da justiça Rachida Dati: "Essa mutilação não tem fundamento em qualquer religião, filosofia, cultura ou sociologia. É um abuso grave e violento da mulher. Ele não pode ser justificado de forma alguma. MGF é um crime.”
Legalização (para maiores de 18 anos) e medicalização da prática
Levantamento divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) indica que 42,7% dos brasileiros concordam totalmente com a frase "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" e 35,3% com a afirmação "se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros".