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5ª Visita Diagnóstico Rápido Participativo - Mapeamento com os homens -. 03/06/2007.
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5ª Visita Diagnóstico Rápido Participativo - Mapeamento com os homens - 03/06/2007
No sábado marcado, chegamos ao distrito quinze minutos antes do horário combinado para realização do mapeamento histórico. Neste momento, Juquita, Seu Zeca e Seu Dola, já nos esperavam em frente à casa deste último. Dos “guardiões da memória”, com quem havíamos combinado, somente não havia chegado João Décimo. Após cumprimentarmos os presentes, Juquita logo se adiantou em dizer que já havia conversado com Seu Zeca e Seu Dola e gostaria de nos comunicar de que não poderia ficar para todo o mapeamento, já que teria de levar a comunhão até a casa das pessoas impossibilitadas de ir a Igreja,. Juquita, que é ministro da eucaristia, justificou que o processo é um tanto demorado, que o dia provavelmente esquentaria depois das dez horas e que se fosse até a casa das pessoas mais tarde chegaria muito próximo à hora do almoço. Sua proposta foi a de ficar no mapeamento por uns vinte minutos, já que supunha que o mesmoduraria não muito mais do que isso. Alegamos necessitar de um tempo um pouco maior e Juquita disse que veria o que poderia fazer.
Iniciamos o mapeamento as nove horas, sem a presença de João Décimo, que havia se esquecido do evento e foi lembrado por Seu Dola por telefone. Marisa iniciou o mapeamento explicando o sentido deste, dizendo que nossa intenção era de conhecer melhor o que é o distrito de São José do Triunfo, como ele se organiza espacialmente e como se dão os usos deste espaço pela Festa de Nossa Senhora do Rosário.
Marisa, de início, pediu aos guardiões que indicassem os pontos que eles consideravam de maior importância no distrito e para a Festa. Como ninguém se prontificou a esboçar a cartografia do lugar, ela mesma iniciou o desenho. Seu Zeca apontou de imediato que a casa dele é considerada um dos pontos principais do Congado, alegando que é lá que se realizam os ensaios, e no domingo, após o levantamento do mastro, é onde se inicia a Festa. Os outros guardiões apontaram que a Igreja também é um lugar importante da Festa, o que Seu Zeca também concordou.
Marisa perguntou se a Festa sempre havia saído da casa de Seu Zeca, ou se antigamente ela saía de outro local. Seu Dola respondeu que quando eles começaram a participar do Congado a Festa saía da casa de Adão Alves, que fica na Rua José Soares da Rosa, paralela a casa de Seu Zeca; mas que a estrutura do evento, apesar da diferença de lugares, era a mesma. Quando começou a desenhar a Igreja, Marisa perguntou se era no sábado que ocorria o levantamento do mastro, Juquito se adiantou dizendo que sim, e acrescentou que junto à “levantação do mastro” há também as rezas. Marisa então indagou sobre o itinerário da Festa após o levantamento do mastro e eles afirmaram que a noite eles voltam para casa e no outro dia iniciam cedo a Festa pela alvorada, que sai da frente da casa de Seu Zeca e posteriormente se dirige à busca do reinado festeiro, quando se inicia de fato a Festa.
O mapa foi construído levando em conta o reinado do último ano. A primeira rua esboçada foi onde se localiza a casa de Seu Zeca (Rua São Lourenço), em seguida foi desenhada a rua onde mora o rei festeiro do último ano (Rua Argína Silvino), tendo sido necessário para isto se desenhar as Rua João Batista, que dá acesso à que localiza-se a casa do rei, e a Rua Maria Francisca, que é rua paralela à Argína Silvino, percorrida durante a alvorada. Neste momento é Seu Dola quem mais dá instruções sobre a ordenação espacial do distrito, pegando inclusive a caneta para fazer alguns desenhos isolados, como a casa do rei festeiro.
Marisa interroga para onde é que se vai após apanhar o rei festeiro em sua casa e eles responderam que a próxima casa a ser visitada pela Festa é a casa da princesa, que fica na Rua Maria Brígida. Neste momento chegou para o mapeamento João Décimo, que num primeiro instante observou o que estava acontecendo e só quase dez minutos depois passou a se manifestar. Este último, quando pareceu apreender qual o sentido e a intenção do que se fazia ali, passou a dar palpites e expressar suas memórias sobre a Festa do último ano. Ele fez questionamentos sobre a cartografia que os guardiões estavam fazendo até então, disse que o mais interessante seria ter começado pela Avenida Silva Araújo, já que a maneira pela qual eles começaram o mapa não permitiria representar o outro lado da avenida. Todos propuseram, então, iniciar um novo mapa, sendo começado a partir da avenida, retomando os desenhos já feitos para base.
Neste redesenho algumas outras ruas do distrito que fazem ou não parte do espaço por que se desloca a Festa são incluídas, como no caso da Rua Alaídia Bernadina, transversa à Rua São Lourenço (rua com nome da mãe de João). Seu Dola explica que eles estão dando atenção maior às ruas que fazem parte da Festa, e faz referências à outras ruas que fazem parte do distrito mas que por motivo de não possuírem nenhum coroado em determinado ano ou por se localizarem em pontos muito altos do distrito não são visitadas. São exemplos a Rua Bom Jesus e a Rua São José para o primeiro caso e a Rua São Sebastião para o segundo. Marisa pergunta então se já foi pego todo reinado da Festa, já que se tinha feito referência ao Rei, a Princesa e ao Príncipe, sendo que este na Festa, só havia sido buscado após já se ter pegado a Rainha. Daí apontaram que se pegou primeiro a Rainha do outro lado da avenida para posteriormente se buscar o príncipe na Rua São Lourenço, neto de Seu Zeca, que mora em cima da casa deste. Os guardiões explicaram então que, após ser apanhado o reinado, vai-se até a Igreja que fica no final da Rua São Lourenço.
Ainda ao responderem se restava alguém pra ser pego para o início da Missa Conga, os guardiões justificam que além das pessoas que receberam as coroas neste último ano, são apanhadas também em suas casas todas as pessoas que repassarão as coroas, mas que não estavam sendo representadas no mapa para não ter de se desenhar o grande número de ruas que formam o distrito. Assim sendo, na Festa deste ano, além de todas as ruas a serem visitadas na ocasião de se buscarem as pessoas que receberão a coroa em 2007, terá que se percorrer novamente as ruas em que moram os coroados em 2006, representadas neste mapeamento. Juquita justifica isto dizendo que este ano ele, que será rei festeiro, e a rainha festeira de 2006 poderão ser buscados juntos em função de serem vizinhos.
Feito este entendimento dos deslocamentos da Festa, em função da passagem na casa dos coroados até a chegada na Igreja, Marisa buscou retomar os momentos anteriores a este evento, questionando sobre o levantamento do mastro afim de que se fizessem apontamentos espaciais em torno da alvorada. Eles ao apontarem a alvorada como um momento entre o levantamento do mastro no sábado e a Festa propriamente dita no domingo, dizem que no domingo de madrugada andam por várias ruas do distrito. Marisa questiona então sobre a escolha das ruas que serão visitadas pela alvorada, Seu Dola diz que são percorridas todas as ruas da comunidade, Marisa interroga novamente se são todas as ruas mesmo, daí eles reconhecem que as ruas que ocupam as partes mais elevadas da comunidade, como a São Sebastião, de fato não são visitadas, ficando somente na parte mais baixa. É neste momento que são desenhadas as ruas do lado da avenida opostas à casa de Seu Zeca.
Acoplada à rua principal deste outro lado (Batalha Neto), estão as ruas Elisa e Selina Ladeira, onde moram a rainha do último ano e João Décimo. Estes últimos nomes de rua são de antigas proprietárias de terras no local, a Família Ladeira. Neste momento também se faz explicações sobre o nome das outras ruas, que geralmente estão relacionadas à pessoas que moraram nestes locais e que ao falecerem davam nomes as ruas, interessantes que não são nomes externos, como é comum nas ruas viçosenses de personalidades históricas do Brasil ou da elite da cidade. Neste momento já é Seu Dola quem faz os desenhos e coloca os nomes das ruas.
Em seguida, Marisa faz questionamentos a respeito das comidas da Festa. Eles respondem que as comidas são geralmente servidas na casa do rei, mas se a rainha e o rei não moram na mesma casa, um pouco de gente vai para a casa da rainha e um pouco para a casa do rei. Uma questão aqui é bem relevante: seu Dola diz que a diferenciação de casa para casa é feita pela cor das vestimentas, ou seja, as de cor rosa vão para a casa do rei e as de cor azul para a da rainha. Isto revela que é a banda de Congado que é dividida e, como observado na última Festa, as pessoas que acompanham-na almoçam na casa do rei. Se há banda de música de fora ela não é dividida, e todos almoçam na casa do rei. O reinado é dividido, “reinado moça” vai pra casa da rainha e “reinado rapaz” para a casa do rei. Embora existam outras refeições que são feitas na casa de outros coroados, o café, por exemplo, é feito na casa da rainha velha e tomado durante a alvorada e o lanche, ao fim da festa, é oferecido na casa do príncipe novo (segundo constatações pela presença na festa do ano passado).
Ao serem indagados sobre as paradas que a banda faz, os guardiões dizem parar eventualmente em algum lugar em que se ofereçam lanches ou onde se monte altares; se referiram também à paradas feitas em um ano em frente a casa de um fiscal falecido, em que fizeram uma “manifestação” para a família, que ficou muito agradecida. Juquita mencionou também à “manifestação” realizada no último ano em frente à sua casa por ele não poder participar da Festa em função de sua operação no joelho. Em um momento que Juquita falava, João lançou uma pergunta intrigante: “Quem é responsável por este trem aqui de vocês? É Juquita? Ele que é o responsável por isto aqui?” Parece que não compreenderam o que João colocava e começaram a justificar o sentido do trabalho, mas ele insistiu: “Quem que indicou o que é que é tinha que fazer? Quem é que é que procurou...?” Novamente outras explicações que pareciam não ir no sentido da pergunta dele. A impressão tida pelo tom da fala de João aparentou, mesmo que sutilmente, conflito em torno do status pela detenção dos saberes e da memória. João fez expressões que davam a entender que Juquito estava falando mais que todo mundo e parece ter proferido a frase com intenções de censura. Claro que havia certo tom de brincadeira, mas pode trazer apontamentos.
Marisa fez questionamentos em torno do deslocamento do Congado da região central de Viçosa para o distrito. Seu Zeca dá pistas novas e interessantíssimas para o trabalho. Segundo ele, o Congado foi para São José do Triunfo em função das pessoas deste distrito terem trabalhado com pessoas de Viçosa que dançavam o Congado. Segundo ainda Seu Zeca, a primeira festa ocorrida no Fundão foi em 1930, feita pelo povo que participava da festa na cidade. Marisa toca então na questão da Igreja que existiu na Praça do Rosário, fato que lembraram localizando-a onde atualmente se encontra o chafariz desta Praça, Seu Dola fala ainda de outras Igreja demolidas, uma na Maria José Vaz de Melo, onde hoje se localiza um jardim, e de uma do Padre Serafim. É então proferida uma frase, de quem não consegui identificar a voz, mas parecida com a de Seu Zeca, dizendo quando Seu Dola falava que a demolição foi uma vontade do prefeito: “Não sei por que eles fizeram uma coisa dessa, não podia o pároco ter aceitado. E ele aceitou”. Ponto importante levantado é o de que ao mesmo tempo em que se tinha a Igreja do Rosário onde hoje é a Praça do Rosário se tinha também a Igreja Matriz na hoje Praça Silviano Brandão. Seu Zeca disse ainda que a missa de sétimo dia de seu avô foi celebrada na Igreja do Rosário.
A fala de Seu Dola traz interessantes apontamentos: “Era uma Igreja do Rosário, mas não rezava nela pra Festa do Rosário. Quem domina as Igrejas é os padres; pra demolir uma Igreja tem as ordem dos padres; o prefeito também manda muito na cidade, mas não tem o poder de demolir uma Igreja sem ordem do padre. Aí eu não sei qual é o prefeito que demoliu e qual é o padre que autorizou, que demoliu”. Seu Dola explica então que eles nunca tiveram Igreja do Rosário no Fundão: “Mas aí então nós nunca teve Igreja aqui. E aí parô de dançá a festa lá vei dançá ela aqui, mas nunca teve Igreja. Aqui tem a Igreja de São José, portanto Nossa Senhora da Festa do Rosário tá exposta lá na Igreja de São José. Aí vâmo supor, quando vai rezar a novena dela põe ela no altar. Passou a Festa aí ela guarda/ aí recolhe ela. Ela é guardada na Igreja de São José e é festejada na Igreja de São José”.
Os guardiões explicam que no domingo há a busca de todos os coroados em suas casas para leva-los até a Igreja onde são coroados os novos rei, rainha, príncipe e princesa. E há a procissão da Santa, que na noite anterior tinha ficado na casa da rainha. Há então uma fala de João que é emblemática: “Festa, igual a festa na rua, festa na Igreja só tem no sábado. Domingo tem a missa, né? Na Igreja só tem festa sábado, que a gente vai pra Igreja, reza, após o final da novena a gente manifesta lá. Agora não tem mais fogos, mas antes tinha fogos, levantação do mostro... No sábado tem festa na Igreja, mas no domingo é na rua”. “É o pé no chão”. (Seu Zeca)
Marisa pergunta sobre o dinheiro utilizado para a festa: se há doações e arrecadações, e os guardiões respondem que não há quase nada, “é tudo bancado mais pela rainha e o rei mesmo.” Seu Dola já foi Rei festeiro, deixou a função de Rei permanente, função que foi assumida por Rogério, que possui a função de Rei do Meio. Seu Dola afirma que foi rei festeiro para pagar uma promessa alcançada em Nossa Senhora do Rosário por problemas de saúde que enfrentava em 1986, a promessa foi paga em 2000. Seu Zeca acrescenta que da Igreja não pode sair dinheiro nenhum, tem tudo é que sair do bolso, embora já tenha tido um ano em que o padre organizou uma lista para arrecadar esmola para ajudar financeiramente na festa, onde todos os que recebiam o dinheiro para a organização da festa tinham de prestar contas ao padre. Ao rever o mapa, Seu Zeca profere a frase “Aí é o lugar da santinha, né?”. Marisa peerguntou então sobre este ponto e João explicou que este local é onde se desliga do Fundão. Seu Zeca esclareceu que aí há uma capelinha do Rosário construída a uns dois, três anos, por Juca Lourenço, É ainda São José do Triunfo, mas o Congado não vai até esse lugar. Apenas um dos dias da novena às vésperas da Festa é feito nesta capela.
As dez horas, uma hora após o início do mapeamento, Juquito deixou o grupo para desempenhar a função de ministro da eucaristia. Questionados sobre o percurso do Congado na Festa do 12 pra 13, os guardiões explicaram que a Festa desloca-se somente pela Rua São Lourenço, rumo à praça Luíza Rodrigues, onde se localiza a Igreja. A Festa passou a sair da casa de Seu Zeca para a Igreja a partir de 1982, esta data é lembrada por ser o ano de falecimento Seu José Augusto, pai de Seu Dola e Seu Zeca. A Festa deixou de sair da casa de Adão Alves em 1958, quando este faleceu, desde este ano a festa passou a “ficar por conta” de Seu José Augusto. Entre 1958 e 1982, a festa não tinha lugar certo de saída, pois Seu José Augusto morava com a família na roça. Quando de seu falecimento, em 1982, a festa passou a se concentrar na casa de Seu Zeca.
Questionados sobre o espaço do distrito neste período de 1980, os guardiões lembram da festa com certo tom de nostalgia, fazem referências ao tamanho do distrito e mencionam “como era lindo os candeeiros que iluminavam as ruas ainda não calçadas!” Por volta das dez horas e vinte minutos se encerrou o mapeamento com uma recapitulação de Seu Dola sobre os percursos da Festa. Encerramos o mapeamento marcando uma data para realização da caminhada transversal.
Croqui do distrito de São José doTriunfo elaborado a partir do mapemento realizado junto aos guardiões da memória.