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Aula 4 Identidade, Igualdade, Diferença. O que procuramos quando olhamos o outro?. Quando você enxerga algo do outro em você ?. O que faz alguém ser “ um outro”?. São perguntas como essas que a Antropologia pode nos ajudar a pensar. Antro... Quem?.
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Aula 4 Identidade, Igualdade, Diferença
O que procuramos quando olhamos o outro? Quando você enxerga algo do outro em você? O que faz alguém ser “um outro”? São perguntas como essas que a Antropologia pode nos ajudar a pensar.
Antro... Quem? Antropologia é uma palavra formada pelos termos gregos anthropos (ser humano, homem no sentido não sexual) e logos (razão, discurso), e podemos traduzi-la como o estudo do homem. Esta ciência pretende dizer como esta criatura do mundo, que é o homem, pode ser explicada para além das características físicas e biológicas que o separa dos demais animais. Assim, de modo geral podemos dizer que a antropologia se ocupa em estudar a cultura como construção humana.
Os muitos sentidos da “cultura”. A palavra cultura adquire muitos sentidos diferentes no cotidiano: • Posse de conhecimentos que torna alguém culto. • Conjunto de práticas e formas de pensar de um povo, como rituais, festas, lendas. • Eventos artísticos, como peças de teatro, óperas, filmes.
Estes usos fazem sentido, mas vamos tentar organizar nossas reflexões em torno de dois eixos deste conceito com a ajuda de José Luiz dos Santos, autor do livro O que é Cultura (Ed. Brasiliense). Cultura refere-se a todos os aspectos da realidade social de um povo, seja suas formas de organização, os bens materiais e hábitos que criam, formas de se alimentar e demais atividades cotidianas. Cultura como conhecimento, ideias e crenças e suas maneiras de existir na vida social
O ser humano é uma criatura que produz cultura e assim altera a sua relação com a natureza e a relação entre os próprios humanos. Podemos dizer que se por um lado a cultura identifica o ser humano como um animal distinto, é ela também que distingue os grupos humanos. O desenvolvimento da linguagem e das línguas é um exemplo interessante: EU I YO ICH JE (línguas indo europeias; compartilham algumas letras do alfabeto) O que é isso? Я (quer dizer o mesmo que as palavras à esquerda, mas em russo, língua que utiliza o alfabeto cirílico)
O olhar da cultura. Falar sobre cultura é também discutir o ponto de vista onde se fala e a relação entre as culturas, afinal, sempre olhamos o outro a partir de nós mesmos. Tudo coberto exceto os olhos dela. Que cultura cruel dominada pelos homens! Nada coberto exceto os olhos dela. Que cultura cruel dominada pelos homens!
A partir disso podemos pensar em duas perspectivas diferentes, dois modos de se olhar outras culturas. • Hierarquização das culturas Esta forma de olhar atribui uma escala de desenvolvimento para os homens, como se houvesse uma série de etapas que toda e qualquer cultura deveria percorrer até alcançar uma etapa civilizada. É isto que está por trás de posições como: “nossa, que povo atrasado!” Esta visão ignora que o desenvolvimento dos povos segue caminhos muito distintos e que não há uma forma única de uma sociedade existir. Também pode ser usada para justificar a dominação de um povo sobre outro, como no domínio europeu sobre a África no século XIX.
Este tipo de visão que hierarquiza as culturas toma o ponto de vista do observador como a referência do que é correto e como fonte única de avaliação, desprezando o que há de específico e distinto no outro. Tal tipo de postura recebe o nome de etnocentrismo. • Relativismo cultural Uma outra forma de olhar as culturas é aquela que reconhece que cada cultura tem sua trilha própria de desenvolvimento, que nenhuma cultura pode ser considerada superior à outra e que o olhar sobre outra cultura é também uma ação cultural. Este relativismo, contudo, também apresenta problemas, pois ignora que as culturas interagem entre si na história, e essa interação produz relações de dominação e hierarquias que são reais.
Não se pode ignorar, portanto, que culturas interagem e influenciam umas às outras, o que não implica que haja uma superioridade natural de uma cultura em relação à outra. Olhar o outro é difícil. Mas uma maneira interessante de fazê-lo é nos colocarmos no lugar do outro e tentarmos nos distanciar do nosso. Esta postura, que busca entender o outro a partir dos motivos do outro é chamada alteridade.
Quem é bárbaro? Montaigne (1533 – 1592): Dos Canibais (Trecho extraído de sua obra “Ensaios”). In: ARANHA, M.L.A., MARTINS, M.H.P. “Filosofando”, Ed. Moderna, São Paulo, 2009. Durante muito tempo tive ao meu lado um homem que permanecera dez ou doze anos nessa parte do Novo Mundo descoberto nesse século, no lugar que tomou pé Villegaignon e a que deu o nome de “França Antártica”. Essa descoberta de um imenso país parece de grande alcance e presta-se a sérias reflexões. [...] Não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. E é natural, porque só podemos julgar da verdade e da razão de ser das coisas pelo exemplo e pela ideia dos usos e costumes do país em que vivemos. Neste a religião é sempre a melhor, a administração excelente, e tudo o mais perfeito. A essa gente chamamos selvagens como denominamos selvagens os frutos que a natureza produz sem intervenção do homem. [...] Ninguém concebeu jamais uma simplicidade natural elevada a tal grau, nem ninguém jamais acreditou pudesse a sociedade subsistir com tão poucos artifícios. É um país [...] onde não há comércio de qualquer natureza, nem literatura, nem matemáticas; onde não existe hierarquia política, nem domesticidade, nem ricos e pobres. Contratos, sucessão, partilhas aí são desconhecidos; em matéria de trabalho só sabem da ociosidade; o respeito aos parentes é o mesmo que dedicam a todos; o vestuário, a agricultura, o trabalho dos metais aí se ignoram; não usam vinho nem trigo; as próprias palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a calúnia, o perdão, só excepcionalmente se ouvem [...]
Esse povos guerreiam os que se encontram além das montanhas, na terra firme. Fazem-no inteiramente nus, tendo como armas apenas seus arcos e suas espadas de madeira, pontiagudas como nossas lanças. E é admirável a resolução com que agem nesses combates que sempre terminam com efusão de sangue e mortes, pois ignoram a fuga e o medo. Como troféu traz cada qual a cabeça do inimigo trucidado, a qual penduram à entrada de suas residências. Quanto aos prisioneiros, guardam-nos durante algum tempo, tratando-os bem e fornecendo-lhes tudo de que precisam até o dia em que resolvem acabar com eles. Aquele a quem pertence o prisioneiro convoca todos os seus amigos. No momento propício, amarra a um dos braços da vítima uma corda cuja outra extremidade ele segura nas mãos, o mesmo fazendo com o outro braço que fica entregue a seu melhor amigo, de modo a manter o condenado afastado de alguns passos e incapaz de reação. Isso feito, ambos o moem de bordoadas à vista da assistência, assando-o em seguida, comendo-o e presenteando os amigos ausentes com pedaços da vítima. Não o fazem entretanto para se alimentarem, como o faziam os antigos citas, mas sim em sinal de vingança. [...] Não me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos. Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o esquartejar aos poucos, ou entregá-los a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é bem mais grave do que assar e comer um homem executado. [...] Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos à inteligência, mas nunca se os compararmos a nós mesmos, que os excedemos em toda sorte de barbaridades.
Vocabulário do texto de Montaigne: • Artifício:1. Meio para obter artefato ou objeto artístico; 2. Sutileza, astúcia para enganar; 3. Engenho, máquina. • Bárbaro: 1. Para os gregos, romanos e depois para outros povos, que ou quem pertencesse a outra raça ou civilização e falasse uma outra língua que não a deles; estrangeiro; 2. Que ou quem é cruel, desumano, feroz. • Cita: Habitante da Cítia, região da Ásia Central. • Conterrâneo: 1. Que ou quem se origina da mesma terra (que outro). • Efusão: 1. Saída de algum líquido ou gás; derramamento, espalhamento. • Hierarquia: 1. Organização fundada sobre uma ordem de prioridade entre os elementos de um conjunto ou sobre relações entre os elementos de um grupo, com graus sucessivos de poderes. Por exemplo, nas forças armadas, o general manda mais que o major, que manda mais que o capitão, que manda mais que o soldado e assim por diante. • Ócio: 1. Cessação do trabalho; folga; repouso; 2. Espaço de tempo em que se descansa.
Vieram então socos de todos os lados. Insistiram na pergunta, com socos na boca do estômago e no tórax. Mal podendo falar, eu disse que meu nome estava na carteira de identidade. Aumentou a violência. Ligaram fios e vieram os choques. Fiquei muda daí para a frente. Quando paravam os choques, vinham as perguntas. Mas meu silêncio continuava. Eu só pensava que ali estava terminando a minha vida [...] Fui colocada no pau de arara. Conheci o terror da dor física, da violência quase insuportável, e a dor de alma diante daquele horror que eu jamais imaginara que pudesse existir, embora já tivesse lido relato sobre torturas. Eram pontapés na cabeça e choques por todo o corpo. Minha indignação cresceu violentamente quando resolveram queimar minha vagina e meu útero. [...] E eu seguia muda. A raiva era tanta que não conseguia gritar [...]. Colocaram uma bacia no chão e o sangue continuava a cair. Não sei quanto tempo isso durou nem quantas vezes aconteceu esse ritual macabro. Assombrava-me ao perceber que, nos intervalos, eles comiam, conversavam, como se há instantes não estivessem cometendo aquelas atrocidades. Relatório Azul (1997), Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1998, p. 307. Apud GINZBURG, Jaime. Escritas da Tortura in: O que Resta da Ditadura. Edson Telles e Vladimir Safatle (orgs.). São Paulo: Boitempo, 2010.