E N D
Deveria ser a primeira preocupação do escritor escolher deliberadamente a mente que refletirá a sua, como se escolhe o local para uma edificação [...] e, isso feito, viver dentro da mente escolhida, tentando sentir, ver e reagir exatamente como faria esta, não mais, não menos, e, acima de tudo, não de outra forma. Só assim poderá o escritor evitar a atribuição de incongruências [...] ao intérprete escolhido. Edith Wharton, The Writing of Fiction, 1925.
O Problema do Narrador Quem fala ao leitor? Narrador em primeira pessoa. Narrador em terceira pessoa.
O Problema do Narrador De que posição (ângulo) ele conta a estória? De fora. Da periferia. Do centro. De frente ou de outros ângulos. Alternando.
O Problema do Narrador Que canais de informação ele usa para transmitir a estória ao leitor? • Palavras, pensamentos, percepções e sentimentosdo narrador. • Pensamentos, percepções e sentimentos dos personagens. • Palavras e ações dos personagens. Observação: as informações sobre tempo, espaço e personagens vêm por intermédio das possíveis combinações dessas possibilidades.
O Problema do Narrador A que distância ele coloca o leitor em relação à estória? • Próximo. • Distante. • Alternando.
Modalidades de Elocução Sumário: modo comum de narrar; relato generalizado de eventos, que cobre certa extensão de tempo e uma variedade de locais. • O velho Mr. Pontifex se casara em 175O; durante quinze anos, porém, a mulher não lhe deu filhos. No fim desse período, Mrs. Pontifex assombrou a aldeia inteira, apresentando sinais evidentes de que pretendia presentear o esposo com um herdeiro ou herdeira. Já há muito tempo considerava-se o seu caso irremediável; e quando ela foi consultar o médico a respeito de certos sintomas, inteirando-se do que significavam, chegou a injuriar o doutor, tal foi sua zanga. • Samuel Butler (1835-1902), Destino da Carne, abertura do cap. II, trad. Rachel de Queiroz, Rio de Janeiro, José Olympio, s.d.
Modalidades de Elocução Cena: modo de mostrar os eventos diretamente ao leitor. • A chuva parou, quando Nick entrou no caminho que atravessa o pomar. As frutas já haviam sido colhidas, e o vento outonal soprava através das árvores nuas. Nick parou e apanhou ao lado do caminho uma maçã Wagner, que a chuva pusera a brilhar no capim escuro. Colocou a maçã no bolso da japona tipo Mackinaw. • Ernest Hemingway (1899-1961), “Ventania de Três Dias”, Contos de Hemingway, trad. A. Veiga Fialho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965.
Modalidades de Elocução Digressão: desvio momentâneo do assunto da estória. • Negar a existência de uma paixão de que vemos amiúde exemplos manifestos parece assaz estranho e absurdo, e, em realidade, só pode provir da autocensura a que acima nos referimos; mas como é injusto! Deverá o homem que não encontra em seu coração traços de avareza ou de ambição concluir daí que essas paixões não existem na natureza humana? Por que não haveremos de obedecer modestamente à mesma norma no julgar assim do bem como do mal nos outros? Ou por que, de qualquer maneira, haveremos, como diz Shakespeare, de “pôr o mundo em nossa pessoa”? • Henry Fielding (1707-1754), Tom Jones, trad. Octávio Mendes Cajado, São Paulo, Abril Cultural, 1971, p. 158.
Narrador Instância do discurso que seleciona, ordena e instaura as coordenadas actanciais, temporais e espaciais da enunciação e do enunciado. Narrativas em primeira pessoa: o narrador participa da estória narrada. Narrativas em terceira pessoa: o narrador não participa da estória narrada.
Narrativas em Primeira Pessoa • O narrador mantém uma relação sincrética com um personagem da estória. • Narrador-personagem ≠ personagem que se torna narrador. • Narrador-personagem: manifesta-se no tempo e lugar da enunciação. • Personagem (que se torna narrador): manifesta-se no tempo e lugar do enunciado. • Narrador-personagem: protagonista ou testemunha.
Narrador-protagonista • O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. • Machado de Assis (1839-1908), Dom Casmurro, prefácio de Ivan Teixeira, São Paulo, Martins Fontes, 1988, p. 6.
Narrador-protagonista • Projeta-se, como personagem, no centro dos acontecimentos de uma estória já decorrida. • Expõe ou comenta os acontecimentos segundo a perspectiva de sua mente, na condição de enunciador da enunciação (narrador). • Pode apresentar suas ideias e emoções diretamente ao leitor, quer na condição de narrador, quer na de personagem.
Narrador-protagonista • Sabe muito de si, mas, de outros personagens, só sabe aquilo que é dado à sua observação ou o que lhe é revelado, porém, pode conjecturar ou especular sobre pensamentos e sentimentos deles. • Pode apresentar os acontecimentos sob perspectivas variadas, por meio, por exemplo, de depoimentos orais ou escritos de outros personagens, aos quais teve acesso direta ou indiretamente. • Conforme se valha da digressão, do sumário ou da cena, alarga ou encurta a distância entre o leitor e o enunciado ou entre o leitor e a enunciação.
Narrador-testemunha • Talvez o leitor prefira interromper esta leitura julgando-me um intrometido incurável quando eu confessar o quanto aquele homem estimulava minha curiosidade e quantas vezes tentei vencer suas reticências em tudo o que dissesse respeito a si próprio. Antes de pronunciar minha sentença, porém, deixem-me lembrá-los de como minha vida era sem objetivo, de quão pouco havia para invocar minha atenção. Devido a meu estado de saúde eu estava impossibilitado de aventurar-me fora de casa quando o clima estivesse menos que magnífico; não tinha amigos que me visitassem para quebrar a monotonia de minha existência diária. Nessas circunstâncias, acolhi com entusiasmo o pequeno mistério que envolvia meu companheiro e passava boa parte do tempo tentando decifrá-lo. • ConanDoyle (1859-1930), Um Estudo em Vermelho, trad. Heloisa Jahn, São Paulo, Ática, 1996, p. 29.
Narrador-testemunha • Projeta-se, como personagem, na periferia dos aconteci-mentos de uma estória já decorrida. • Expõe ou comenta os acontecimentos segundo a perspectiva de sua mente, na condição de enunciador da enunciação (narrador). • Pode apresentar suas ideias e emoções diretamente ao leitor, quer na condição de narrador, quer na de personagem.
Narrador-testemunha • Sabe muito de si, mas, de outros personagens, só sabe aquilo que é dado à sua observação ou o que lhe é revelado, porém, pode conjecturar ou especular sobre pensamentos e sentimentos deles. • Pode apresentar os acontecimentos sob perspectivas variadas, por meio, por exemplo, de depoimentos orais ou escritos de outros personagens, aos quais teve acesso direta ou indiretamente. • Conforme se valha da digressão, do sumário ou da cena, alarga ou encurta a distância entre o leitor e o enunciado ou entre o leitor e a enunciação.
Onisciência • Narrativa em terceira pessoa. • Ponto de vista ilimitado. • A estória pode ser vista de um ou de todos os ângulos. • O narrador escolhe livremente qualquer ângulo ou a alternância de um a outro.
Narrador Onisciente Intruso • Na imprudente execução do prudente plano de coisas, o apelo raramente traz o esperado, o homem a amar raramente coincide com a hora do amor. [...] Basta dizer que, no presente caso, como em milhões, não foram as duas metades de um todo aparentemente perfeito que se defron-taram no momento perfeito [...]. Desastrado atraso de que brotariam ansiedades, desapontamentos, sustos, catástrofes, e mais que estranhos destinos. • Thomas Hardy (1840-1928), Tess, trad. Nei R. da Silva, Belo Horizonte, Itatiaia, 1984, final do cap. V.
Narrador Onisciente Intruso • Posiciona-se fora da estória. • Ponto de vista ilimitado. • Predomínio da voz narrativa, que se pronuncia, frequente-mente, por meio de um “eu” ou “nós”. • Predominância do sumário sobre a cena. • A estória pode ser vista de um ou de todos os ângulos. • O narrador escolhe livremente qualquer ângulo ou a alternância de um a outro.
Narrador Onisciente Intruso • O narrador sabe mais que o personagem. • O leitor tem acesso a toda amplitude de informações possíveis sobre ideias e emoções dos personagens e do próprio narrador . • O narrador tende a apresentar a sua crítica ao que se passa na mente do personagem. • O narrador tece comentários mais ou menos relacionados com a estória (digressões).
Narrador Onisciente Neutro • Uma noite do mês de agosto (tinha então dezoito anos), levaram-na à festa de Colleville. Logo de início ficou tonta, estupefata com o estrépito das rabecas, as luminárias nas árvores, o colorido das roupas, as rendas, as cruzes douradas, aquela massa de gente saltitando ao mesmo tempo. Estava à parte, modestamente, quando um rapaz de aparência abastada e que fumava seu cachimbo com os dois cotovelos sobre o varal de uma carroça veio convidá-la para dançar. • Gustave Flaubert (1821-1880), “Um Coração Simples”, Três Contos, trad. Milton Hatoum e Samuel Titan Jr., São Paulo, Cosac Nayf, 2004, p. 17.
Narrador Onisciente Neutro • Posiciona-se fora da estória. • Ponto de vista ilimitado. • Impessoalidade (objetividade) do narrador; evita-se a digressão. • Predominância do sumário sobre a cena.
Narrador Onisciente Neutro • A estória pode ser vista de um ou de todos os ângulos. • O narrador escolhe livremente qualquer ângulo ou a alternância de um a outro. • O narrador sabe mais que o personagem. • O leitor tem acesso a toda amplitude de informações possíveis sobre ideias e emoções dos personagens, mas, raramente, do próprio narrador.
Onisciência Seletiva • Era preciso achar um meio de escapar a tudo aquilo. Devia haver uma forma mais simples, menos complicada, suspirou ela [Sra. Ramsey]. Quando se olhou no espelho, viu os cabelos grisalhos, a face abatida, aos cinquenta anos, epensou: poderia ter conduzido melhor as coisas – seu marido, o dinheiro, os livros dele. • Virgínia Woolf (1882-1941), Passeio ao Farol, trad. Luiza Lobo, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982.
Onisciência Seletiva • A estória parece vir diretamente da mente de um personagem ou de vários (onisciência seletiva múltipla). • Predomínio da cena no interior ou exterior das mentes. • Os sumários são fornecidos de modo discreto pelo narrador ou emerge por meio das palavras e pensamentos dos personagens. • Na onisciência comum, o narrador conta o que se passa na mente das personagens; na seletiva, ele mostra os estados internos por meio do discurso indireto livre, do monólogo interior e do fluxo de consciência.
O Modo Dramático • Brigid O’Shaughnessy, com a mesma roupa que usara em sua primeira visita ao escritório, levantou-se de uma cadeira ao lado da escrivaninha e veio depressa na direção de Spade. • — Alguém esteve no meu apartamento — explicou ela. — Está tudo revirado, em todos os cantos. • Ele mostrou-se moderadamente surpreso. • — Levaram alguma coisa? • — Acho que não. Não sei. Tive medo de ficar lá. Troquei de roupa o mais depressa que pude e vim para cá. Ah, você deve ter deixado aquele rapazsegui-lo até lá! • Spade balançou a cabeça. • — Não, meu anjo. — Pegou no bolso um exemplar de um jornal vespertino, abriu-o e mostrou para Brigid um quarto de coluna com o título: GRITO PÕE LADRÃO PARA CORRER. • Dashiell Hammett (1894-1961), O Falcão Maltês, trad. Rubens Figueiredo, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 133.
O Modo Dramático • Apagamento ou ocultamento do narrador. • As informações disponíveis ao leitor limitam-se em grande parte ao que os personagens fazem e falam, nunca há indicação direta sobre o que eles percebem, o que pensam ou sentem. Os estados mentais só podem ser inferidos a partir da ação e do diálogo. • A apresentação é inteiramente cênica.
Escolhas • Narrador-protagonista: quando a intenção é a de traçar o crescimento de uma personalidade à medida que ela reage a experiências. • Narrador-testemunha: quando a situação deve ser gradualmente armada e revelada pouco a pouco, com destaque para o elemento de suspense. • Modo dramático: quando o propósito é produzir na mente do leitor uma ilusão de presença, como a do espectador no teatro.
Escolhas • Narrador onisciente intruso: quando a personalidade do narrador possui função definida a preencher em relação à estória. • Narrador onisciente neutro: quando o propósito é o de revelar livremente e à vontade a mente de muitos personagens com maior objetividade ou impessoalidade. • Onisciência seletiva múltipla: quando o propósito é o de mostrar como personalidade e experiência emergem, na forma de um mosaico, a partir do choque entre as sensibilidades de diversos indivíduos. • Onisciência seletiva simples: quando o intento é o de acompanhar uma mente em um momento de descoberta.
[Personagens] não são reais porque se parecem conosco (embora talvez se pareçam, de fato), e sim porque são convincentes. [... Um personagem] é real quando o romancista sabe tudo acerca dele. O romancista pode escolher não nos contar tudo o que sabe – muitos fatos podem ser omitidos [...]. Ainda assim, ele vai nos deixar com a sensação de que, apesar de o personagem não ter sido explicado, ele é explicável, e com isso se estabelece uma espécie de realidade que nunca encontraremos na vida diária. Porque, quando contemplamos os relacionamentos humanos em si mesmos, e não como uma circunstância social, notamos que eles parecem assombrados por um espectro. Não conseguimos nos entender bem uns aos outros, a não ser de um modo precário e superficial; não podemos nos revelar, mesmo quando o desejamos; isso que chamamos de intimidade não passa de uma improvisação; o conhecimento perfeito é uma ilusão.
Nos romances, porém, conseguimos conhecer as pessoas perfeitamente, e, além do prazer normal da leitura, podemos encontrar aqui uma compensação pela falta de clareza da vida. Neste sentido, a ficção é mais verdadeira do que a história, porque ultrapassa as evidências, e todos nós sabemos por experiência própria que existe algo além das evidências; caso o romancista não tenha conseguido mostrar isso da maneira certa, tudo bem – pelo menos ele tentou. [...] • E é por isso que os romances, mesmo quando tratam de pessoas perversas, podem nos servir de consolo: eles sugerem uma raça humana mais compreensível e, portanto, mais manejável, e nos oferecem uma ilusão de perspicácia e poder. • E. M. Forster, Aspectos do Romance, trad. SérgioAlcides, São Paulo, Globo, 2005, pp. 86-87.
Personagens Planos • Alegorias, tipos ou caricaturas. • Na forma mais pura, são construídos ao redor de uma ideia ou qualidade simples. • Facilmente reconhecíveis e lembrados. • Não se modificam pelas circunstâncias. • Não surpreendem. • Não podem ser trágicos.
Personagens Redondos • Indivíduos complexos. • Apresentam densidade psicológica manifesta ou sugerida. • São construídos em conexão com as situações que os modificam. • São surpreendentes. • Só personagens redondos podem atuar tragicamente. • Apresentam sugestão simbólica (no sentido goethiano).