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Fundamentos do Direito Antitruste. Maria Tereza Leopardi Mello 2012. Sumário. Fundamentos da política de defesa da concorrência Características da ação antitruste Alguns conceitos básicos da lei brasileira (e como a Economia ajuda a entendê-los):
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Fundamentos do Direito Antitruste Maria Tereza Leopardi Mello 2012
Sumário • Fundamentos da política de defesa da concorrência • Características da ação antitruste • Alguns conceitos básicos da lei brasileira (e como a Economia ajuda a entendê-los): 3.1. Elementos para caracterização do ilícito; 3.2. Posição dominante/poder de mercado; 3.3. Abuso de posição dominante, princípio da razoabilidade e abordagem per se. • As condutas na lei brasileira • O Controle das operações de concentração • A estrutura institucional de aplicação da lei
Defesa da concorrência requer abordagem interdisciplinar – jurídica e econômica • Conceitos básicos da análise antitruste são, em geral, híbridos de elementos jurídico-normativos e econômicos; a análise econômica ajuda a compreendê-los. • No direito antitruste, a análise econômica tem implicações normativas – i.e., serve de base para a distinção entre o lícito e o ilícito.
1. Fundamentos da política de defesa da concorrência – finalidades e justificativas: • Garantir a existência de competição, a fim de induzir maior eficiência econômica como resultado do funcionamento dos mercados. • Mercados competitivos geram resultados positivos para a sociedade. • Portanto, a concorrência não é um fim em si mesma, mas um meio para obtenção de resultados positivos para interesse público.
Concorrência • Normalmente associada à presença de muitos ofertantes, todos sem poder de influenciar as variáveis básicas de mercado (preços e quantidades); parte de uma situação de ausência de poder de mercado, ao mesmo tempo em que reproduz essa mesma condição.
Concorrência ... • é um processo que gera assimetrias de poder ao mesmo tempo em que as intensifica. Apresenta, assim, resultados ambíguos: • aspectos positivos(inovações, progresso técnico e material socialmente aproveitáveis) • aspectos negativos (a busca contínua, por parte das empresas, de relaxamento das pressões competitivas a que estão submetidas). Ambos podem estar associados à mesma prática, implicando a necessidade de critérios para distingui-los.
Fundamentos constitucionais • Constituição, art. 173: .... § 4o - “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.”
Fundamentos constitucionais Também se articula com outros princípios constitucionais da Ordem Econômica (art. 170): • O respeito à livre iniciativa (170, caput); • Livre concorrência (170, IV); • Função social da propriedade (170, III); • Defesa do consumidor (170, V) OBS: v. art. 1o da Lei 8.884/94
Implicações dos fundamentos constitucionais • A política de defesa da concorrência deve ser entendida num sentido amplo: todas as ações do Estado que possam ter efeitos sobre a concorrência, de forma direta ou indireta; • medidas das autoridades públicas devem sempre considerar seus possíveis efeitos concorrenciais: não se pode nem desconhecer, nem desrespeitar o princípio constitucional sem motivação de interesse público ...
2. Características da ação antitruste 2.1. Regras buscam garantir o processo competitivo, mas não determinar seus resultados: para assegurar o bem estar resultado da concorrência, a lei antitruste impõe, essencialmente, um dever de abstenção – um agente cumpre a lei enquanto não provoca efeitos anticoncorrenciais com suas estratégias (regulação reativa).
2. Características ... 2.2. Foco da ação antitruste: forma pela qual o poder de mercado é adquirido e mantido pelos agentes econômicos (já que só agentes detentores desse poder são capazes de provocar danos ao processo competitivo). • Existência de poder de mercado é condição necessária à aplicação da lei; sem ser, no entanto, uma condição suficiente ... Obs: poder de mercado = posição dominante, na linguagem jurídica
2. Características ... 2.3. Proteção a interesses difusos - o interesse juridicamente protegido pela lei antitruste é da sociedade como um todo: “... A coletividade é titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei.” (Lei 8.884, art. 1o) • Objetiva-se defender/garantir a existência do processo concorrencial e não um ou outro concorrente eventualmente prejudicado.
Proteção a interesses difusos - implicações - Distinguir ação antitruste de: • Sistema de repressão à concorrência desleal, que estabelece regras para as relações entre particulares/concorrentes (v. Lei 9.279/96); e • Sistema de defesa do consumidor (Lei 8.078/90).
2. Características ... 2.4. Lei 12.529/2011 - dois tipos de ação antitruste: • Repressão a condutas anticompetitivas; • Controle das estruturas de mercado que condicionam as condutas dos agentes (de natureza preventiva), também conhecido como controle dos atos de concentração.
3. Alguns conceitos básicos da lei antitruste brasileira 3.1. Qualificação de uma conduta como anticompetitiva (ilícita): o objetivo de defender o processo competitivo implica a necessidade de reprimir qualquer tipo de prática que tenha o efeito de prejudicar esse processo. É, pois, o efeito que caracteriza a ilicitude. Lei, art. 36 – define hipóteses de infração à ordem econômica.
Lei 12.529, art. 36 Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
3.1. O art. 36 da Lei 12.529 • Considera-se infração quaisquer atos (independente da forma; independente de culpa – trata-se de responsabilidade objetiva); • que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos ... • ainda que não sejam alcançados ... (efeitos podem ser apenas potenciais); • os efeitos listados são expressos de forma genérica*: são, em última análise, efeitos anticoncorrenciais cuja definição fica a cargo da análise econômica, em cada caso. * Conceitos jurídicos indeterminados (diferente de discricionariedade)
3.2. Poder de mercado/posição dominante • A posição dominante é condição lógica para a ocorrência dos efeitos listados no art. 36. É, portanto, uma condição necessária* para se saber se um caso é relevante do ponto de vista antitruste, embora a lei não o diga expressamente. Obs: diferença entre a consideração jurídica e a análise econômica. - definição da literatura jurídica:independência e ausência de riscos. *embora não suficiente- v. § 1º: “A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.”
Poder de mercado/posição dominante • A Lei adota, como parâmetro, uma medida de marketshareassociada ao controle de parcela substancial de um mercado, cf. art. 36, §§ 1o e 2o : “Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo ... for capaz de alterar ... as condições de mercado ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante ...”; • tal controle presume-se existir quando essa empresa (ou grupo) detém 20% do mercado relevante.
Poder de mercado/posição dominante • O parâmetro de 20% serve como mera presunção – não absoluta -de posição dominante; • seu efeito jurídico é apenas estabelecer a inversão do ônus da prova - i. e., pode-se provar o contrário da presunção legal (pela comprovação de que, apesar do market share elevado, outras variáveis fazem com que uma firma não exerça posição dominante).
Parâmetros da análise antitruste • em primeiro lugar, é necessário identificar a existência de poder de mercado(posição dominante); • passo logicamente prévio para isso é a delimitação do mercado em que tal poder é exercido (mercado relevante); • análise das condições de mercado que tornam provável (ou não) o exercício desse poder de mercado.
Parâmetros .... • Dado que uma mesma conduta pode apresentar efeitos ambígüos sobre a concorrência - restritivos mas geradores de eficiências -, a análise deve ponderá-los a fim de verificar qual deles prevalece, e só proibir as condutas que apresentarem efeitos anticompetitivos líquidos. • Para isso, identificam-se as eficiências que podem ser geradas por práticas restritivas da concorrência. Esse o critério para distinguir o abuso de poder econômico.
Mercado Relevante • Dimensão produto: identificam-se todos os produtos que podem ser bons substitutos; • Dimensão geográfica: área na qual a venda desses produtos é economicamente viável; • depende, basicamente, de custos de transporte e alíquotas de imposto de importação
Mercado Relevante • Uma vez identificado um mercado [produto/área], é em relação a ele que serão feitas todas as demais análises necessárias: • cálculo das parcelas de mercado das empresas participantes; verificação da existência de poder de mercado da empresa investigada; análise das condições de mercado, barreiras à entrada etc.; ocorrência de danos à competição. Obs: a delimitação do mercado afeta os resultados da análise...
3.3. Abuso de posição dominante • A posição dominante não é ilícita quando adquirida ou mantida por meios “naturais” (v. art. 36, § 1o ). • Portanto, apesar de necessária, não é condição suficiente para a caracterização de infrações: o sistema brasileiro visa à repressão ao abuso de poder econômico. Importa, pois, discutir os critérios para distinção entre uso abusivo e não abusivo desse poder. • Abuso – desvio de finalidade; conflito entre interesses individuais e coletivos
Abuso como desvio de finalidade • Ferraz Jr. (1995) aplica a noção de desvio de finalidade e de conflito de interesses individuais e coletivos à análise do abuso de poder econômico: é abusiva a prática que, mesmo em condições objetivamente legais, possa gerar efeitos contrários ao princípio da concorrência. A liberdade não pode ser exercida “com efeitos contra a própria concorrência quando o agente formula suas estratégias no uso de seu poder econômico”.
3.3. Abuso... • Finalidade da qual se desvia é aquela subjacente ao princípio da liberdade de iniciativa (que inclui a liberdade de uso do poder econômico): promover a concorrência para alcançar seus resultados positivos para o bem estar; • portanto, o desvio será caracterizado pela verificação de certos efeitos (art. 36), quando havia o dever de abstenção.
3.3. Abuso e efeitos líquidos • Abordagem do princípio da razoabilidade do direito antitruste americano (rule of reason) ajuda a colocar parâmetros para avaliação da abusividade: implica consideração de eficiências compensatórias aos efeitos restritivos. • Compatibilidade com sistema jurídico brasileiro: se desconsiderar eficiências compensatórias, a aplicação da lei pode ter resultados contrários ao interesse social.
Rule of reason X Per se • Dois métodos de análise adotados na jurisprudência americana: • Práticas restritivas que possam gerar ganhos de eficiência – abordagem da razoabilidade implica considerar efeitos líquidos. • Práticas às quais, geralmente, não se associam eficiências – ilícitas per se. Tipo de abordagem repercute no processo judicial e nos argumentos aceitos como defesa.
Per se – definições da jurisprudência americana - 1958 “Há certos acordos ou práticas que, devido a seus efeitos perniciosos sobre a concorrência e à ausência de qualquer virtude redentora, se presumem não razoáveis e ilegais, sem necessidade de um elaborado inquérito sobre quais os efeitos ... ou sobre (suas) justificativas .. .. Esse princípio ... torna as práticas proibidas pela Lei Sherman mais certas ... , e também evita a necessidade de complicadas e prolongadas investigações ... - freqüentemente infrutíferas ... .” Suprema Corte americana no caso Northern Pacific Ry v. United States
Per se – definições da jurisprudência americana - 1984 “A regra per se requer que o Tribunal proceda a uma ampla generalização a respeito da utilidade social de certas práticas comerciais ... Casos que não se enquadram nessa generalização podem aparecer, mas regra per se reflete o juízo de que tais casos não são suficientemente comuns ou importantes a ponto de justificar o tempo e os gastos requeridos para identificá-las...”. Suprema Corte dos EUA, caso Sylvania.
Custos e Benefícios da análise per se Custos: possibilidade de condenar uma prática que não tenha efetivamente causado dano à concorrência, ou que tenha efeitos positivos líquidos; o custo será maior se a conduta condenada tiver estes efeitos benéficos para a concorrência. Benefícios: evita custos do sistema judicial e das partes litigantes necessários à solução de um litígio com base na rule of reason (custos públicos e privados). Rapidez da solução dos casos - evita discussões sobre efeitos de uma prática que, na maioria das vezes, causa dano à concorrência. Clareza das regras: certeza jurídica - serve de guia para os agentes (efeito antecipatório de evitar práticas que, na maioria das vezes, são perniciosas).
Conseqüências do status de per se (EUA) A conduta pode ser condenada sem necessidade de demonstrar poder de mercado do agente (porque esse poder é suposto). Desnecessidade de demonstrar efeitos anticompetitivos (o denunciante não tem o ônus da prova da existência de efeitos anticoncompetitivos); desnecessidade de demonstração da não razoabilidade de seus resultados; ambos - a existência de efeitos e a não razoabilidade destes - estão implícitos e supostos na conduta em questão; Condenação se dá sem considerar justificativas do acusado (ou, pelo menos, certos argumentos são inadmissíveis) (v. Krattenmaker).
Argumentos de defesa é que são inadmissíveis per se • Cf. Krattenmaker – não se deve falar em violação per se das normas, mas sim em defesas/justificativas inadimissíveis per se; não se trata de um atributo da conduta, mas de certos argumentos de defesa. • Na abordagem per se, certas defesas são sumariamente rejeitadas, seja por princípios, seja porque a experiência mostra que os custos de um inquérito detalhado irão exceder os ganhos potenciais. A matéria de defesa que é per se inadmissível varia conforme a natureza da violação.
Exemplos: • Em acordos horizontais de fixação de preços, a ausência de poder de mercado não é válida como único argumento de defesa, porque se supõe que a prática só pode ser efetivada por empresas que, pelo menos em conjunto, detenham esse poder (a ausência de poder de mercado não seria um argumento crível). • Tampouco é admissível o argumento de que os preços fixados sejam razoáveis, pois: • preços razoáveis são aqueles determinados pelas forças de mercado, e não aqueles escolhidos pelas firmas (ou determinados pelos juízes...); • se não fosse para aumentar preços acima do nível competitivo (ou permitir que eles não caiam) não haveria racionalidade econômica na prática do acordo.
4. O controle de condutas na lei brasileira – as condutas “típicas” do art. 36, § 3º : • Elenco meramente exemplificativo – não esgota todas as condutas passíveis de serem consideradas ilícitas pela lei antitruste: “As seguintes condutas, além de outras ...” • É subordinado – as condutas tipificadas só serão ilícitas se puderem provocar um dos efeitos elencados no caput: “... na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo ...”
4. As condutas na lei brasileira • Podem ser de natureza horizontal ou vertical, individual ou concertada (a lei estabelece um elenco de exemplos). • V. art. 36, § 3º, XIV e XIX (condutas envolvendo propriedade intelectual). • Resolução CADE n.20/99 descreve as principais condutas e aponta os possíveis efeitos pró e anti concorrenciais de cada uma.
4.1. Agentes destinatários • A lei os define de forma ampla, de modo a não limitar sua aplicabilidade – v. art. 31: não faz referência ao tipo de atividade nem ao propósito lucrativo. • Sindicatos, associações de profissionais etc. podem ser processados; • Entidade da administração pública pode ser sujeito de infração.
4.2. Conseqüências das infrações no âmbito administrativo: • Obrigação de fazer cessar a prática ilícita por determinação do CADE; • Multa pela infração, cf. art. 37; • Outras penalidades (art. 38), a serem aplicadas em casos de maior gravidade: v. hipótese de recomendação ao órgão competente para que conceda licença compulsória de direitos de PI, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito.
Art. 38 – penalidades acessórias: I - a publicação, ... às expensas do infrator, em jornal ..., de extrato da decisão condenatória, ...; II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, ...; III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: • a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator; • b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos; V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.
4.3. Conseqüências das infrações ... • Civis (art. 47) – prejudicados podem pedir no Judiciário a cessação da prática e indenização por danos (esta última só pode ser pedida com base na lei antitruste se ao prejuízo privado também se associar algum prejuízo à concorrência). • Penais - estabelecidas na Lei 8.137/90 (art. 4o), que tipifica crimes contra a ordem econômica.
5. Controle das condições estruturais dos mercados Critérios para submissão obrigatória (prévia): Art. 88, caput – obriga a submissão de atos de concentração em que: • algum participante tiver faturamento anual bruto ≥ a R$ 400 milhões; (b)outro participante tenha faturamento ≥ R$ 30 milhões. *fusão, aquisição, incorporação, contratos de cooperação, joint-ventures e consórcios (art. 90).
5.2. Decisões possíveis • Aprovação integral; • Aprovação parcial, impondo-se modificações na proposta inicial (acordos negociados com a SG); • Não aprovação.
5.3. Critérios de decisão Primeiro passo: análise do impacto de um ato de concentração sobre o(s) mercado(s) relevante(s), a fim de verificar em que medida ele provoca a diminuição do grau de concorrência existente antes da operação.
5.3. Critérios de decisão ... Segundo passo: avaliar se a operação também apresenta ganhos de eficiência que compensem os efeitos restritivos. Obs: esse passo só é necessário se a análise anterior concluir que o ato provoca algum efeito restritivo da concorrência, ainda que apenas potencial.