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Teoria do Crime. FDUNL Maio 2009 Trabalho realizado por: Paulo Gonçalves nº1272 Álvaro Duarte nº1280. Acórdão do STJ 22/04/03. Homicídio por negligência Negligência consciente Negligência grosseira. Enquadramento dos crimes negligentes.
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Teoria do Crime FDUNL Maio 2009 Trabalho realizado por: • Paulo Gonçalves nº1272 • Álvaro Duarte nº1280
Acórdão do STJ22/04/03 Homicídio por negligência Negligência consciente Negligência grosseira
Enquadramento dos crimes negligentes • Art. 13º CP: os tipos negligentes, por imposição do princípio da legalidade, devem estar expressamente previstos na lei (título de responsabilidade excepcional); • Art. 15º CP: define o tipo negligente, apontando para a falta de cuidado na avaliação objectiva da situação, sendo exigível ao agente avaliação diversa;
TPB: Omissão ≠ negligência Omissão qualifica um tipo de crime quanto à estrutura do comportamento; Negligência caracteriza um crime quanto à fundamentação subjectiva da responsabilidade; FD Imputabilidade da negligência resolve-se de maneira análoga à dos crimes dolosos; “A responsabilização de alguém por um delito negligente implica sempre uma responsabilidade pelo acaso” Doutrina
Roxin: • Os crimes negligentes são todos de violação de dever.
O crime negligente comporta contudo um momento omissivo; • Momento omissivo: não ter cuidado ou não prever um resultado, ou tendo previsto, não evitá-lo; • Dogmática dos tipos negligentes: “omissão voluntária de um dever”
Estrutura dos crimes negligentes • Crime negligente é um “facto voluntário declarado e punível pela lei penal”; • Implica a existência de uma acção, de um comportamento dominável ou objectivamente controlável pela vontade; • Faz sentido a distinção entre tipo objectivo e subjectivo nos crimes negligentes?
Quem advoga que a distinção existe, argumenta que: • o tipo objectivo corresponde a uma certa actividade ou produção de um certo resultado e; • o tipo subjectivo corresponde à previsão (na negligência consciente) do resultado danoso;
TPB: “Incongruência entre a situação objectiva e situação subjectiva” • Expressão “tipo subjectivo” para crimes negligentes é infeliz; • Nos crimes dolosos, no tipo subjectivo, partimos da coincidência entre a representação e a vontade de alguém e qualquer coisa que objectivamente se passa ≠ crimes negligentes; • “Na negligência, a pessoa não representa uma situação objectiva ou, se a representa como possibilidade, não se convence dela, e portanto essa incongruência entre a realidade objectiva e a representação de uma pessoa é justamente aquilo que é característico dos crimes negligentes (…)” • “Falar do tipo subjectivo querendo com isso dizer que a violação do dever de cuidado é o título de responsabilização subjectiva de uma pessoa -poderá fazer sentido dizer-se que, no fundo, a violação do dever de cuidado é o título de responsabilização subjectiva (…)”
Elemento essencial dos crimes negligentes • Violação do dever de cuidado (artigo 15º CP); • Que deve ser analisada não tanto em termos do cuidado exigível a uma pessoa média; • Mas em termos do cuidado exigido àquela pessoa em concreto e, naquela situação concreta.
TPB: É difícil discernir o que seja cuidado exigível na lei, isto é, não é fácil nos tipos negligentes descrever pormenorizadamente na lei um certo cuidado exigível; É o juiz que julga o caso concreto, que concretiza, naquele caso, o que seria o cuidado exigível àquele indivíduo em concreto; FD: “A expressão violação de cuidado quer designar exigências de comportamentos em geral obrigatórias cujo cumprimento do direito requer, na situação concreta respectiva, para evitar realizações não dolosas de um tipo objectivo de ilícito”; “O critério definidor da violação do dever de cuidado na negligência, seria sempre um critério individual ou individualizador”. Como se determina o dever de cuidado exigível?
Fontes concretizadoras do dever de cuidado: FD: • “É fundamental comprovar a fonte do cuidado devido no caso concreto. As fontes normativas são as primeiras e mais importante elemento concretizador do dever de cuidado. Outra fonte de aferição do dever objectivo de cuidado é constituída pelas normas escritas, profissionais e do tráfego, correntes em certos domínios de actividade”; • A concretização destas regras de cuidado resultantes das fontes referidas tem a função de precisar a medida do risco aqui permitido; • “Às normas meramente «técnicas» não poderá atribuir-se o mesmo relevo indiciador que se deve conferir às normas «jurídicas» em particular, porque aquelas podem ter na sua base interesses meramente corporativos.
A medida do cuidado exigível: TPB: • A medida de culpa exigível nestes crimes é balizada pelo chamado princípio da confiança, que embora sem consagração legal, tem sido aceite pela doutrina e desenvolvido pela jurisprudência; • Este princípio tem como missão delimitar em certos casos uma certa medida de cuidado exigível; • Dentro dessa ideia geral de confiança, uma pessoa pode supor que os outros cumprirão o seu próprio dever de cuidado, se o não fizerem, isso não responsabilizará a pessoa que assim confiou; • A confiança vai até o limite que nos indica a própria normalidade da vida como experiência comum.
Imputação objectiva: • Na análise da previsibilidade de um resultado no tipo negligente, pondera-se: • aquilo que é previsível e evitável para a generalidade das pessoas e; • se o agente que violou um dever de cuidado e provocou o resultado, poderia em concreto prever e evitar aquele resultado; Eduardo Correia: • Não basta apurar a existência fáctica do dever de cuidado, sendo necessário que se possa imputar objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente.
Ilicitude: • A ilicitude é afastada se funcionarem causas de exclusão do facto; • Funcionam, em princípio, as mesmas causas de exclusão dos crimes dolosos, para os crimes negligentes; • Embora algumas sejam de verificação mais provável ou possível simplesmente pela desnecessidade de elementos subjectivos, uma vez que o tipo negligente não pressupõe uma certa intenção
Culpa: TPB: • Em princípio, coloca-se nos mesmos termos que nos crimes dolosos; • Embora com eventuais especificidades no que concerne à concretização da medida do cuidado exigível; • O próprio cuidado exigível em concreto a uma pessoa é um elemento do tipo da negligência e não um elemento da culpa; • Isso quer dizer que para a culpa ficarão também, em princípio as possibilidades de exclusão que se põem em relação aos crimes dolosos.
FD: • Não faz sentido perguntar nos tipos negligentes se se verifica uma consciência potencial ou virtual do ilícito; • A culpa não é poder de agir de outra maneira, e a consciência que aqui se trata é consciência ética e não intencional ou psicológica; • O elemento material do tipo de culpa negligente traduz-se na violação do dever de cuidado objectivamente imposto; • São deste modo insusceptíveis de fundar a materialidade da culpa: a impossibilidade pessoal de perceber ou de cumprir o dever de cuidado, falta de inteligência, de saber, etc…
Formas imperfeitas de crime? Tentativa negligente? Comparticipação? TPB: • Não existe tentativa nos tipos negligentes – a lei positiva, definiu exclusivamente em relação aos crimes dolosos, ou seja, faz uma exigência fundamental de que haja intenção do agente; • É autor aquele que viola o dever de cuidado, e nada mais que isso, e a lei no artigo 27º CP não prevê a possibilidade de um cúmplice negligente; • Quanto à instigação, apesar do CP sistematizar na parte da autoria, deve ser entendida como uma forma de participação, cuja censura equivale a repreensão atribuída a um autor. Porém, é uma figura dolosa, insusceptível de ser praticada por negligência;
Modalidades de Negligência: • Consciente e Inconsciente; • A consciência refere-se aqui ao perigo da ocorrência do resultado típico – resultado em sentido jurídico: • Diz-se consciente quando a pessoa representa a possibilidade de verificação do resultado, e inconsciente quando não representa esta possibilidade. TPB: • Critica esta diferenciação de grau da negligência, argumentando que uma não é tendencialmente mais grave que a outra, e portanto, essa diferenciação ente as formas de negligência é apenas uma diferenciação descritivo - definitória. Porém a gravidade que interessa é o grau da culpa, neste caso, negligência grosseira.
O problema da negligência grosseira: FD: • Constitui no DP um grau essencialmente intensificado de negligência; Roxin: • O conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também do ilícito; • A nível do ilícito torna-se indispensável que se esteja perante um comportamento potencialmente perigoso e um resultado altamente provável à luz da conduta adoptada; • A nível da culpa tem que alcançar-se a prova autónoma de que o agente revelou um comportamento potencialmente censurável.
Matéria de facto • No dia 6 de Maio de 2002, por volta das 21h30, o arguido A encontrava-se acompanhado de B e mais quatro indivíduos seus amigos, em Camarate, Loures; • O arguido tinha uma espingarda caçadeira de calibre 12, com a coronha e os canos serrados, que ocultava sob o casaco; • O grupo em que se encontrava o arguido decidiu ir a casa deste para deixar a caçadeira;
O arguido, a título de brincadeira, empunhou a caçadeira, visando B, que se encontrava de frente para si, a aproximadamente dois metros de distância; • B disse-lhe para estar quieto, pois não gostava daquele género de brincadeiras; • O arguido disparou a arma, atingindo B; • B, sentindo-se ferido, exclamou: “ai Gasosas, que me mataste!”, correndo em busca de auxílio, sendo seguido pelo arguido;
O arguido atirou a arma, constatando que o cano onde tinha deflagrado o tiro havia explodido, ferindo o arguido na mão; • Com receio dos familiares da vítima, o arguido refugiou-se em sua casa, entregando-se posteriormente na esquadra da PSP;
O relatório de autópsia comprovou que a morte de B se ficou a dever às graves lesões traumáticas cervico-toráxicas, causadas pelo projéctil de arma de fogo; • O arguido, ao empunhar a arma e apontá-la na direcção de B, àquela distância, admitiu como possível que, accionando o gatilho da arma, esta disparasse, podendo ocorrer a morte de B, mas confiou que tal não sucederia;
O arguido não era detentor de licença de arma, nem a mesma reunia as condições para poder ser usada e ser emitida uma licença de uso e porte; • O arguido actuou de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era penalmente punível; • O arguido não tem antecedentes criminais;
Problema a solucionar em sede de recurso • Deveria ou não ter sido aplicada a legislação especial para jovens (DL 401/82 de 23 de Setembro), e nesse caso, por efeito do disposto no art. 4º desse diploma legal, atenuar-se especialmente a pena?
O recorrente, à data dos factos, tinha 16 anos de idade, e o art. 9º do CP manda aplicar aos maiores de 16 anos de idade e menores de 21 anos, as normas fixadas em legislação especial; • O art. 2º do DL 401/82, dispõe que a lei geral se aplicará em tudo o que não for contrariado pela disciplina especial que nele se contém;
O art. 4º do diploma estabelece que, nos casos de ser aplicável pena de prisão, esta será especialmente atenuada, nos termos dos arts. 73º e 74º CP, se o juiz “tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”; • Sendo assim, há que ser feito um juízo de prognose que leve o tribunal a concluir que a aplicação do regime mais favorável traz vantagens para a reinserção social do agente;
O juízo de prognose tem que ter em conta: • a gravidade do crime cometido e • as razões que radiquem não em mero subjectivismo, mas em elementos factuais provados;
Embora no caso concreto se trate de um crime contra a vida, em que o resultado objectivo se traduziu na morte da vítima, estamos perante um acto negligente; • Trata-se de negligência consciente, pois o agente prevê o resultado como possível, mas confia, apesar disso, que ele não venha a se produzir (art. 15º al. a)); • A negligência foi ainda qualificada de negligência grosseira, o que acarreta a sua intensificação, com o agravamento do limite máximo da pena aplicável, que passa de três para cinco anos (art. 137º nº2 CP);
Ao apontar a arma à vítima, a uma distância de cerca de dois metros, e ao premir o gatilho, o recorrente previu como possível que a arma se disparasse, apesar de não aceitar o resultado, e violou os princípios mais elementares de prudência;
O recorrente foi inclusivamente advertido pela vítima, de quem era amigo, que estivesse quieto, pois não gostava daquelas brincadeiras;
Por se tratar de um crime de homicídio negligente, em que a negligência assume uma forma particularmente grave (grosseira), quer quanto à ilicitude, quer quanto à culpa, é necessário apurar o ajustamento da punição ao caso concreto, tendo em conta as razões sérias
Razões sérias: • O recorrente era amigo da vítima, não havendo razões para ele a querer matar; • Ao exclamar “ai Gasosas, que me mataste!”, a vítima denunciou um espanto desesperado em face da morte iminente; • Ao correr atrás da vítima quando esta foi em busca de auxílio, o recorrente inculcou um acto de desespero face ao acontecimento trágico a que tinha dado causa;
O recorrente entregou-se voluntariamente às autoridades, mostrando arrependimento imediato; • Por se tratar de um jovem adulto no limiar da imputabilidade penal, deve dar-se preferência à aplicação do regime especial sobre a lei penal geral;
Deve ainda ser tomada em conta: • a idade do recorrente; • a sua inserção familiar; • a reduzida escolaridade; • e o enquadramento sócio-familiar;
Conclusão do tribunal: • Embora o facto cometido seja grave e a conduta seja temerária e mereça adequada censura, existem razões sérias para concluir que resultam vantagens para o recorrente, do ponto de vista da sua reinserção social, na atenuação especial da pena (aplicação do art. 4º DL 401/82);
A pena a aplicar não poderá ser tão: - acentuada que possa romper o equilíbrio de uma personalidade em formação, nem constituir um estigma demasiado forte que poderia acarretar um sentimento de exclusão, tendo em conta a sua inserção sócio-familiar; - diminuta que não constitua censura adequada do acto inconsiderado, tendo em vista as trágicas consequências a que deu causa, sendo exigível uma pena de prisão efectiva;
Por efeito da atenuação especial, o máximo da pena aplicável ficará reduzido a 3 anos e 4 meses e o mínimo será o mínimo legal (art. 73º nº1 als. A) e b) CP); • O STJ revoga a decisão recorrida e condena o recorrente na pena de um ano de prisão pelo crime de homicídio praticado com negligência grosseira e em seis meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida; • Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º n.ºs 1 e 2 CP, o recorrente é condenado numa pena única de um ano e dois meses de prisão.
Análise dogmática do acórdão: • O agente conhecia a perigosidade da arma de fogo e pela sua potencialidade mortífera, estava obrigado a usá-la com especial cuidado; • Ao disparar na direcção do amigo, violou deveres elementares de cuidado, que um homem de diligência média, naquelas circunstâncias concretas não teria deixado de observar;
Acção: Verifica-se um “facto voluntário” controlável pela vontade, declarado e punível pela lei penal. • Típica: Acção que preenche o tipo legal de homicídio negligente (artigo 137º CP), sendo que: - na Tipicidade:há incongruência entre o elemento objectivo e elemento subjectivo, e segundo TPB, não se deve falar em tipo subjectivo dado que na negligência não existe a representação da realidade objectiva na mente do agente; • Tipo Objectivo: Sendo o homicídio um crime de resultado, há que aplicar as regras de imputação objectiva. Assim sendo, pela falta de cuidado na avaliação objectiva da situação, é previsível que daquela brincadeira resulte uma morte segundo o raciocínio de um homem médio e, que para aquela pessoa em concreto, era exigível uma outra conduta que não aquela (não disparar por brincadeira); • Tipo Subjectivo? Querendo com isso dizer que o arguido é responsabilizado subjectivamente pela violação do dever de cuidado a que estava obrigado – constata-se que a título de negligência, o arguido provocou a morte do amigo.
Ilicitude: Não se verifica nenhuma causa de justificação do facto. • Culpa: O arguido actua com liberdade de entendimento e liberdade de decisão – o que pressupõe consciência da ilicitude do facto e, a consequente censura atribuída pela ordem jurídica. • Punibilidade: O arguido para além de praticar uma acção típica, ilícita e culposa, pelo facto de se encontrar em Portugal e o homicídio ser um crime público, significa que estão reunidas as meras condições de punibilidade.
Bibliografia • Beleza, Teresa Pizarro, Direito Penal II, 1986, Reimpressão AAFDL, 1997, 4ª edição. • Dias, Jorge de Figueiredo - Direito Penal, Parte Geral , tomo I, Questões fundamentais. A doutrina geral do crime Coimbra Editora, 2007, 2ª edição.