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CÓRPUS PARALELO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA A ELABORAÇÃO DE DICIONÁRIOS BILÍNGUES. Adriana Zavaglia ( zavaglia@usp.br ) DLM (francês) – FFLCH – USP “IV Ciclo de Conferências sobre o Léxico” 18/07/13 – 14h. Objetivos da apresentação.
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CÓRPUS PARALELO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA A ELABORAÇÃO DE DICIONÁRIOS BILÍNGUES Adriana Zavaglia (zavaglia@usp.br) DLM (francês) – FFLCH – USP “IV Ciclo de Conferências sobre o Léxico” 18/07/13 – 14h
Objetivos da apresentação • Apresentar uma abordagem interdisciplinar da lexicografia bilíngue a partir de corporaparalelos. • Discutir os procedimentos e critérios adotados para: • caracterizar a variação semântica de uma determinada lexia em contexto autenticamente bilíngue. • Apresentar os expedientes linguísticos e tradutológicos utilizados: • concordância de lexias, • alinhamento de ocorrências paralelas na direção do português para o francês, • classificação das relações tradutórias, • análise enunciativo-distribucional.
Objetivos da apresentação • Observação e análise da lexia “capanga”, com os seguintes resultados lexicográficos: • definições e contextualizações da variação semântica da lexia, • microestrutura baseada numa relação de proporcionalidade entre frequência de ocorrência no corpus e ordem de inserção no verbete. OBSERVAÇÃO: trata-se de um experimento.
Motivação do experiemento • Lacunas existentes em algumas obras lexicográficas (francês/português): Burtin-Vinholes, 2003; Rónai, 1989; Azevedo, 1998; Signer, 1998. • Características de dicionários monolíngues, como a análise linguística, a definição e a exemplificação. • Resultados de pesquisas anteriores na área da lexicografia bilíngue (cf. Zavaglia 2004a; 2004b; 2005), pelas quais percebeu-se que é possível, e bastante enriquecedor: • utilizar originais e traduções como material de base pelo fato de a polissemia dos vocábulos estudados ser cotextualizadae contextualizada pelos usos efetivos das unidades em contato na tradução.
Expedientes teóricos e objetivo específico • Expedientes: • Linguística de corpus(Sardinha 2004, Tognini-Bonelli 2001). • Linguística enunciativa (Culioli, 2000). • Teoria da tradução (Aubert, 1998, 2006). • Objetivo específico: • Desenvolver experimentalmente uma metodologia que permita ao lexicógrafo tratar mais eficazmente toda a complexidade que envolve a descrição da polissemia de uma lexia em co(n)texto autenticamente bilíngue.
Material • Material: • Corpusparalelo digitalizado de mais de 180.000 palavras (texto integral de Sagarana, de G. Rosa, e a sua tradução integral homônima para o francês – trad. de Jacques Thiériot). • Palavra de busca em português: lexia “capanga”. • Correspondentes em francês da palavra de busca. • Programa WordsmithTools.
Método • Método: • Concordância de “capanga” (5 co-ocorrênciasà direita e 5 à esquerda): resposta de 15 enunciados. • Análise dos 15 enunciados para esboçar o perfil semântico-funcional de “capanga”. • Alinhamento dos enunciados contendo “capanga” com suas traduções. • Observação das relações e comportamentos.
PERGUNTA • O QUE É “CAPANGA”? • Vamos consultar os dicionários monolíngues.
Motivação da escolha de “capanga” • Semântica: homem e bolsa. • Morfológica: masculino singular ou plural (homem – não encontrei ocorrências no feminino significando mulher) e feminino singular (bolsa). • Lexicográfica: polissemia e homonímia. • Tradutológica: como traduzir?
Valores referenciais: “capanga” • As unidades léxico-gramaticais das línguas remetem potencialmente a diversos valores referenciais, variando semanticamente. Analisada fora de contexto, a lexia “capanga” remete potencialmente a pelo menos dois valores referenciais: • Dicionário monolíngue PRIBERAM (variante brasileira): capanga(tupi capa, variante de caba, ferir, quebrar + terminação-nga) s. m. 1. [Brasil] Homem contratado como guarda-costas, geralmente armado. = CACETEIRO, JAGUNÇO s. f. 2. [Brasil] Pequena bolsa que os viajantes levam a tiracolo. = MOCÓ • http://www.priberam.pt/dlpo/
Valores referenciais: capanga • Em cotextoe contexto específicos, as unidades léxico-gramaticais das línguas costumam assumir apenas um valor (com exceção da ambiguidade, que impõe uma bifurcação entre dois valores), há uma estabilização de seus possíveis valores. • Exemplo: “capanga” • (1) Cada um trazia, na capanga, bem agargalada, uma garrafa suplementar. CAPANGA BOLSA • (2) [...] os capangas, lá fora, empunhando os cacetes, farejando barulho grosso. CAPANGA HOMEM
Valores referenciais: capanga OU SEJA: • Nos enunciados (1) e (2), capanga assume ora um valor, ora outro, e não os dois ao mesmo tempo (se esse fosse o caso, entraríamos no jogo de palavras, na metáfora, numa outra dimensão): • Em (1), capanga é um determinado tipo de bolsa – domínio da cultura material. • Em (2), capanga é um determinado tipo de homem – domínio da cultura social.
Valores referenciais e hipersintaxe • Em contexto monolíngue, o conceito culioliano de Forma Esquemática (FE) é um procedimento analítico que permite a descrição da hipersintaxe de uma dada lexia. • Essa análise permite delinear a identidade da variação semântica de uma dada lexia pela observação dessa variação. • Seria possível encontrar a identidade da variação semântica de “capanga”?
Valores referenciais e hipersintaxe • Sim. Esse funcionamento comum é a hipersintaxe de “capanga”, que pode ser representada por uma FE. • A FE da lexia só pode ser construída pela observação de seus diferentes usos textuais. • Embora cada um dos diferentes valores referenciais de uma dada lexia atualizados na enunciação seja indispensável para a construção de sua FE, nenhum deles poderia esquematizá-la abstratamente por si só.
Por que hipersintaxe (hypersyntaxe)? • A sintaxe estuda a organização das lexias nas frases. • A hipersintaxe é a organização das propriedades operacionais de linguagem que permitem a construção dos valores referencias das lexias. • Ou seja, cada unidade léxico-gramatical das línguas (prefixos, sufixos, vocábulos, termos...) remete a uma hipersintaxe. PERGUNTA: O QUE É LINGUAGEM?
Por que hipersintaxe (hypersyntaxe)? • As lexias não se organizam aleatoriamente: • Há regras e princípios que regem a sua organização nas frases: • *Está sapato levado o que menino o calçou furado. • O sapato que o menino levado calçou está furado. • Elas combinam-se entre si também por regras e princípios: • o sapato – *sapato o; o menino – *menino o • menino levado – *sapato levado • menino calça sapato – *sapato calça menino • sapato está furado – *menino está furado • calçar (sapatos, luvas, meias; mesa...) • menino (calça/sapatos, luvas, meias, mesa...; estuda; come; é/levado, bonito, inteligente...) • sapato (fura, machuca/pé, dedo..., esquenta/pé, dedo...; é/bonito, preto...)
Por que Forma Esquemática (forme schématique)? • A FE é a definição da hipersintaxe de uma dada lexia ou do funcionamento que se verifica numa só língua em qualquer um de seus diferentes usos textuais, mas que não se resume a nenhum deles. • EXEMPLO: “COMO”
Valores referenciais de COMO (1) • Valor referencial A: como marca uma relação de proporção comparativa entre dois termos, conduzindo uma propriedade Q, de domínio desconhecido, ao domínio de P, conhecido, aproximando as propriedades de Q às propriedades de P. (O enunciador conhece Q e P; o enunciatário conhece apenas P) • Exemplo: A fruta mal madura da cagaiteira, comida com sol quente, tonteia COMO cachaça. • O tontear-da-fruta-madura-da-cagaiteira-comida-com-sol-quente (informação que o enunciatário não compartilha com o enunciador) é feito o tontear-da-cachaça (informação que o enunciatário compartilha com o enunciador). • Q tonteia da mesma maneira que P.
Valores referenciais de COMO (2) • Valor referencial B: como marca uma relação de proporção por inferência entre dois termos, entre um domínio P, evidente, e um domínio Q, esperado, inferindo Q através de P. (enunciador e enunciatário conhecem P e o enunciador espera Q) • Exemplo: - Mas você, casado COMO é, não tem vergonha de andar com outra mulher? • Já que você é casado (informação que enunciador e enunciatário compartilham), você não pode andar com outra mulher (inferência do enunciador). • Já que P, então Q.
Valores referenciais de COMO (3) • Valor referencial C: como marca uma relação de proporção sem estabilização entre dois termos, entre dois domínios, P e Q, com varredura apenas em P. (o enunciador não conhece Q, conhece apenas P e tenta estabilizar a relação entre Q e P com o recurso ao enunciatário). • Exemplo: - COMO é ela? • Não sei de que maneira ela é (o enunciador não consegue estabelecer uma relação entre P e Q por si só; recorre, então, ao enunciatário). • De que Q é P?
Dos valores referenciais à FE • FORMA ESQUEMÁTICA: comomarca uma relação de proporção entre dois termos, P e Q.
Valores referenciais, hipersintaxe, forma esquemática e tradução • Na tradução a variação semântica se desdobra em outros níveis. • Zavaglia (2004b): • Como – valor (a): comme, tel(le), tout pareil • Como – valor (b): comme e en • Como – valor (c): comment • Em contexto bilíngue, há variação mesmo quando apenas um valor referencial da lexia fonte está em jogo.
Valores referenciais, hipersintaxe, forma esquemática e tradução • As lexias distintas que se encontram em relação de tradução vivenciam uma situação sinonímica: algo que seria específico a cada uma das lexias (linguagem e línguas) e algo que seria comum entre elas (linguagem e línguas). • Em tese, se uma lexia traduz-se por outra, alguma propriedade operacional colocada em prática por meio delas no seu uso efetivo pelos enunciadores é comum. • Seria possível elaborar uma forma esquemático-tradutológica para dar conta da descrição do paralelismo hipersintático das lexias em relação de tradução?
Concordância de “capanga” • N Concordance Set Tag Word No. • 1 isinhas que estão numa capanga bordada, enrola • 2 e depoi de matar dois capangase ferir mais um • 3 va boa matalotagem, na capanga, e também o b • 4 deixou comigo a capangae o sedenho; fo • 5 is um... Mas um dos capangas mais velhos di • 6 quitola, que está com a capanga cheia delas, tir • 7 torcido aos pulsos dos capangas, urrava e berra • 8 is não era preciso, e os capangas pulavam de ca • 9 o mais, sempre com os capangas, com mulhere • 10 to, sempre no meio dos capangas, compondo ca • 11 . Cada um trazia, na capanga, bem agargalad • 12 cantadas públicas. Os capangas, lá fora, empu • 13 dos mais respeitáveis capangasdo Major Ana • 14 em qualquer tombou da capanga. O binóculo • 15 m, os quatro, para seus capangas, pagando bem
Concordância de “capanga” • A partir do quadro de concordâncias, observam-se: • (i) a distribuição morfológico-estrutural da lexia (“capanga” ocorre, no corpus, no feminino singular e no masculino plural); • (ii) o seu perfil e padrão colocacionais (determinante definido ou numeral + capanga; ocorre mais no masculino plural); • (iii) a sua prosódia semântica (capangas – negatividade; capanga – neutralidade). • Observação: para verificar mais adequadamente as suas realizações pragmático-textuais, seria necessário obter mais ocorrências para análise, o que somente seria possível com o aumento do corpus.
Concordância + análise enunciativa Valor a: CAPANGA marca a instanciação de uma relação entre protetor, entidade Q inanimada, e protegido, entidade Z inanimada, pela sujeição de Q a uma entidade P animada, que orienta os deslocamentos de Q. Q e Z são entidades inanimadas; P é uma entidade animada: • (1) Cada um trazia, na capanga, bem agargalada, uma garrafa suplementar. Valor b: CAPANGA marca a instanciação de uma relação entre protetor, entidade Q animada, e protegido, entidade Z animada, pela sujeição de Q a uma entidade P animada, que orienta os deslocamentos de Q. Q, Z e P são entidades animadas; Z = P: • (2) [...] os capangas, lá fora, empunhando os cacetes, farejando barulho grosso. FE: CAPANGA marca a instanciação de uma relação entre protetor, entidade Q, e protegido, pela sujeição de Q a uma entidade P animada, que orienta os deslocamentos de Q.
Alinhamento • Capanga Número de Ocorrências Frequência • Hommes de main 5 33,33 • Gardesducorps 3 20 • Équipe 1 6,66 • Musette 5 33,33 • Bourse 1 6,66 • Total 15 100
Alinhamento • Desse quadro de frequência, retira-se uma relação entre valores de frequência das traduções de “capanga” no corpus e a sua respectiva ordem de inserção na microestrutura – princípio de proporcionalidade. • Para a primeira acepção, capanga-homem, deverão aparecer: • 1º lugar e mais vezes: paralelismo capanga – hommes de main; • 2º lugar: capanga – gardesducorps; • 3º lugar: capanga – équipe. • Para a segunda acepção, capanga-bolsa: • 1º lugar e mais vezes: capanga – musette; • 2º lugar: capanga – bourse.
Análise tradutória • Feito o alinhamento, passa-se à análise tradutória para verificar o que diferencia: • musettede bourse com relação à acepção de capanga-bolsa; • hommede main, gardeducorpse équipe entre si para capanga-homem. • Essas análises são fundamentais para uma melhor caracterização da diversidade semântico-cultural dos diferentes paralelismos em observação e uma melhor apresentação das subdefiniçõesda lexia em estudo.
Análise tradutória: capanga • Capanga: lexia simples, origem kappanga – língua quimbundo: • sinônimo bocó: capanga, substantivo feminino e, em geral, no singular – bolsa pequena usada por viajantes a tiracolo para transportar pequenos objetos ou pequena bolsa de mão, em geral presa ao pulso; • sinônimos cacundeiro, bate-pau, guarda-costas, dentre muitos outros: capanga, substantivo masculino e, em geral, no plural – valentão assalariado.
Análise tradutória: capanga/musette • Musette, tradução de capanga-bolsa: • Lexia simples, do domínio material, com origem no antigo francês muse (que vem de cornemuse– gaita de foles) e tem referência também no BalMusette(antigamente, baile em que se dançava uma dança específica, chamada de musette, ao som do instrumento musette; modernamente, baile popular em que se dança ao som do acordeão, nos gêneros musicais java, valsa musette, tango musette, paso musette.) • Significa, dentre outras acepções: bolsa de tecido que se leva a tiracolo. Traço comum operacional: todos (Q, Z e P). • A tradução pode ser classificada como tradução literal, segundo Aubert (1998), ou tradução palavra por palavra, segundo Aubert (2006): • O paralelismo capanga/musette ancora-se na própria cultura francesa, na qual a referencialidade da língua/cultura-fonte encontra lugar.
Análise tradutória: capanga/bourse • Bourse, tradução de capanga-bolsa: • Lexia simples, do domínio material, que vem do latim bursa (couro). • Sinônimos em francês: porte-monnaie(porta-níquel) ou argent (dinheiro), ambos relacionados a valores monetários. • Significa: pequena bolsa arredondada, franzida ou sanfonada, destinada a conter moedas. Traço comum operacional: conter moedas – protetor e protegido (Q e Z). • A tradução pode ser classificada como modulação, segundo Aubert (1998, 2006): • O paralelismo capanga/bourseancora-se na própria cultura francesa, na qual a referencialidade da língua/cultura-fonte encontra lugar de um ponto de vista específico, ou seja, a referida bourse conterá sempre objetos de valor monetário.
Análise tradutória: capanga/homme de main • Hommede main, tradução de capanga-homem. • Lexia complexa, do domínio social, formada a partir de homme + main. • Significa: homem que, mediante pagamento ou salário, executa tarefas baixas ou criminosas a mando de alguém. Traço comum operacional: todos (Q, Z, P). • A tradução pode ser classificada como transposição, segundo Aubert (1998, 2006): • O paralelismo capanga/homme de mainancora-se na própria cultura francesa, na qual a referencialidade da língua/cultura-fonte encontra lugar.
Análise tradutória: capanga/gardeducorps • Gardeducorps, tradução de capanga-homem. • Lexia complexa, do domínio social, formada a partir de garde+ corps. • Significa: homem que, mediante pagamento ou salário, protege uma pessoa cuja notoriedade pode fazer dela um alvo de ameaças. Traço comum operacional: protetor e protegido (Q, Z). • A tradução pode ser classificada como trasposição+modulação, segundo Aubert (1998, 2006): • O paralelismo capanga/gardeducorpsancora-se na própria cultura francesa, na qual a referencialidade da língua/cultura-fonte encontra lugar sob um ponto de vista diferente, já que a principal função de um gardeducorps, que é proteger uma pessoa, não chega necessariamente aos mesmos fins dos serviços executados por um capanga, os quais podem variar da simples ameaça à aniquilação do alvo a que se destinam as ordens recebidas.
Análise tradutória: capanga/équipe • Équipe, tradução de capanga-homem. • Lexia simples, do domínio social. • Significa: grupo bem estruturado e organizado com uma finalidade comum. Traço comum operacional: nenhum específico de capanga; plural – “capangas”. • A tradução pode ser classificada como modulação, segundo Aubert (1998, 2006): • O paralelismo capanga/équipeancora-se na própria cultura francesa, na qual a referencialidade da língua/cultura-fonte encontra lugar sob um ponto de vista: embora um grupo de capangas sempre esteja unido numa tarefa comum como uma equipe, suas ações quase sempre são criminosas, o que não é absolutamente o caso de équipe.
Análise tradutória: conclusões • As diferentes nuanças na variação das opções de tradução para capangatêm a sua origem no contexto e co-texto em que a lexia ocorre no original em português: • musetteserá o termo geral para traduzir capanga no feminino singular; • bourseaparecerá quando o conteúdo da capanga implicar algum valor; • hommede mainquando as ações do grupo de homens em questão conduzirem ao crime; • gardeducorps no momento em que o fato de proteger for o enfoque do grupo; • équipequando o fato de ser um grupo se sobrepuser ao crime e à proteção.
Forma esquemático-tradutológica • A variação das opções de tradução apresenta um interesse duplo: • de um lado, explicita, para a análise enunciativa, os possíveis desdobramentos da variação semântica de capanga, • de outro, representa, para a aplicação lexicográfica, a possibilidade de co(n)textualizar as relações linguístico-culturais que se estabelecem entre as duas línguas e culturas em observação. FET: CAPANGA marca a instanciação de uma relação entre protetor, entidade Q, e protegido, entidade Z, pela sujeição de Q a uma entidade P, que orienta os deslocamentos de Q. • Se Q, Z e P são entidades animadas e Z e P são uma mesma entidade, então teremos paralelismos do tipo: • capangas – hommes de main (Q, Z e P) • capangas – gardesducorps (Q, Z) • capangas – équipe (nenhum; plural)
Forma esquemático-tradutológica • CAPANGA marca a instanciação de uma relação entre protetor, entidade Q, e protegido, entidade Z, pela sujeição de Q a uma entidade P, que orienta os deslocamentos de Q. • Se Q e Z são entidades inanimadas e P é uma entidade animada, então teremos paralelismos do tipo: • capanga – musette (Q, Z e P) • capanga – bourse (Q, Z)
Forma esquemático-tradutológica • A forma esquemático-tradutológica reforça o caráter polissêmico, e não homonímico, das diferentes acepções de capanga. • A análise enunciativo-tradutológicada lexia mostra que, embora aparentemente uma capanga não tenha nada em comum com um capanga, há um mecanismo regular entre uma e outra acepção que se verifica em todos os usos textuais de suas ocorrências. • Isso é possível pela observação do funcionamento representacional, referencial e regulador da linguagem apreendida na relação entre as duas línguas em questão atualizadas na enunciação. • Desse modo, tanto uma capanga quanto um capanga apresentam uma forte identidade pela relação de sujeição que representam em cada um de seus diferentes usos.
Aplicação dos resultados • CAPANGA s.m. 1. homem que protege uma pessoa e para ela trabalha. // Hommequiprotège une personne et pourelletravaille. 1.1 Com ações em geral criminosas realizadas mediante pagamento // Avecdesactionsengénéralcriminellesréaliséesmoyennant une paie: homme de main. 1.1.1 Mas o Major piscou, apenas, e encolheu a cabeça, porque mais não era preciso, e os CAPANGAS pulavam de cada beirada, e eram só pernas e braços. -Frecha, povo! Desmancha! // Mais le Major cligna de l’œil, simplement, et rentralatête, cariln’em fallaitpasplus: les HOMMES DE MAIN sautaient déjà de chaque côté, à bras et jambesraccourcis.-Foncez, lesgars! Démolissez-le!
Aplicação dos resultados 1.1.2 Enquanto isso, LalinoSalathielpererecava ali por perto, sempre no meio dos CAPANGAS, compondo cantigas e recebendo aplausos, porque, como toda espécie de guerreiros, os homens do Major prezavam ter as Façanhas rimadas e cantadas públicas. //Entre-temps, LalinoSalanthielvadrouillaitdanslesenvirons, toujoursflanqué d’HOMMES DE MAIN, composantdeschansons et recevantdesovations, car, à l’instar de touteespèce de guerrier, leshommesdu Major attachaientduprix à avoirleursexploitsmis enrimes et chantésen public. 1.1.3 No mais, sempre com os CAPANGAS, com mulheres perdidas, com o que houvesse de pior. // Le reste du temps, toujours avec ses HOMMES DE MAIN, avec des filles perdues, avec ce qu’il y avait de pire
Aplicação dos resultados • 1.2 Com a ação de proteger mediante pagamento // Avecl’action de protégermoyennantune paie: gardeducorps. 1.2.1 O Major Consilva tinha ajustado, um e mais um, os quatro, para seus CAPANGAS, pagando bem. //Le Major Consilvalesavait engagés, un par un, lesquatre, comme GARDES DU CORPS, moyennant une bonnepaye. 1.2.2 Foi cuspir no cangussú detrás da moita, e ficou morto, mas já dentro da sala-de-jantar do Major, depois de matar dois CAPANGAS e ferir mais um... // Il est allécrachersurlabêtefauvederrièresonbuisson et étaittombémort, alorsqu’ilétait déjà danslasalleà mangerdu Major, aprèsavoirdescendudeux GARDES DU CORPS et blesséunautre...
Aplicação dos resultados • 1.3 Com uma ação comum // Avecune actioncommune: équipe. Mas um dos CAPANGAS mais velhos disse melhor: -Arma uma cruz aqui mesmo, Orósio, para de noite ele nãovir puxar teus pés. // Mais un des plus anciens de l’ÉQUIPE trouva mieux à dire: -Plante une croix ici même, Orósio, pour que la nuit il vienne pas te tirer par les pieds.
Aplicação dos resultados • 2. Bolsa levada a tiracolo. // Sacporté em bandoulière. 2.1 conteúdo sem grande valor.// contenusansgrande valeur: musette. 2.1.1Cada um trazia, na CAPANGA, bem agargalada, uma garrafa suplementar. // Chacunavait, danssa MUSETTE, bienbouchée, une bouteillesupplémentaire. 2.1.2 Um trem qualquer tombou da capanga. O binóculo. // Unobjet est tombé de ma MUSETTE. Lesjumelles.
Aplicação dos resultados • 2.2 Bolsa contendo algo de valor // Saccontenantquelquechose de valeur. 2.2.1 E aquelas coisinhas que estão numa CAPANGA bordada, enroladas em papel-de-venda e tudo passado com cadarço, no fundo da canastra,... se rato não roeu... você enterra junto comigo... // Et cespetiteschosesquisontdans une BOURSE brodée, enveloppéesdansdupapier d’emballage, le tout serré par uncordon, aufonddubahut... si unratles a pasrongées... tu les enterres avec moi...
Considerações sobre a aplicação dos resultados • O verbete acima apresenta características radicalmente diferentes daquelas encontradas nos dicionários bilíngues português-francês que consultamos. • capanga s.m. homme de main, sbire; (fam.) gorille. (Rónai 1989:332) • capanga [kä-pin-gä], n. m. Brés. Querelleur, matamore, fanfaron || N. f. Petitebourse que lesvoyageurs portent en bandoulière. (Azevedo 1998:263)
Considerações sobre a aplicação dos resultados • Dos dois verbetes acima, apenas Azevedo (1998) registra as duas diferentes acepções da palavra, apresentando para a segunda delas uma definição sem correspondente vocabular. • Sobre este último aspecto, comenta Nemésio, autor do prefácio do dicionário português, que as longas definições são em geral dispensáveis na microestrutura de dicionários bilíngues e que a correspondência vocabular direta é mais eficiente, já que o dicionário bilíngue “deve responder pronta e precisamente ao tradutor” (Azevedo, 1998:ix). • Essa opinião é compartilhada por Rey-Debove: [a definição num verbete de dicionário bilíngue é necessária apenas] “quando aquilo que tem nome numa língua não o tem na outra” (1984:67).
Considerações sobre a aplicação dos resultados • Em pesquisa preliminar em nosso corpus sobre a lexia capanga, no entanto, observamos que apenas na definição da segunda acepção aparece uma ocorrência repertoriada no dicionário de Domingos de Azevedo, bourse, a qual recorta de antemão o campo semântico ao qual capanga pode remeter. • Esse dicionário, vale ressaltar, é de origem portuguesa, e registra, vez ou outra, as lexias específicas brasileiras. • No dicionário brasileiro de Paulo Rónai, homme de main, lexia complexa que traduz capanga no corpus consultado, aparece. Sbire, um pouco pejorativo e com remissão ao universo da polícia, e gorille, com remissão ao semantismoenvolvendo guarda-costas, no entanto, não se verificam em nosso corpus de estudo.
Considerações sobre a aplicação dos resultados • Consultando um ou outro desses verbetes, o consulente não poderia decidir, frente ao rol de correspondentes oferecidos por esses dicionários, qual seria o vocábulo mais apropriado para resolver o seu problema, oriundo de seu aprendizado da língua estrangeira ou de sua prática tradutória, sem antes proceder a uma pesquisa maior, envolvendo certamente outros dicionários bilíngues e monolíngues. • Segundo o nosso entender, é possível resolver isso no universo atual da lexicografia bilíngue pela definição da entrada seguida de sua contextualização paralela.
Lexicografia bilíngue diferencial • Os objetivos de nossa abordagem lexicográfica encarnam, a nosso ver, o que Tognini-Bonelli (2001:19) chamou de unidades de sentido ampliadas, ou seja, dar sentido a uma palavra é relacioná-la a um cotextoe um contexto particulares, já que, fora do texto e da enunciação, a palavra tem múltiplos sentidos que não estão estabilizados.