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Achados macroscópicos pós-morte de 235 pacientes cirúrgicos com sepse na Terapia Intensiva (Áustria)(Macroscopic Postmortem Findings in 235 SurgicalIntensive Care Patients with Sepsis)Christian Torgersen, Patrizia Moser, Günter Luckner, Viktoria Mayr, Stefan Jochberger, Walter R. Hasibeder, Martin W. Dünser (Austria)Anesth Analg 2009;108:1841–7 Residência Médica em Terapia Intensiva Pediátrica – HRAS/HMIB/SES/DF Apresentação: Alessandra Severiano www.paulomargotto.com.br Brasília, 5 de março de 2014
Sepse: • Incidência anual de 750.000 nos EUA, aumentando 9% ao ano. • A taxa de mortalidade caiu para 18%, mas número absoluto de mortes é crescente. • Fardo sobre o sistema de saúde: custo anual de $ 16,7 bilhões nos EUA. • Surviving Sepsis Campaign: tratamento da sepse deve se concentrar no controle rápido do foco infeccioso, na administração precoce de antibióticos de largo espectro e em terapias de suporte.
Embora a necrópsia seja uma das mais importantes ferramentas de controle de qualidade em medicina intensiva, taxas de exame post-mortem têm diminuído nos últimos anos (atualmente 7%). • Nenhum estudo pós-morte havia sido realizado nos pacientes com sepse. • O conhecimento detalhado dos resultados pós-morte pode não só melhorar a compreensão e o tratamento da sepse, como também direcionar estratégias de pesquisas futuras.
Este estudo de coorte retrospectivorevisa os achados macroscópicos em necrópsias de 235 pacientes cirúrgicos que morreram de sepse ou choque séptico em unidade de terapia intensiva. • Por não ser um estudo controlado, não houve intenção de definir patologias macroscópicas específicas para os pacientes que morrem de sepse.
Métodos • A base de dados de 12 leitos gerais e cirúrgicos da UTI de um Hospital Universitário terciário foi revisada para pacientes internados entre 1 de Janeiro de 1997, e 30 de setembro de 2006, devido choque séptico / sepse, ou que os desenvolveram durante a sua permanência na UTI e morreram destas condições. • A UTI estudada recebe pacientes após cirurgia eletiva ou de emergência, mas ocasionalmente trata pacientes não-cirúrgicos.
Sepse foi definida como a presença de dois ou mais sinais de inflamação sistêmica, em associação com um foco infeccioso. • Choque séptico foi definido como hipotensão persistente (PAM 70 mmHg), que não respondeu à reposição volêmica e, posteriormente, necessitou de inotrópico ou drogas vasopressoras em pacientes com sepse. • Os registros clínicos de todos os pacientes foram checados para verificar se sepse / choque séptico persistiu até a morte e os resultados das amostras microbiológicas de cada paciente foram recuperados para confirmar a infecção.
Após a identificação dos pacientes do banco de dados da Instituição, foram pesquisados os relatórios finais das necrópsias. • De acordo com a lei austríaca, deve ser realizada necrópsia em todos os pacientes que morrem em UTI.
Tratamento da sepse • Diagnóstico do foco séptico: história do paciente, exame clínico, culturas microbiológicas e estudos de imagem. • Se o foco séptico era passível de evacuação mecânica, por intervenção cirúrgica, percutânea ou endoscópica, estes procedimentos foram realizados. • Antibióticos de largo espectro foram administrados empiricamente e descalonados após os resultados microbiológicos. • Estabilização hemodinâmica : combinação de cristalóide / colóide para reposição volêmica bem como norepinefrina e milrinona como o vasopressor de primeira linha e droga inotrópica. • Em casos choque avançado, epinefrina, hidrocortisona (até 300 mg / d; desde 1999) e / ou vasopressina (desde 1998) foram administrados adicionalmente.
Ventilação mecânica foi baseada em pressão controlada e suporte pressórico. • Hemofiltração veno-venosa contínua foi iniciada precocemente no decurso de insuficiência renal associada à sepse. • Um plano equilibrado de nutrição enteral / parenteral visando a alimentação enteral precoce, bem como profilaxia de úlcera de stress e trombose venosa profunda profilaxia foi aplicado a todos os pacientes. • A partir de 2001, vitamina C, selênio e glutamina parenterais foram administrados rotineiramente. • Controle glicêmico rigoroso com o objetivo de níveis séricos de entre 80 e 150 mg / dL foi implementado em 2003. • Os pacientes receberam sedoanalgesia com midazolam e / ou sufentanil contínuo quando clinicamente indicado.
Detalhes da necrópsia • Após a morte, os corpos foram transferidos para uma câmara de refrigeração (temperatura 3,8 - 4°C, umidade relativa do ar 85%). • Apenas em raras exceções a transferência para esta câmara superior demorou mais de 1 h. • O exame pós-morte foi realizado em todos os pacientes e os órgãos foram retirados em quatro blocos: 1) coração e pulmões, 2) fígado e trato gastrointestinal, 3) sistema urogenital, 4) cérebro. • Exame das extremidades, coluna vertebral e crânio facial foi realizado apenas no caso de patologias clinicamente suspeitas. • Sempre que lesões macroscópicas obscuras foram detectadas, amostras do tecido foram coletadas para análise histológica. • Apenas diagnósticos evidentes ou histologicamente confirmados foram inseridos no registro final da necrópsia. • Na Tabela 1, as definições dos achados específicos pós-morte.
Análise estatística • O programa SPSS (SPSS 12.0.1;. SPSS, Chicago, IL) foi utilizado para análise estatística. • Métodos estatísticos descritivos foram aplicados para avaliar a frequência de patologias por sistema orgânico. • Para comparar a frequência das patologias entre os grupos, quiquadrado ou teste exato de Fisher foram utilizados, conforme apropriado. • Valores de p <0,05 foram considerados significativos. • Os dados são apresentados como média e desvio padrão.
Resultados • Durante o período do estudo, 5.226 pacientes foram internados na UTI. • 415 sofreram sepse e 442 choque séptico. • A mortalidade foi de 32,3% (n = 277) para todos os pacientes com sepse / choque séptico (sepse, 11,8%; choque séptico, 51,6%). • Necrópsia foi realizada em 92,4% dos pacientes. • Registros clínicos, resultados da necrópsia e resultados de amostras microbiológicas foram recuperados em 235 dos 277 pacientes (84,8%). (Tabelas 2 e 3).
Foram detectadas patologias do sistema cardiovascular em 53,6% dos pacientes (Tabela 4). • Dois dos cinco pacientes com endocardite encontradas na autópsia foram internados na UTI por causa desta condição.
Em 89,8% dos pacientes, foram observadas patologias pulmonares (Tabela 5). • Cinquenta e dois dos 97 pacientes com pneumonia na necrópsia receberam este diagnóstico durante sua internação na UTI.
54% apresentaram patologias do trato gastrointestinal, 47,7% do fígado, 33,2% do baço, 8,5% do pâncreas (Tabela 6). • Os pacientes com evidência bioquímica de disfunção hepática (aumento da bilirrubina e / ou das transaminases) apresentaram uma maior incidência de patologias hepáticas (27/79 [34,2%] vs 85/156 [54,5%], P= 0,004). • Sete dos 20 pacientes com pancreatite necrosante na necrópsia foram internados UTI por causa desta condição.
Em 60% dos pacientes, foram descritas patologias dos rins e do trato urinário (Tabela 7). • Não houve diferença na incidência de patologias renais entre pacientes com e sem hemofiltração contínua (103/170 [60,6%] vs 38/65 [58,8%], P= 0,77).
Foram detectadas patologias do sistema nervoso central em 18,7% dos pacientes (Tabela 8). Tabela 8. Achados pós-morte do Sistema Nervoso Central
Em 180 pacientes (76,6%), a necrópsia revelou um foco séptico persistente. • 34% tiveram apenas um foco; 30,6% 2 focos; 8,9% 3 focos e 3% dos pacientes, quatro ou mais focos. • Focos mais frequentes: • Pneumonia (41,3%) • Traqueobronquite (28,9%) • Peritonite (23,4%) • Uterino / necrose ovariana (9,8% das pacientes femininas) • Abscessos intra-abdominais (9,1%) • Pielonefrite (6%). • Dos pacientes internados na UTI por causa de sepse / choque séptico e tratados por 7 ou mais dias, um foco séptico persistente foi observado em 88,7%.
Discussão • A descoberta mais surpreendente desta análise foi a de que aproximadamente 80% de todos os pacientes incluídos no estudo ainda tinham um foco séptico na necrópsia. • Apesar da remoção imediata do foco séptico combinada com antibioticoterapia ser a pedra angular da terapia da sepse, foi impossível controlar o foco da maior parte dos pacientes estudados, e esta parece ter sido a principal causa da morte.
A permanência de um foco séptico continua a estimular o sistema imunitário, conduzindo finalmente à falência de múltiplos órgãos e morte. • A maioria dos focos sépticos persistentes foram localizados nos pulmões, abdome, trato urogenital feminino e rins.
É provável que outros focos sépticos potenciais, tais com dispositivos intravasculares e bacteremia, não tenham sido detectados no exame post-mortem, sendo perdidos nesta análise. • Os dados não mostram se o foco não foi reconhecido ou se a terapia foi insuficiente.
De todas as patologias, as mais relevantes para mortalidade parecem ter sido patologias do sistema cardiovascular, uma vez que o choque refratário foi a causa clínica de morte em 25% da população do estudo e quase todos os pacientes tiveram choque. • A patologia cardíaca mais frequente foi isquemia miocárdica.
13 pacientes apresentaram dilatação ventricular esquerda e 24 pacientes, dilatação do ventrículo direito (VD), sugerindo disfunção ventricular direita significativa. • Apenas sete dos que apresentaram dilatação de VD sofreram embolia pulmonar, sugerindo que a disfunção ventricular direita direta ou hipertensão arterial pulmonar desempenharam papel fisiopatológico dominante. • Um levantamento ecocardiográfico prospectivo recente em pacientes com choque séptico indicou que a dilatação ventricular é uma rara (11%) e grave forma de cardiomiopatia séptica. • Embora variáveis funcionais por natureza não possam ser avaliadas no exame post-mortem, os resultados suportam a evidência atual de que a disfunção ventricular direita é clinicamente subestimada em pacientes críticos.
Apesar de patologias pulmonares terem sido observadas em cerca de 90% dos pacientes, insuficiência pulmonar foi uma causa clínica rara de morte. • Edema cerebral foi observado em cerca de 15% dos pacientes que morreram de sepse. Apenas dois deles foram internados na UTI por causa de uma patologia cerebral primária ou após ressuscitação cardiopulmonar. • Embora a hipotensão severa possa causar hipoperfusão cerebral e, assim, induzir edema cerebral, evidências recentes sugerem que a fisiopatologia do delirium da sepse pode incluir não apenas componentes funcionais, mas também anatômicos. • No entanto, não é possível excluir a influência da hipóxia terminal e o desenvolvimento de hipotensão após a retirada da terapia de suporte de vida na formação do edema cerebral.
Devido à abordagem não controlada e retrospectiva do estudo, os resultados não podem ser considerados específicos para doentes com sepse, podendo também ser encontrados em pacientes criticamente doentes que morrem de outras patologias.
Limitações que merecem atenção na interpretação dos resultados: • Embora os corpos tenham sido rapidamente resfriados depois da morte, não se pode excluir que, autólise antes da necrópsia tenha influenciado significativamente os resultados pós-morte. • Os diagnósticos pós-morte basearam-se em exames macroscópicos e não histológicos.
É possível que exames histológicos em todos os pacientes revelasse mais patologias em certos sistemas orgânicos, particularmente renal. • Pacientes que realmente tinham sepse mas não foram clinicamente diagnosticados como tal, não foram incluídos no estudo. • Problemas funcionais (por exemplo, fígado, coagulação, etc) podem não ser detectados pelo patologista e foram igualmente perdidos nesta análise. • Como o estudo incluiu pacientes criticamente doentes que sofrem principalmente de patologias cirúrgicas, os resultados não podem ser extrapolados para outras populações de UTI.
Durante o período de estudo, novas intervenções terapêuticas foram introduzidas e a mortalidade diminuiu. • No entanto, não houve diferença na frequência e padrão de patologias orgânicas durante o período de estudo.
Conclusão • As principais causas de morte, clínicas e pós-morte, em pacientes criticamente enfermos cirúrgicos que sucumbem à sepse e choque séptico foram síndrome de disfunção de múltiplos órgãos refratária e insuficiência cardiovascular incontrolável. • Achados pós- morte que explicam estes resultados foram presença de foco séptico persistente em 80% e patologias cardíacas em 50% dos pacientes. • Os órgãos mais frequentemente afetados foram os pulmões, abdome, e trato urogenital. • Mais esforços científicos quanto ao diagnóstico e terapêutica devem ser realizados para identificar e controlar o foco infeccioso em pacientes com sepse e choque séptico.