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Eucaristia: História e Teologia. Centro Loyola de Fé e Cultura. Aspectos antropológicos e religiosos. Comer e beber, atividades naturais do ser humano, conservam e fortalecem a vida e são, ao mesmo tempo, o contato primário com o mundo ;
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Eucaristia: História e Teologia Centro Loyola de Fé e Cultura
Aspectos antropológicos e religiosos • Comer e beber, atividades naturais do ser humano, conservam e fortalecem a vida e são, ao mesmo tempo, o contato primário com o mundo; • Na alimentação necessária para a vida o ser humano se conscientiza de que a fonte da vida não reside nele mesmo e que receber é condição fundamental da existência; • Além da mera função alimentícia, a maioria dos povos desenvolveu uma cultura em torno do cear que, em seu conjunto, representa e estabelece a comunhão; • A estrutura básica do receber sugere mais outro conteúdo do cear: agradecimento ao Criador como origem da vida e da comunhão da mesa; • Dessa maneira a ceia também se torna sinal da comunhão com Deus e a história das religiões conhece formas variadas da ceia sagrada, e em muitos lugares também a refeição diária se torna lugar do agradecimento; • A fé de Israel (e mais tarde a fé cristã) aqui se encontra, especialmente na experiência da Ceia pascal anual (Ex 12, 1-14).
A Herança de Jesus • Diversos textos de At falam que a comunidade neotestamentária celebrou a fração do pão (2,46-47; 20,7.11; 27,35). A naturalidade com a qual fraciona-se o pão pode ser explicada do seguinte modo: • a) Durante sua vida pública Jesus participou de refeições com pessoas de diferentes impostações religiosas e grupos de diversos extratos sociais, constituindo com elas uma comunidade convivial (prefiguração do Povo de Deus) na qual não valiam mais as antigas exclusões; • b) Seguindo a tradição pascal, antes de sua morte, Jesus celebrou a ceia do adeus. • A comunidade convivial do tempo pós-pascal, que reconheceu o Cristo Ressuscitado (Lc24, 13-35), deve ser compreendida à luz destes dois impulsos.
Comunhão com os pecadores • Os evangelhos distinguem Jesus do ascético pregador do arrependimento, João Batista (Mt 11, 18s). A comunhão de mesa é o ato simbólico de Jesus mais vezes referido nos Evangelhos. Ele é entendido por amigos e inimigos. Para uns é um ato convidativo, para outros é motivo de escândalo e inimizade por causa dos comensais com os quais Jesus se envolve (Lc 15, 2; Mc 2, 16); • Sua ceia com «muitos publicanos e pecadores» na casa do publicano Levi, observado criticamente pelos escribas, se torna para Jesus ensejo para uma declaração programática (Mc 2, 17). Sua janta na casa do fariseu Simão se torna lugar de encontro entre o fariseu e a pecadora, para a mulher, lugar do perdão, e para Simão, chance de mudança de ótica: Jesus tenta comovê-lo a tomar conhecimento «desta mulher» em seu amor ferido (Lc 7, 36-50); • A resistência que a comunhão de mesa de Jesus com os pecadores provoca e sua inflexível defesa por parte de Jesus revelam que esse sinal não significa apenas solidariedade e reconciliação, mas também luta e disposição para assumir riscos;
Comunhão com os pecadores • Como nos atos de Jesus, também em seus discursos, sobretudo nas parábolas, a ceia é símbolo para o reino de Deus iminente. Em Mt8, 11, Jesus retoma o quadro de esperança do AT da reunião dos povos para o banquete. Em Mt22, 1-10 expressa o convite de Deus, a chance para os marginalizados e o perigo para os que foram chamados primeiro de perderem a festa. • Em Lc 15, 11-32, Jesus justifica sua comunhão de mesa com os pecadores, e com o convite para o banquete, com o qual termina a parábola, tenta convencer os justos a se alegrarem com o retorno do perdido. • Contra o ingênuo desejo dos filhos de Zebedeu, coloca o dito do cálice do sofrimento (Mc 10, 38): a comunhão de mesa escatológica não pode ser alcançada sem luta e sacrifício.
Os relatos da Última Ceia • Os relatos da última ceia devem ser lidos e interpretados à luz da: • a) cultura em torno da ceia em Israel, como gesto inaudito do Deus libertador; • b) proclamação de Jesus que na ceia derradeira encontra seu resumo e ápice; • A missão de Jesus era testemunhar, com sua existência e suas palavras, a incondicional dispensação de Deus e, desse modo, tornar realidade o reino de Deus de modo inicial; • Cada uma das comunhões de mesa relatadas nos Evangelhos já era um sinal realizador dessa missão, dando uma ideia da alegria escatológica e tornando-se motivo para perigosas controvérsias; • Com cada dispensação Jesus se entregava um pouco mais;
Os relatos da Última Ceia • A última dessas ceias recebe seu peso especial pela proximidade da morte: as resistências recrudescem e Jesus anda seu caminho de modo consequente, sua missão leva para sua ruína; • Todos os evangelistas referem-se a Judas Iscariotes, que está sentado com Jesus à mesa (Mc 14, 17-21; Mt26, 26-29; Lc22, 21-23; Jo13, 21-30): a comunhão de mesa com o traidor é o símbolo mais evidente da relação entrega dispensação e entrega da vida (festa e sacrifício); • Os relatos da última Ceia deixam transparecer duas correntes litúrgico-teológicas tradicionais: Jerusalém e Antioquia (?); • Cada uma delas busca repropor os termos no qual desenvolveu-se esta refeição e o sentido originário que esse gesto encerra. • Jonão nos apresenta um “relato da instituição”, mas insere na narração da ceia discursos de despedida (também Lc 22, 14-38), nos quais o testemunho de vida de Jesus é resumido como testamento para os discípulos (13-17);
Os relatos da Última Ceia • Os relatos são: 1Cor 11, 23-26 (ver também: 10, 16-17); Mc 14, 22-25; Mt26, 26-29; Lc 22, 15-20; • O conteúdo comum a estes relatos é: Jesus confere um novo significado ao pão e ao vinho, que agora tornam-se sinais da sua vida destinada à morte; • Diversas são as acentuações e articulações entre eles, mas que podem ser distintas através da ideia de que existem duas tradições: Mc/Mt(Jerusalém?); 1Cor/Lc(Antioquia?); • 1Cor , do ponto de vista literário, é o texto mais antigo (55 d.C.), mas admite que “trabalha” em cima de uma fonte mais antiga; • Para os sinóticostrata-se de uma celebração pascal (14 de Nisan); em 1Cor isto não está claro; para Jo 18, 28, Jesus foi condenado e morto antes da consumação da páscoa, portanto a ceia aconteceu no dia 13 de Nissan, não podendo ser considerada uma ceia pascal (?); • A tradição pascal representa a moldura de desenvolvimento da ceia.
Significados fundamentais • Remissão dos pecados – a comunhão com Jesus é sinal da nova aliança de Deus que vem até aqueles que estão distantes. A morte iminente é o evento que resume toda a atividade de Jesus e que faz-nos ver como Deus chega até o extremo da existência humana e da história. Dentro dessa nova aliança não existe espaço para um “Deus afastado”, mas Ele estará próximo até o dia do banquete escatológico (Mc 14,25; Lc 22,18); • Participação no Reino – a ceia de despedida consuma-se sob o sinal da morte de Jesus, mas ultrapassa esse limite, assumindo uma clara conotação escatológica. Jesus diante de sua morte iminente, com o gesto da oferta do pão e do cálice garante aos seus a salvação escatológica. A ceia é uma ponte no tempo verso a comunhão definitiva à mesa eterna de Deus; • Sinal do próprio Jesus – como o pai de família em Israel, Jesus abençoa o pão, interpretando-o, porém, como “o meu corpo” (Mc 14,22; Lc 22,19; 1Cor 11,24). O pão/corpo é a certeza da perene comunhão com Jesus na sua disponibilidade à morte;
Significados fundamentais • Sinal do próprio Jesus – o mesmo vale para o vinho. No AT, sangue é sinônimo de vida, “derramar o sangue” significa matar (Gn 9,6; Dt 19,10). Jesus deixa claro aos discípulos que a sua vida será entregue. Mais claro ainda do que no dito do pão, aqui a comunhão qualifica-se como união com Jesus disposto a morrer. A vida sacrificada de Jesus (sangue derramado) será o sinal da aliança que exprime a comunhão definitiva com Deus, a qual os discípulos tomam parte bebendo do cálice. Jesus aceita a morte como o epílogo extremo da sua missão, mas faz os discípulos olharem, para além da sua morte. O evento da última Ceia não é uma metáfora que tem a tarefa de simbolizar a realidade interpretada, mas é acesso à realidade significada nessa ação. É este o sentido de 1Cor 11,27, onde os dons do pão e do vinho são dons concretos, não uma mera alegoria, mas o modo ôntico-real através do qual Jesus torna-se presente; • Resgate por muitos – Jesus tem consciência de que morre “por”, “a favor” do gênero humano. A última Ceia é uma ação vicária, expiatória do Senhor. Ela está ligada positivamente à sua obra de salvação a favor do gênero humano.
Significados fundamentais • Resgate por muitos – a morte não determina o fim da sua missão e nem mesmo o fracasso do Reino de Deus. A missão de Jesus e Reino de Deus continuam até a realização plena na comunhão definitiva com Deus. A celebração da última Ceia é um penhor da realidade que o futuro reserva. A ideia da expiação está clara em Mc 14, 24 onde o sangue é versado por muitos (semitismo para dizer “todos”: Is 53, 12; Mc 10, 45). Sua morte não é um destino amargo, mas uma via de salvação para aqueles que estão oprimidos pelo pecado e pela morte. Ajuda-nos o paralelismo com Ex 24, 8, onde o rito da aspersão do sangue é reconhecido como uma força de conciliação e de expiação; • Dos quatro textos sobre a última Ceia podemos concluir que a eucaristia é comunhão que se estabelece com Jesus, mas, principalmente, é sinal e realidade da união permanente com o Senhor, sacrificado por nós todos; • Além desses textos temos os testemunhos eucarísticos dos corpi paulino e joaneu.
A concepção paulina • Faz menção à Ceia do Senhor somente duas vezes: 1Cor 10, 1-5.14-22; 11, 17-34. Estamos diante de uma fase aonde a teologia eucarística ainda não foi elaborada, a não ser confundida, porém, com a tradição eucarística (prática) já consolidada; • a) Cristo como hóspede e dom – em 1Cor 10 não está preciso o significado da presença de Cristo nas espécies (pão e vinho), o texto limita-se a falar de koinonía (participação, comunhão) que significa a união com o Senhor concedida e estabelecida pelo Cristo que convida à sua mesa, esta comunhão é enriquecida pela presença, nas figuras do pão e do vinho do Cristo que convida à mesa. Em 1Cor 11, 17-30, onde a comunidade está dividida por um comportamento a-social, objeta que a Ceia é ação de graças pelo corpo sacrificado por nós (v.24). Quem não “aprecia” o sacrifício de Jesus, assume “indignamente” o pão e o cálice, tornando-se culpável. Cristo, no pão e no vinho, doa corporalmente a si mesmo, o Crucificado. O dom do pão e do vinho (espécies), na celebração da Ceia (assembleia), é o vínculo real de unidade de todos (Igreja) em Cristo.
A concepção paulina • b) Eucaristia como vínculo de unidade – a participação à Mesa do Senhor e a assunção dos seus dons estabelece uma real unidade entre os comensais. A Ceia não é explicada a partir da comunidade, mas ao contrário, a comunidade cristã é explicada à luz da Ceia. A Igreja torna-se corpo de Cristo enquanto unificada pela Ceia (1Cor 10, 17). Quem participa indignamente compromete a comunidade, enfraquece as energias comuns (1Cor 11, 30), por isso atrai sobre si a condenação; • c) Anúncio do Crucificado – este é, ao mesmo tempo, um anúncio comemorativo e atualizador. Em virtude dos dons eucarísticos, sinais reais do amor de Jesus disposto a morrer por nós, não repete-se, simplesmente, um antigo banquete memorial, mas sim, anuncia-se a presença, aqui e agora, do Senhor. Anunciar, proclamar, significa evocar a presença do Crucificado na instância permanente que Ele fez valer para todos e, portanto, torna-lo presente para todos.
A concepção paulina • d) Banquete Escatológico – a Ceia é a proclamação da morte de Jesus, “até que ele venha” (1Cor 11,26). O olhar daqueles que a celebram move-se do ato memorado ao futuro definitivo. Qualificando seja o “já” da comunhão com Cristo, como o “ainda não” da sua figura definitiva. Pão e vinho abençoados são gestos circunscritos, terrenos, mas, justamente porque são indicações provisórias, eles representam o início do definitivo. Em Paulo, eucaristia é prefiguraçãoe sinal de esperança do futuro. É uma celebração comunitária que tende a ser realizada plenamente na comunhão definitiva com Deus. • Em suma: a Ceia do Senhoré um dom oferto por Cristo crucificado, morto, ressuscitado e que um dia voltará. Nas espécies do pão e do vinho, o Senhor nos consente entrar em comunhão com Ele. Da comunhão com Ele, estabelece-se uma unidade real, física entre aqueles que celebram, a ponto que estes tornam-se o Corpo do Senhor. Através do gesto memorativo eles anunciam e tornam presente o Crucificado e, na esperança, antecipam a comunhão definitiva com Cristo e seu Pai.
A perspectiva joanéia • Textos: Jo 2, 1-10; 6; 13; 15, 1-7; 33-37; 1Jo 5, 6-8; • Olhando a seção 13-17, surpreende-nos que fale-se de uma ceia de adeus, cuja centralidade está no lava-pés, e não acena-se a uma ação eucarística. Qual a razão desse “silêncio”? Estamos diante de uma posição anti-sacramental de Jo? • Certamente a comunidade celebrou a Ceia: a confirmação está nos outros textos eucarísticos (especialmente Jo6). Como nos sinóticos, o impulso para esta celebração vem do contexto de despedida na vigília de sua paixão. Daqui Jo retira o sentido da eucaristia a partir do lava-pés (um gesto realizado pelos escravos), onde Jesus exprime a sua entrega por amor. Talvez Jonão tenha necessidade de repropor o relato da última ceia porque escreve a uma comunidade que conhece esse fato e já celebra a eucaristia; • Basta olhar o capítulo 6 para entendermos que o sinal eucarístico do lava-pés não tem nenhum cunho anti-sacramental.
Enunciados de fundo de Jo 6 • a) Através da assunção do dom eucarístico estabelece-se uma união permanente com Cristo (v. 56). A eucaristia é vista como penhor da realização escatológica (v. 54), como uma união vital com Cristo no qual, agora, o discípulo vive (Jo 15). A eucaristia faz-nos entrar no círculo vital de Deus. Relevante não é o comer e o beber considerado em si mesmos, mas a comunhão permanente que através do comer e beber estabelecemos com Jesus; • b) A eucaristia significa comunhão com o Encarnado (v. 58a), com o Crucificado (vv. 53-55) e com o Glorificado (vv. 56-57); • c) A comunhão de vida com Cristo está ligada ao consumo dos dons eucarísticos, aos quais se atribui uma função mediadora (v. 53). Sem este alimento de salvação, a última Ceia não realiza a comunhão que ela promete.
Enunciados de fundo de Jo 6 • d) O consumo salvífico dos dons eucarísticos deve combinar-se com a fé, que conota qualquer tipo de relação com Cristo (vv. 29.35.63-64). Assim, quem come, “sacramentalmente”, demonstra crer na revelação de Jesus e participa da sua vida. O aceno às palavras de Jesus que devem ser acolhidas com espírito de fé (vv. 63-64) não tem o escopo de substituir os versículos eucarísticos, mas servem, sim, como corretivo a visões muito superficiais da eucaristia; • e) Na relação entre palavra e fé, a palavra tem, sempre, primazia, uma vez que é o modo primário e direto da autorevelação de Jesus. Mas, o alimento sacramental não tem somente uma função de sinal, mas assume, em virtude da palavra de Jesus que institui, ordena e inaugura, significado próprio em virtude da mediação vital e da união com Cristo que realiza (vv. 53-57). Se Jesus ordena que observe-se a sua palavra (8, 51), essa palavra compreende a Ceia.