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PORTABILIDADE: AVALIAÇÃO EXPLORATÓRIA DAS PRINCIPAIS POTENCIALIDADES E DIFICULDADES. Geraldo Biasoto Junior [1] [1] Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CECON-IE-UNICAMP e do NEPP-UNICAMP. Apresentação.
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PORTABILIDADE: AVALIAÇÃO EXPLORATÓRIA DAS PRINCIPAIS POTENCIALIDADES E DIFICULDADES Geraldo Biasoto Junior[1] [1] Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CECON-IE-UNICAMP e do NEPP-UNICAMP
Apresentação Identificar as potencialidades que a implantação de um sistema dotado de ampla portabilidade e mobilidade para os segurados, ao mesmo tempo em que a magnitude dos entraves envolvidos. Vale notar que a portabilidade, segundo a visão aqui apresentada, significará a introdução de sistemáticas e formas de regulação de natureza distinta da atual e cuja implantação somente seria possível num prazo de tempo razoável. No entanto, a própria lógica de um sistema de saúde suplementar não pode deixar de considerar que as alterações do longo prazo só podem ter vigência se amparadas em decisões tomadas, tendo em vista um caráter estrutural.
Apresentação este trabalho divide-se em quatro partes. Na primeira, são analisadas as características gerais do provisionamento de saúde por agentes privados em regime de pré-pagamento, justamente com a intenção de traçar os elementos cruciais das relações entre o público e o privado em sistemas de saúde. Na segunda, o foco é a análise dos sistemas privados de provisão de saúde no contexto da economia brasileira, com o objetivo de avaliar as especificidades de uma economia extremamente desigual, em relação ao tipo de aproximação ao tema realizado na parte anterior. Na terceira, são identificadas as potencialidades da instituição da portabilidade e analisados aspectos das alterações jurídicas e organizativas da saúde suplementar necessárias. Por fim, a partir dos elementos postos nas outras partes, procura-se delimitar encaminhamentos concretos para transformar a portabilidade num elemento dinâmico da estruturação do sistema.
Exposição identificar, primeiramente, as três formas de relacionamento entre a população e os esquemas de financiamento dos gastos em saúde. A primeira forma é o financiamento exclusivamente público e a atenção universalizada A segunda forma é o pagamento direto, a cargo do próprio paciente, identificado na literatura como out of pocket A terceira forma de financiamento dos gastos de saúde é o pré-pagamento Dois outros elementos podem ter papel fundamental dentro dos esquemas de pré-pagamento: a) a empresa à qual o segurado é vinculado, que pode pagar parcial ou integralmente os planos de seguro; e b) os governos, dado que pode haver formas de incentivo ou subsídio aos pré-pagamentos realizados pelo usuário ou pela empresa, tanto como reduções do imposto das pessoas físicas quanto das jurídicas. A experiência internacional tem demonstrado que nenhum sistema tem formas puras de existência, sendo a norma a composição das distintas maneiras de financiamento É crucial identificar os principais elementos que impõem a dinâmica do gasto no setor saúde.
Exposição Este conjunto de questões e formas de organização não é, no entanto, percebidos pelos segurados em todas as suas nuances e especificidades. Ao contrário, o caso geral parece ser a pessoa que paga uma instituição de saúde e identifica-se como garantida, em termos de acesso à saúde, para toda a sua vida, à exceção da falta de pagamento. Por isso, as migrações entre faixas etárias, com alterações de preço dos prêmios de seguro envolvem uma forma tão complexa de tensão entre os usuários e os planos emerge, portanto, uma questão crucial: o entendimento com respeito ao estatuto dos recursos aplicados no financiamento da saúde, sob a percepção de cada indivíduo. O maior exemplo e ponto crítico no atual relacionamento entre o segurados e entidades gestoras é justamente a forma de pagamento e constituição de fundos para a realização das despesas. Em geral, a entidade gestora transforma-se numa câmara de compensações de sinistros entre as distintas faixas etárias que estão presentes no plantel de segurados. Ao lado do caráter contributivo, outra grande questão coloca-se como essencial na presença e sustentabilidade das entidades de gestão de atenção à saúde: a questão da diluição de risco de clientelas.
Exposição A grande questão enfrentada pelas estruturas de gestão do pré-pagamento em saúde é a incerteza envolvida nos serviços médicos e nas questões de saúde postas para a população. Em estudo clássico sobre a população americana, BERK & MONHEIT (1992), identificaram a concentração de gastos em saúde relativamente ao conjunto da população atendida. A Tabela 3 mostra como é concentrado o gasto em saúde em poucos indivíduos da população. Apenas 5% da população foram, naquele ano, responsáveis por 58% do gasto realizado com saúde. Vale notar que o envelhecimento da população, as modernas técnicas de manutenção da vida em situações de terapia intensiva e as novas tecnologias provem o crescimento desta tendência de concentração dos gastos em menor número de eventos ou indivíduos.
Exposição Fonte: BERK & MONHEIT (1992). Citado em CUTLER & ZECKHAUSER (2001)
Exposição o risco envolvido nas populações menores é extremamente alto, dado a própria estrutura da sinistralidade. Os prêmios de risco são inversamente proporcionais ao tamanho das populações seguradas pelas entidades de gestão de pré-pagamento. Portanto, os custos gerais do sistema de atenção à saúde aumentam por conta dos prêmios de risco que as estruturas de gestão têm que cobrar para fazer frente às incertezas em situação de alta concentração de risco. a atividade corrente pode ser viável, mas qualquer mudança de estrutura de clientela ou fuga ao risco médio, colocaria em xeque a continuidade da operação. Tomando emprestado o conceito que Hyman Minsky utilizou para a empresa financeira, a entidade gestora estaria numa posição especulativa,
Exposição A relação entre setor público e setor privado no conjunto das ações de saúde é outro elemento decisivo para a saúde suplementar. A existência de um segmento expressivo de saúde vinculada ao financiamento e à gestão por usuário e entidades privadas não significa, em geral, que a intervenção governamental não exista. Ao contrário, por várias vias, a participação estatal é crucial para a existência do sistema privado. A primeira e mais significativa forma desta existência é a financeira. Em diversas experiências, as deduções fiscais junto ao Imposto sobre a Renda acabam viabilizando o funcionamento dos seguros e planos, dado que elas possibilitam a redução do custo efetivo dos sistemas privados, fazendo mais fácil de alcançar o equilíbrio, acima citado, entre risco e capacidade contributiva. Ao mesmo tempo, diversas situações mostram a forte participação das empresas no custeio parcial ou mesmo integral dos sistemas, o que se caracteriza como uma política da empresa, geralmente facilitada por formas de permissão de dedução destes custos para efeito de apuração do lucro tributável. Mas não é apenas esta a forma de relacionamento entre o setor público e o privado na prestação de serviços de saúde. A questões relativas a endemias e os chamados riscos catastróficos muitas vezes são absorvidos pelo setor público, desonerando o setor privado
Exposição Em síntese, há três questões conceituais que se colocam com especial intensidade à saúde privada, cuja complexidade e potencial disruptivo não podem ser desprezados. A primeira é compreensão de segurados e entidades gestoras, sobre o tipo e espectro de garantia de saúde está sendo contratada: mera gestão dos riscos correntes ou sistema contributivo com garantias de longo prazo. A segunda é a escala de riscos aceitáveis para cada entidade de gestão e o gradiente de prêmios de risco necessários para diversas formas de clientela. A terceira, a intervenção estatal no sistema que pode se dar pela criação de demanda, por meio de deduções e facilidades tributárias, ou pela assunção de parcelas das obrigações, alterando as curvas de oferta do sistema. Apenas a partir destes elementos é possível avaliar a questão da portabilidade, inclusive porque ela enfeixa estas três questões.
Exposição No centro desta luta pelo mercado está a questão da portabilidade. Uma das armas deste processo concorrencial é a forma como a transição de um beneficiário entre entidades gestoras trata os prazos de carência para o atendimento a agravos. A norma dentro deste processo de busca de novos clientes é a “compra de carências”, ou seja a aceitação, pelo plano ou seguro, de um seguro de outra entidade gestora sem a requisição de cumprimento de prazos de carência. Evidentemente, as entidades gestoras administram esta compra de carência de maneira a impedir que as características dos novos segurados sejam adequadas às metas estabelecidas para o novo perfil de usuários. Os instrumentos mais utilizados para este gerenciamento de acesso são: a) estabelecimentos de limites por faixas etárias nas compras de carências; b) seleção adversa por meio de estabelecimento de preços elevados para faixas de idade superiores; e c) rigor na análise de doenças pré-existentes.
Exposição A introdução do conceito de portabilidade só pode ser realizada no seu sentido mais amplo, com a prévia mudança de dois elementos essenciais. O primeiro deles é a percepção de entidades gestoras e segurados sobre a natureza do contrato firmado e sobre a garantia inter-temporal em pauta. O sentido de portabilidade depende da concepção de proteção à saúde no longo prazo, dado que se trata de obter acesso nas várias fases da vida, especialmente, na velhice, quando a capacidade contributiva se reduz e a demanda por serviços aumenta O segundo elemento conceitual a ser enfatizado no tratamento da portabilidade é sua mudança de caráter na relação entre segurado e entidade gestora. Ao invés de ser uma concessão dos planos e seguros, realizada sob limites estritos e condicionada aos objetivos de perfil de carteira dos gestores, a portabilidade tem que se tornar um direito do segurado
Exposição A operacionalização destes pontos envolve uma profunda reestruturação do setor de saúde suplementar e de suas entidades gestoras. O primeiro grande elemento a destacar é o formato da curva contributiva. Seria extremamente importante romper a forma perversa de que se revestem os atuais padrões de cobrança dos planos e seguros: a escala de evolução segundo a idade, que, depois de muita polêmica teve sua amplitude fixada num múltiplo de seis, para a faixa etária mais idosa, tendo por base a faixa de idade inferior. Ao contrário, a introdução de um caráter contributivo deveria respeitar a curva de geração de renda da população, o que levaria a que a curva de contribuições tivesse pagamentos maiores na faixa dos 40 aos 55 anos. O segundo grande elemento é, também, um pressuposto para que a fórmula acima citada tenha condições de realização, e diz respeito à percepção, por parte do segurado, de que ele está constituindo uma poupança para os gastos com saúde num prazo amplo.
Exposição Sem dúvida, a introdução da portabilidade num sistema ainda em formação como a saúde suplementar brasileira jamais poderia ser realizada sem níveis importantes de intervenção estatal, na forma dos postos acima: instituição de resseguros, fundo de provisões, alteração da escala de contribuições por faixa etária, rígidas normas de cálculo atuarial. No entanto, em nada se assemelha a restringir o mercado, apenas faz com que os agentes decisores possam abandonar a luta por clientelas para se fixarem na otimização de suas estruturas de custos e na definição de formas eficientes de atenção à saúde, incluindo estratégias de prevenção e referenciamento. Vale frisar, a portabilidade não pode existir sem que haja um sistema composto de entidades operando de maneira minimamente homogênea, referidas a uma estrutura de suporte solidamente alicerçada.
Conclusões/propostas Os elementos postos neste trabalho tentaram demonstrar que a portabilidade não é uma questão isolada, mas somente pode ser compreendida dentro de um todo sistêmico que compreende características como a percepção de regime contributivo e a sustentabilidade das entidades gestoras de saúde privada. A introdução da portabilidade no mercado brasileiro não seria possível sem expressivas alterações do sistema de saúde suplementar. Estruturas de diluição de riscos e resseguros teriam que ser criadas e mobilizadas para garantir credibilidade no longo prazo. Ao mesmo tempo, fundos de provisionamento teriam que ser centralizados para garantia da solvência no longo prazo de poupanças acumuladas pelos segurados. Mais que tudo, um forte aparato de regulação da relação entre saúde pública e privada teria que ser engendrado para trazer para o nível macro a arbitragem que hoje está sendo realizada pelas unidades hospitalares e pelos planos e seguros.