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Tuberculose e adesão: um desafio constante. Helen Gonçalves – UFPEL hdgs@uol.com.br. Objetivo. Mostrar como a não-adesão está relacionada ao contexto, ou seja, a situações de vida que as pessoas não querem que sejam modificadas ou questionadas. 8% dos pacientes tem AIDS.
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Tuberculose e adesão: um desafio constante Helen Gonçalves – UFPEL hdgs@uol.com.br
Objetivo • Mostrar como a não-adesão está relacionada ao contexto, ou seja, a situações de vida que as pessoas não querem que sejam modificadas ou questionadas
8% dos pacientes tem AIDS Dados Gerais – Brasil (MS) • 50 milhões de casos (estimativa de prevalência) • 80-130 mil casos novos/ano • 6 mil óbitos/ano • 9° causa de internações (DI) • 7° em gastos com internações • 4° causa de mortes (entre as DI)
Planos para controle (PNCT) • Em 1999 o tratamento supervisionado foi oficializado (DOTS) • Supervisão da tomada de medicamento pelo menos 1 x/sem durante o 1° mês de tratamento. • O tratamento será desenvolvido sob regime ambulatorial, supervisionado, com pelo menos 3 obs./sem da tomada dos med. nos primeiros 2 meses e 1 obs./sem até o final. • A supervisão poderá ser realizada de forma direta na UBS, trabalho e residência. • Objetivo de detectar 90% dos casos infectados estimados e curar pelo menos 85% dos casos novos e manter uma taxa de abandono < 5% MS, 2003
Dados Gerais • PNCT - desenvolver estratégias para a descentralização e horizontalização das ações de prevenção, vigilância e controle • Integração do controle com a atenção básica • Dificuldades de implantação nos municípios • até 2004 - 52% com DOTS • 68% de cobertura populacional dos serviços de saúde com o DOTS 2° pior, perdendo para a Nigéria (65%) • 9° pior entre os 35 países analisados (OMS, 2005) • Taxa de cura no Brasil é de 81% • Tendências da TB no Brasil estão associadas às desigualdades sociais • Mais pobres, menos escolarizados, negros, homens
Não-adesão • Inabilidade ou recusa p/ingerir os medicamentos prescritos • Forma mais severa ou TB MDR ou XDR (EUA, África e Leste Europeu – 41 países) • Disseminação (bacilífera 1 2) • Óbito • Um bom tratamento requer um bom entendimento dos facilitadores e das barreiras para a cura
Não-adesão • Em geral, ela tem sido atribuída: • Tipo de organização do tratamento; • Interpretação da doença e do mal-estar; • Custo do tratamento; • Conhecimento, atitudes e crenças referentes ao tratamento; • Efeitos adversos/colaterais; • Características pessoais; • Suporte da rede social.
Pelotas (RS) Estudo qualitativo
Estudo quanti • Em Pelotas 1973 tratamento Centro de Saúde • Estudo epidemiológico para avaliar fatores de risco e incidência de tuberculose durante 1 ano e 6 meses (n=152) • Taxa de abandono de 20,4% (n=31)
Objetivo • Entender os motivos da não-adesão a um tratamento gratuito de uma doença grave
Composição do universo de pesquisa • A não-adesão no CS só era avaliada quando a coordenadora solicitava um relatório ou a assistente social notava falta do paciente • Revisão de prontuários de todos os pacientes inscritos e pertencentes ao estudo • Indicativos de não-adesão foram: • Não retornar ao serviço após 15 dias da data marcada • Retorno é mensal • Nome e endereço, e o primeiro contato foi feito no domicílio (HG)
Estudo qualitativo • 35 homens e 15 mulheres = 50 • 38 informantes (20-40 anos) c/contato + prolongado (1 ano) • 20 a 80 anos • Tipo da doença: + TB Pulmonar • Famílias: pais e filhos • Renda familiar: 1-3 SM (R$120,00 a 360,00)
Estudo qualitativo • Escolaridade: 1° grau incompleto • Maioria conhece alguém ou ouviu falar algo sobre TB recentemente • Viés do doente • CS: 4 médicos (3?) e 4 funcionárias divididos em 2 turnos • Entrevistas semi-estruturadas, observações e conversas informais • Domicílios em distintos bairros, em geral, nas zonas mais pobres • CS: turnos distintos • Gravação e apontamentos • 19 dos 50 modificaram o tratamento: 14 homens e 5 mulheres
Percepção dos sinais/sintomas = doença TB • Aparência corporal emagrecimento • Funções orgânicas respiração ofegante • Emissões orgânicas incomuns escarro c/sangue • Funcionamento de um órgão pontada • Sintomas físicos desagradáveis suor, tosse • Mudanças de comportamento isolamento • Estados emocionais exagerados angústia, medo
Caminho percorridoO que é anormal Fraqueza, pontada, cor e cheiro do escarro, cansaço maior Indivíduo e os familiares notam problema. Comumente os familiares são os que mais pressionam para uma consulta Antes de chegar ou mesmo indo ao médico – muitos usam medicamentos. Gripe forte, pneumonia e bronquite (doenças comuns, sintomas semelhantes) Passado ± 2 meses procuram o primeiro serviço (hospital) para buscar um diagnóstico 15 a 30 dias para chegar ao CS Diagnóstico CS tratamento Indivíduo e Doença se fundem e se confundem
Abrangência da doença • Uma das muitas formas de entender a doença é atribuir que a TB aparece como conseqüência negativa dos atos • Injustiça – trabalhador que se dedicou e se expôs a muitos riscos (insalubre), realizou tarefas braçais (exige força física), não pode estudar e faz o que os ricos não fazem (injustiça, desigualdade) • Idéia de que a TB não só debilita fisicamente, mas provoca a perda da força/vigor físico ou moral para: • Trabalho - variações climáticas - frio/umidade/calor; contato c/substâncias impuras; levantar peso, trabalhar doente; manutenção dos gastos • Casa - atividades domésticas de limpeza; cuidado dos filhos • Lazer - jogar bola, tomar mate, visitar amigos/parentes
Fraqueza • Não só incapacita fisicamente, mas atinge a imagem ou papel social já assumido e construído ao longo da vida • Seja pela explicação do acúmulo (excesso), do descaso ou da exigência com o corpo • Provoca uma grande fraqueza física e moral TB • Recolocar-se por um período em outra posição, geralmente, mais frágil • Mudança da imagem corporal • Visível a todos • Começa a preocupação que vai além da saúde • Emagrecimento, desanimo e cansaço compõem a fraqueza • Fraqueza tem várias etiologias
Fraqueza • Alimentação desregrada • Doença mal curada • Comportamento do indivíduo (malandro ou trabalhador) • Câncer ou Aids – TB nem existe mais! • Doenças hereditárias • Impurezas da rua • Estresse ou depressão/desgosto
Fraqueza e alimentação • Forte associação com a alimentação (emagrecimento) • Irregularidade – comer quando quer ou pode • Dieta não variada • Alimentos frios e fracos (salgados, refrigerante) não sustentam o corpo • Arroz, feijão, carne protegem, dão energia refeição completa (quentes e fortes) • Comer na rua implica em ter pouco cuidado consigo ou pouco tempo para si desgaste externo que se reflete na desordem interna Uma fraqueza, uma anemia muito grande e ela não queria comer. Aí atacou os pulmões – era um princípio de tuberculose. Agora não deixo faltar leite em casa, nem para ela e nem para o guri. (marido, carroceiro – caso Cintia)
A fraqueza e o além • Cintia, achava que poderia ter alguma doença ruim, como a Aids (desconfiou do marido). • Depois encontrou um amigo espírita, que recomendou uma dieta especial (tipos de alimentos) para afastar o que haviam feito a ela (trabalho feito) + • Dieta mais forte poderia combater as maldades do além. O corpo forte pode lutar contra os males espirituais, porque o alimento é um veículo para aquisição de saúde. Um corpo saudável é menos suscetível • TB, segundo o marido, é decorrente da fraqueza provocada pela anemia (má alimentação). Como leite condensado não dá para ele providenciar sempre – ele garante leite de vaca para ela e o filho • Leite condensado engorda! Combate a perda de peso. Gordura vista como saúde
Fraqueza, alimentação, maldade • Fraqueza, anemia má alimentação, predisposição p/doença receptáculo, aberto para vírus/bacilos, enfraquecido • A possibilidade de que o trabalho espírita tenha influído nunca foi descartada. A exigência alimentar foi cumprida por um tempo • Além da má alimentação, trabalho espírita, há ainda outra explicação que convive sem conflitos • Freqüentava um local de lazer sempre lotado e com pouca ventilação • Pouca ventilação, possibilidade de contaminação via ar ou contato físico
Esquema de tratamento • Responsabilidade do outro • Marido – Aids Mulheres fazem isso. Elas são vítimas. • Maldade alheia • Ex do marido faz um trabalho Fraqueza do marido (homem!) • Fraqueza, anemia • Pouco cuidado com a alimentação Papel feminino no lar • Exposição ao vírus • Bailão Não é mais para mulher casada • TB • Doença enviada, mas que se pega em contato com alguém doente, se o corpo fraco (anemia) + fácil pega. • É uma somatória de fatores. Nem sempre respeitam a lógica biomédica • Tratar com purificação espiritual, alimentação (leite), remédios quando até que os sintomas cessem e o corpo volte a ser como antes • Não mostra para o marido e quando contou para o médico que não ingeria todos os dias, foi xingada e ficou braba • Ficou grávida e não-aderiu completamente (medo aborto e desgosto com o médico)
Dimensões da fraqueza O corpo fraco que não se sustenta Destruição de uma parte afetada Bichinho come por dentro – seca – corpo bichado – escarro - apodrecendo – inflamado – morte Caderneta – controle por cruzes simbologia para controle Vida/Morte Saudável/Quase morto Desordem Notada pela aparência física Emagrecimento, cansaço, desanimo fraqueza Fraqueza má alimentação pobreza (marido carroceiro/frete) Trabalho espírita Dieta alimentar e o maior cuidado com alimentação Lazer em local impuro Marido ex-namorada esposa praga de enfraquecimento/anemia e TB Médico – remédio para anemia Diagnóstico de tuberculose Tratamento de tuberculose Manipulação dos medicamentos por não considerar a doença apenas um mal orgânico Raiva do marido Tristeza Rompe com o lazer e tem medo de que descubram que está Tuberculosa Física (doença) e Moral (comportamento)
Adoecer implica • Ao longo da busca do que ocorre até a cura, alguns conflitos e entendimentos pessoais surgem • a dimensão disso pode mudar o rumo ou acentuar aspectos da vida diária dos adoecidos • demonstram os limites frágeis entre o eu e o outro via o corpo • O adoecer implica, entre outras coisas: • Reconhecimento de estar enfermo em seu grupo • Necessidade de se adequar ou driblar o período de tratamento conforme suas crenças, sua história • Grande limitador da cura completa entender como se pode ajudar muitas pessoas com muitas histórias e manejos de saúde
O que sabemos e fazemos? • Diferentes fontes de conhecimento que interagem ao longo da vida para diferentes situações • Sistema biomédico e leigo (cultural) • Com o tempo o corpo cobra • Predisposição para fatores de risco presentes no caso não são só leigas • Adaptações ou reorganizações de conhecimentos biomédicos em situações específicas ou contextuais
Situação conjugal, gênero e adesão • A classificação entre indivíduos doentes casados, separados ou solteiros foi importante para a análise quando os comportamentos e as narrativas foram comparadas • A situação conjugal atual, gênero e estar doente tem uma grande implicação no tratamento.
Homens solteiros ou separados • 19 homens • Preocupações mais diluídas sobre a doença • aderem menos às recomendações médicas • Não alteram seu modo/estilo de vida • autônomos, livres, independentes (sexo/mulher, jogo, álcool, noite) • não esmorecer com dores corporais (coisa de mulher) • modificarem seus hábitos, durante os 6 meses (fumo e bebida) • Reclamam dos efeitos colaterais e quantidade nos 6 meses • causa mais problema do que cura • Sintoma cessa a interrompem temporariamente o tratamento • Se sentem apenas responsáveis por si quando não têm filhos ou têm e não convivem com eles • 11 não-adesão • Cura – com tratamento irregular • Apoio da mãe ou irmãos foi fundamental
O que fazer? • TB no Brasil – amplitude de diferenças • DOTS é uma solução com limites • Implantação • Treinamento • Busca ativa • ‘Controle’ regular • Médicos não serem tão especialistas • Os doentes não encaram desta forma • Uma TB não é apenas uma TB • 6 meses de tratamento não deveriam ser representados por seis contatos
O que fazer? • Não somente medicar (antigo!!!) • Avaliar nos retornos as implicações da doença na vida cotidiana • Diferenças entre homens e mulheres • Casados e solteiros • Desempregados e trabalhadores • Ouvir e conversar • Como fazer isso na correria/sobrecarga? Com sobrecarga só emergência funciona • Apoio familiar - requerer ao longo do processo terapêutico • Conhecer a situação familiar é importante; fazer alianças • Equipe trabalhar afinada • Educação médica • Educação para saúde
Lembrar • Obedecer à prescrição dos medicamentos é concretizar a doença, mas é também efetivar as limitações também físicas. • Ao manipular o tratamento os indivíduos engendram uma forma própria de lidar com estes aspectos (alguns apontados) e com as características mórbidas de que são portadores da forma como entendem ser melhor, mesmo que elas sejam contrárias a uma cura nos moldes do PNCT.